Acordo de Schengen sob pressão em seu 40º aniversário

Tratado assinado em 1985 deixa legado positivo para a economia de seus membros, mas proliferação de controles de fronteiras desafia sua continuidade.Há 40 anos, representantes dos governos da Bélgica, Alemanha, França, Luxemburgo e Holanda se reuniram em um barco em uma pequena vila luxemburguesa.

O local escolhido, às margens do rio Mosela, no ponto onde se encontram França, Luxemburgo e Alemanha, foi a simbólica cidade de Schengen, onde, em 14 de junho de 1985, o Acordo de Schengen foi assinado.

O acordo tinha como objetivo eliminar gradualmente os controles de fronteira entre os Estados-membros, abrindo caminho para a livre circulação de pessoas. Ele foi implementado totalmente em 1995.

Em uma pesquisa recente do Eurobarômetro, 72% dos entrevistados identificaram o Schengen como uma das maiores conquistas da União Europeia em sua história, importante para destravar também acordos comerciais e logísticos.

Apesar do apoio popular e de ser frequentemente descrito como uma pedra angular da integração europeia, o Espaço Schengen celebra o 40º aniversário de sua assinatura sob pressão.

Em 2024, os países do Schengen impuseram mais controles entre suas fronteiras do que qualquer outro momento desde que a zona de livre circulação foi criada, entre eles, a Alemanha. As fiscalizações estabelecidas para conter fluxos migratórios passaram a desafiar os objetivos originais e constituintes do acordo.

“Eles não foram acordados como uma medida permanente, nem foram concebidos para isso”, disse Alexander Schweitzer, governador do estado alemão da Renânia-Palatinado, durante o evento de aniversário do acordo celebrado no vilarejo luxemburguês de Schengen. Enquanto Schweitzer falava, a polícia alemã realizava inspeções de veículos no lado alemão da ponte sobre o rio Mosela.

Schengen impulsionou economia europeia

Atualmente, o Espaço Schengen é composto por 29 países, com um total de 420 milhões de habitantes. São 25 membros da União Europeia, além da Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Apenas dois membros do bloco não aderiram: a Irlanda, por ter uma área de livre circulação com o Reino Unido, e o Chipre, que está atualmente em processo de adesão.

Outros países querem entrar no clube, como a Albânia, que tem crescente cooperação econômica, política e de segurança com os signatários do Schengen e se beneficia de viagens sem visto desde 2010.

As adesões mais recentes da Romênia e da Bulgária após anos de atraso destacam sua importância. A remoção total das inspeções de fronteira trouxe benefícios econômicos visíveis para os novos membros.

A adesão aumentou os investimentos estrangeiros na Romênia, segundo o ministério das Finanças do país. A eliminação dos controles fronteiriços simplificou a logística, reduziu os tempos de espera, os custos e aumentou a competitividade.

Na Bulgária, o ex-primeiro-ministro Nikolai Denkov chamou o marco de “o maior sucesso da diplomacia búlgara” desde a entrada do país na UE em 2007.

Dimitar Dimitrov, da Câmara de Transportes Rodoviários da Bulgária, afirmou que os atrasos na fronteira com a Romênia custavam ao setor cerca de 300 milhões de euros (R$ 1,9 bilhão) por ano, devido ao tempo médio de espera de 10 a 15 horas para atravessar.

Na Croácia, que ingressou em 2023, a adesão ao Schengen conta com apoio quase unânime. A abolição dos controles fronteiriços impulsionou o turismo do país, que recebe muitos visitantes europeus no verão.

Livre circulação em perigo

Apesar dos benefícios, a livre circulação de pessoas foi colocada à prova na última década. Vários países reintroduziram controles fronteiriços como forma de conter a migração.

A Comissão Europeia afirma que o monitoramento temporários de fronteira são permitidos “em caso de ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna”, mas devem ser aplicados como último recurso, em situações excepcionais.

Os países podem introduzir restrições se apresentarem uma justificativa válida e podem prorrogá-los a cada seis meses, geralmente por até dois anos. Após esse período, a justificativa deve mudar para que os controles permaneçam em vigor.

Contudo, o que era exceção aos poucos se tornou regra. Atualmente, Eslovênia, Áustria, Países Baixos, Dinamarca, França, Noruega, Suécia, Alemanha, Bulgária e Itália têm controles de fronteira ativos em algum grau. Em alguns casos, as fiscalizações fronteiriças são mais ferrenhas, em outros, há menor impacto.

Em resposta aos atentados terroristas de novembro de 2015, a França, por exemplo, restabeleceu inspeções em suas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas com outros membros de Schengen. O país vem renovando a decisão desde então.

Em 2015, a Áustria também introduziu fiscalizaçõess temporários com a Eslovênia e a Hungria devido ao alto número de migrantes, mas essas intervenções vêm sendo constantemente prorrogadas.

Em outubro de 2023, a Eslovênia impôs controles em suas divisas com a Hungria e a Croácia. Antes disso, a Itália também havia instalado a fiscalização fronteiriça com a Eslovênia e a Áustria devido ao aumento dos fluxos migratórios pela chamada rota dos Bálcãs e preocupações com a segurança nacional.

Os países justificam a intervenção como forma de evitar que solicitantes de asilo circulem livremente pelo continente antes de registrarem seu pedido no Estado responsável, conforme determina o Acordo de Dublin – geralmente o primeiro país por onde o imigrante ingressou no Schengen.

Alemanha endurece controle

Em setembro de 2024 foi a vez de a Alemanha voltar a estabelecer postos de fiscalização em suas fronteiras. Nos últimos dez anos, o país já vinha gradualmente reintroduzindo controles temporários, com o objetivo de reduzir a imigração de indocumentados.

No entanto, após atentados atribuídos a imigrantes irregulares o governo alemão decidiu estabelecer uma fiscalização fronteiriça mais incisiva. Após a posse do chanceler federal Friedrich Merz, em maio de 2025, a medida foi renovada e ampliada. O Ministro do Interior, Alexander Dobrindt, endureceu a regra e ordenou que os agentes de fronteira negassem a entrada de migrantes irregulares, mesmo que solicitassem asilo.

Como a DW mostrou, a decisão também gerou críticas no próprio vilarejo de Schengen, cujos habitantes passaram a enfrentar fiscalizações diárias ao circular entre França, Luxemburgo e Alemanha.

Michel Gloden, prefeito de Schengen, criticou duramente os controles reintroduzidos na fronteira alemã durante as comemorações deste sábado. “Na minha opinião, estamos atualmente atropelando parcialmente uma conquista muito importante”, disse Gloden na cerimônia que marcou o 40º aniversário do acordo.

O mesmo aconteceu em Estrasburgo, cidade francesa vizinha à alemã Kehl. Muitos habitantes moram em um dos municípios e trabalham no outro, o que se tornou mais difícil com as inspeções fronteiriças.

Alguns países evitam os controles

Por outro lado, outros países resistem à tendência dos vizinhos de restabelecer controles fronteiriços.

A Bélgica raramente apertou suas regras de fronteira nos últimos 40 anos, com exceção de fechamentos estabelecidos em 2021, para conter a disseminação da pandemia da covid-19. Assim como a França, o país também foi pressionado por questões migratórias e de segurança, como os ataques terroristas de 2016, em Bruxelas.

Portugal também não estabeleceu controles fronteiriços, exceto em eventos pontuais como a visita do papa a Lisboa em 2010 e durante a pandemia.

Museu de Schengen relembra as conquistas

A pressão sobre o Schengen foi notada pela curadora de um museu dedicado ao tema, localizado no vilarejo luxemburguês onde tudo começou. Após reformas, a instalação foi aberta neste final de semana como parte das comemorações dos 40 anos do acordo.

Muita coisa mudou desde que o museu foi inaugurado em 2010, disse sua diretora, Martina Kneip.

“Naquela época, as fronteiras abertas eram realmente celebradas”, disse ela. “Com a covid-19 e a crise de refugiados, o grito repentino foi: Schengen está morto, ninguém mais quer isso, é o culpado de tudo.”

O museu quis responder a essa mudança de percepção. No local, todos podem ver por si mesmos “o quão valiosa e significativa é a ideia de Schengen”, disse o prefeito Gloden. “Conseguimos desmantelar as fronteiras entre os países – e as fronteiras na mente das pessoas nunca devem voltar a existir.”

gq (dw, dpa, afp, efe)

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