Envelhecimento da população expõe etarismo no mercado de trabalho

Foto Arquivo Pessoal

A população brasileira está mais longeva. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas com 60 anos ou mais passou de 15,2 milhões para 33 milhões, entre 2000 e 2023. No mesmo período, a expectativa de vida no país subiu de 71 para 76 anos. No entanto, o mercado de trabalho não tem acompanhado o aumento da longevidade dos brasileiros. Pesquisa realizada pela Catho revela que 70% dos trabalhadores com 50 anos ou mais estavam desempregados em 2024.

Outros dados do estudo evidenciam o etarismo nas relações de trabalho: 69% dos entrevistados afirmaram ter perdido oportunidades de emprego por causa da idade. Entre eles, 55% relataram que suas capacidades e habilidades foram subestimadas no ambiente corporativo ou em entrevistas.

As informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, corroboram a dificuldade de empregabilidade dos profissionais com 50 anos ou mais. Em 2024, foram abertos quase 1,7 milhão de postos de trabalho, um crescimento de 16,5% em relação a 2023. Do total de vagas criadas, 90% foram ocupadas por jovens de até 24 anos. Já entre os brasileiros com mais de 50 anos, o cenário é oposto: quase 160 mil postos de trabalho foram fechados.

O gerontólogo José Anísio “Pitico” da Silva explica que o envelhecimento populacional no Brasil tem ocorrido de forma acelerada. “Esse envelhecimento provoca impactos em todos os aspectos da vida, em todas as relações sociais da convivência urbana e comunitária. Embora seja uma conquista significativa, que remete ao antigo desejo da humanidade de viver mais — e que hoje se concretiza com o aumento da expectativa de vida —, essa realidade ainda passa ao largo das ações dos nossos dirigentes políticos, no nível municipal, estadual e federal.”

Ele observa que a idade se tornou um estigma. “Em vez de ser celebrada, respeitada, motivo de orgulho e reverência, a nossa cultura é etarista, ou seja, exclui, anula, impede e não permite a participação, por exemplo, no mercado de trabalho, das pessoas com 50, 60 anos”, analisa. “No Brasil, aos 60 anos, já se é considerado idoso do ponto de vista jurídico. Isso provoca uma retração e desvalorização pessoal, levando até a desequilíbrios de saúde, em contradição com o aumento da longevidade. O mercado de trabalho precisa ser redirecionado. Deve-se ampliar e repensar as ofertas e os campos de atuação para que pessoas idosas possam continuar a sobreviver. A aposentadoria da maioria da população é insuficiente, e muitos enfrentam dificuldades.”

Pitico acrescenta que o mercado de trabalho, dentro de uma sociedade etarista, precisa rever suas diretrizes e dialogar com o paradigma do envelhecimento. “As empresas precisam reconhecer a importância dos profissionais seniores — experientes, sérios, pacientes e com habilidades socioemocionais desenvolvidas ao longo da vida.”

‘Preconceito nem sempre é explícito’

Quando decidiu migrar de carreira, Frederico Monteiro de Castro Amaral, 50 anos, conta que precisou comprovar suas habilidades e enfrentar os desafios impostos por um mercado etarista. Advogado especializado na área tributária, na qual atuou até 2008, hoje ele se dedica à tecnologia aplicada ao setor fiscal e contábil.

 “Estava bem estabelecido na advocacia e resolvi começar algo novo. Não foi fácil. Exigiu humildade, coragem e disposição para estudar muito”, relata acrescentando que a transição de carreira foi um grande desafio. “Formalmente, são 32 anos de trabalho. Desde muito jovem, estive envolvido com o universo jurídico e empresarial. Nos últimos 16 anos, dedico-me ao empreendedorismo voltado à criação de soluções tecnológicas para a área contábil e tributária.”

Cofundador e CEO da e-Auditoria Softwares, empresa especializada em auditoria digital e automação fiscal, fundada em 2009, ele lidera uma operação que atende mais de 30 mil usuários e impacta indiretamente cerca de 300 mil empresas no Brasil.

Segundo a pesquisa anual do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), pessoas entre 55 e 64 anos vêm se destacando no Brasil no empreendedorismo inicial. Em 2024, essa faixa etária atingiu o índice recorde da série histórica, iniciada em 2002, correspondendo a 13,3% dos empreendedores que começaram o próprio negócio no país.

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Após migrar para a área de tecnologia, Frederico, 50 anos, relata que o etarismo se manifesta em expectativas distorcidas, como a ideia de que uma pessoa de 40 anos não acompanha tecnologia ou inovação (Foto: Arquivo Pessoal)

Frederico reconhece que o etarismo é um obstáculo. “O preconceito nem sempre é explícito, mas se manifesta em expectativas distorcidas, como a ideia de que quem passou dos 40 não acompanha tecnologia ou inovação.”

Pesquisa da Catho revela que 40% dos gestores entrevistados demonstraram resistência à contratação de profissionais com mais de 50 anos, alegando dificuldade de adaptação tecnológica, resistência a mudanças e risco de conflitos geracionais.

Pitico analisa a relação entre faixa etária e tecnologia. Para ele, é necessário maior incentivo à inclusão digital. “É preciso criar programas de capacitação tecnológica para o público 60+, especialmente considerando o baixo nível de escolaridade dessa população. Há uma entrada crescente de idosos no uso de tecnologias, mas ela ainda é restrita a quem tem recursos e formação privilegiada. É necessário democratizar esse acesso.”

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, 66% das pessoas com mais de 60 anos (cerca de 22,5 milhões) usavam a internet em 2023 — o menor percentual entre todas as faixas etárias. Apesar disso, esse grupo tem apresentado o crescimento mais acelerado no acesso à rede desde 2019, quando apenas 44,8% utilizavam a internet.

Ainda sobre preconceito, Frederico relata: “Já participei de eventos de inovação em que minha presença destoava do perfil esperado. Ao me apresentar como responsável por uma empresa de Inteligência Artificial e automação fiscal, percebi olhares de espanto, como se fosse improvável alguém da minha idade liderar esse tipo de projeto. O preconceito se manifesta de forma sutil — com surpresa, subestimação, estranhamento.”

Na sua empresa, ele busca o equilíbrio. “Temos pessoas jovens, com energia e novas ideias, e profissionais experientes, que ajudam a evitar erros e oferecem visão estratégica. Geração não é barreira, é diversidade — e diversidade é um ativo, quando bem gerido.”

Contraponto ao preconceito: a experiência como diferencial

Apesar do cenário preocupante, profissionais como Ana Karina Dalton Araújo Porto, 51 anos, mostram que apostar em pessoas mais experientes pode ser vantajoso. Com 30 anos de carreira, a psicóloga clínica e hospitalar, especializada em saúde mental e cuidados paliativos, afirma que a experiência acumulada é um diferencial em contraponto ao preconceito do mercado.

Aos 51 anos, Ana Karina Dalton atua como psicóloga clínica e hospitalar e defende que a experiência acumulada com o tempo é diferencial no mercado de trabalho. (Foto: Iago da Silva)
Aos 51 anos, Ana Karina Dalton atua como psicóloga clínica e hospitalar e defende que a experiência acumulada com o tempo é diferencial no mercado de trabalho. (Foto: Iago da Silva)

“(O etarismo) Sempre é desafiador, mas, no meu caso, acredito que a experiência proporcionada pelo tempo de atuação me ajudou. E esse tempo só foi possível pela minha idade.”

Ela ressalta que, em sua área, a experiência é valorizada. Por isso, sente-se respeitada. “Percebo um equilíbrio, já que as prioridades são a experiência profissional, o investimento, a qualificação e a dedicação, principalmente por se tratar de um setor muito importante, que é a saúde.”

Pitico reforça a importância de o mercado de trabalho se reconfigurar. “A capacidade produtiva não desaparece com a idade. É necessário oferecer oportunidades condizentes com a realidade física, intelectual e educativa da população. Envelhecermos o mundo de forma diferente.”

Iniciativas de combate ao etarismo

Para Pitico, o etarismo tem bases estruturais e culturais. “Precisamos construir uma nova sociedade, onde as pessoas idosas tenham espaço por direito e por justiça social. O preconceito está enraizado na forma como fomos socializados. É preciso reorganizar a sociedade. Teremos menos crianças e mais idosos.”

Ele afirma que não há outra forma de mudar a sociedade que não seja pela ação educativa. “Precisamos tirar a Política Nacional do Idoso (1994) e o Estatuto da Pessoa Idosa (2003) do papel. A população precisa conhecer seus direitos. A pauta do envelhecimento deve ser central na agenda pública. O etarismo está no trabalho, na saúde, na educação, no transporte. Precisamos construir uma nova sociabilidade.”

Rony Santos lidera iniciativas para promover a inclusão e combater o preconceito relacionado ao envelhecimento no mercado corporativo. (Foto: Divulgação)
Rony Santos lidera iniciativas para promover a inclusão e combater o preconceito relacionado ao envelhecimento no mercado corporativo. (Foto: Divulgação)

O gerente sênior de ESG e Diversidade & Inclusão do Grupo Boticário, Rony Santos, destaca a importância de incluir pessoas com mais de 45 anos no quadro de colaboradores. Atualmente, a empresa conta com mais de 21 mil funcionários diretos e, entre 2022 e 2024, aumentou em 23% a representatividade de profissionais dessa faixa etária e em 17% nas posições de liderança.

“É fundamental destacar que a faixa etária 45+ reúne múltiplas interseccionalidades. Nos processos seletivos e de promoção, o Grupo Boticário valoriza experiências diversas, com foco no potencial, nas competências e na contribuição de cada pessoa, independentemente da fase da vida em que se encontra”, afirma Santos.

Entre as ações voltadas ao combate do etarismo, ele cita o Pacto Prateado, conjunto de medidas que vão da sensibilização à criação de oportunidades. A iniciativa promove o debate sobre o envelhecimento e fortalece a presença da população idosa no mercado de trabalho, por meio de campanhas, conteúdos educativos e programas de empregabilidade, qualificação e desenvolvimento profissional.

A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Minas Gerais (Fecomércio MG) também lançou a campanha “50+”, com o lema “Quem tem passado pode oferecer futuro”. A ação oferece capacitação e encaminhamento ao mercado por meio dos serviços gratuitos do Senac. Após a contratação, os profissionais podem contar com o suporte do Sesc.

Vantagens

Ana e Frederico enxergam a vivência adquirida com o tempo como aspecto positivo. “Já vivi ciclos econômicos, enfrentei crises, reinventei negócios. Isso me dá visão realista e autoridade para dialogar com empresários, advogados, contadores. Gera confiança”, afirma ele. “Representa uma vantagem tanto para mim quanto para a empresa, permitindo que eu me capacitasse mais e oferecesse um atendimento de qualidade”, completa Ana.

* Estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli

 

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