Um ano após as enchentes que devastaram Eldorado do Sul (RS), o município pode se tornar sede do maior complexo de Data Centers da América Latina. A Scala Data Centers, empresa especializada em infraestrutura digital, planeja erguer a “Scala AI City“, uma verdadeira cidade dedicada ao processamento de dados, em uma área antes destinada à produção de eucaliptos.
Com investimentos que podem ultrapassar R$ 500 bilhões, o projeto é visto por autoridades locais como um marco de desenvolvimento. Entretanto, o volume de energia necessário para operar o complexo — estimado em 4,75 GW — acendeu alertas entre especialistas em meio ambiente e energia.
Novo Vale do Silício no Brasil?
O projeto foi anunciado oficialmente em outubro de 2024, com a assinatura de um protocolo de intenções entre o governo estadual e a Scala. O secretário de Desenvolvimento Econômico do RS, Ernani Polo, comemorou: “É a oportunidade de transformar o Rio Grande do Sul no novo Vale do Silício brasileiro”.
Segundo o governo, a escolha de Eldorado do Sul se deve à robusta capacidade elétrica da região e ao clima mais ameno do sul do Brasil — fatores que, em tese, reduziriam o custo energético para o resfriamento dos servidores.

Impacto energético sem precedentes
O consumo estimado da cidade de Data Centers supera a capacidade de geração de grandes hidrelétricas brasileiras, como a usina de Jirau (3,8 GW) e Santo Antônio (3,6 GW), que juntas abastecem quase 80 milhões de pessoas.
A demanda de 4,75 GW refere-se à energia necessária para o funcionamento e o resfriamento do complexo, e não à sua capacidade de processamento de dados
Ricardo Soares, professor da Universidade Veiga de Almeida e especialista em meio ambiente.
A comparação evidencia o tamanho do empreendimento e a magnitude dos desafios que podem surgir para o sistema elétrico da região e do país.
Hidrelétrica | Energia Gerada | População Abastecida | Energia Consumida |
---|---|---|---|
Itaipu | 14 GW | 90 milhões | – |
Belo Monte | 11,2 GW | 60 milhões | – |
Tucuruí | 8,4 GW | 52 milhões | – |
Jirau | 3,8 GW | 40 milhões | – |
Santo Antônio | 3,6 GW | 39 milhões | – |
Scala AI City | – | – | 4,7 GW |
Licenciamento ambiental flexibilizado gera críticas
Uma lei municipal aprovada especialmente para o projeto permite o licenciamento ambiental de forma simplificada e autodeclaratória. Na prática, isso significa que não será exigido estudo de impacto ambiental rigoroso, o que preocupa ambientalistas.
Iporã Brito Possantti, hidrólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), alerta: “Isentar grandes projetos de avaliações ambientais transfere o custo dos impactos à sociedade no futuro, comprometendo a sustentabilidade e a justiça ambiental.”
Atualmente, nem o estado do Rio Grande do Sul nem o governo federal possuem normas específicas para o licenciamento de data centers. Há propostas em andamento, mas sem prazo para aprovação.

Energia renovável e sustentabilidade prometidas
A Scala Data Centers afirma que toda a energia utilizada será 100% renovável e certificada. A empresa também diz que o uso de tecnologias de resfriamento não terá desperdício de água, alegando que apenas uma carga inicial será necessária no sistema, sem necessidade de reposição contínua.
Contudo, críticos apontam que o Brasil enfrenta ciclos de seca severos — em 2025, mais de 60% dos municípios gaúchos decretaram emergência hídrica — e que projetos de grande consumo de água e energia precisam ser avaliados cuidadosamente diante das mudanças climáticas.
Escassez de água e risco climático
Porto Alegre, cidade vizinha a Eldorado, registrou recordes de temperatura em 2025, com médias 7,3°C acima do normal. O aumento das secas e enchentes coloca em xeque a sustentabilidade de empreendimentos tão intensivos em recursos.
Exemplos internacionais, como os protestos no Uruguai contra o Google após uma crise hídrica, mostram que a convivência entre Data Centers e populações afetadas por escassez de água historicamente pode se tornar fonte de conflito.
Data Centers consomem muita água. Em um mundo onde a escassez hídrica cresce, isso é motivo de preocupação global
Golestan Radwan, diretora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
Alta demanda e pouco controle
Embora a instalação do Scala AI City prometa gerar mais de 3 mil empregos e impulsionar o setor de tecnologia no Brasil, especialistas reforçam a necessidade de um marco regulatório claro para o licenciamento ambiental de data centers no país.
Ricardo Soares afirma: “Não podemos acelerar o desenvolvimento tecnológico ignorando seus impactos. Um equilíbrio é essencial para evitar consequências graves no futuro.”
O governo federal já anunciou planos de criar um marco legal para data centers no Brasil, mas até o momento, a regulamentação não foi publicada.
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Muitas questões em aberto
O projeto da Scala AI City representa uma nova era para Eldorado do Sul e para o Rio Grande do Sul. Mas, ao mesmo tempo também expõe desafios que o Brasil ainda não resolveu em termos de regulação ambiental, gestão hídrica e planejamento energético para um mundo em rápida transformação climática.
Enquanto máquinas e servidores avançam, a sociedade precisa discutir como assegurar que essa transformação seja realmente sustentável — e não apenas mais uma aposta arriscada no meio de uma crise planetária.
Fonte: Repórter Brasil

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