IA no cenário Geopolítico global: A corrida pelo multiplicador de produtividade do século

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A inteligência artificial evoluiu significativamente, transitando dos ambientes acadêmicos para as agendas estratégicas de governos ao redor do mundo. O que até recentemente era visto principalmente como uma tecnologia em desenvolvimento agora ocupa um lugar relevante nas discussões geopolíticas internacionais. Isso ocorre por uma razão substancial: a IA representa um dos mais significativos potencializadores de produtividade econômica das últimas décadas, comparável em importância a outras grandes inovações tecnológicas da era moderna.

O verdadeiro prêmio: produtividade e competitividade nacional

Nos próximos anos a inteligência artificial deixará de ser mera inovação tecnológica, passando a ser elemento central na evolução da competitividade econômica global nas próximas décadas. As evidências empíricas corroboram esta perspectiva com dados substantivos:

Segundo relatório da McKinsey Global Institute (2023), organizações que implementam sistemas avançados de IA estão documentando aumentos de produtividade entre 25% e 35% em setores tradicionais, com variações significativas conforme o nível de maturidade digital. Na manufatura, a consultoria Boston Consulting Group identificou que a implementação de sistemas preditivos de manutenção e otimização de processos reduz custos operacionais em 15% a 20%, conforme publicado em seu estudo “AI in Manufacturing: The Next Productivity Frontier” (2022).

Projetados para setores inteiros da economia, estes ganhos representam um avanço significativo em produtividade sistêmica. Um estudo do MIT Technology Review Insights em parceria com a IBM (2024) estima que a adoção ampla de IA pode adicionar entre 0,8% e 1,4% ao crescimento anual do PIB das economias avançadas na próxima década. Para as nações, este cenário traduz-se em potencial de crescimento econômico sustentado, vantagens competitivas estruturais e maior capacidade de influência nas dinâmicas econômicas globais. Esta dimensão transformadora explica por que a tecnologia evoluiu de tema comercial para questão de segurança e soberania nacional em diversas potências globais.

As evidências de uma nova Guerra Fria tecnológica

A intensidade desta disputa está cada vez mais evidente. O noticiário recente trouxe dois exemplos reveladores da escalada no conflito pela supremacia em IA:

Na semana passada, o Times of India revelou que a DeepSeek, promissora empresa chinesa de IA, confiscou os passaportes de seus principais engenheiros e impôs proibições de viagem. Segundo a reportagem, citando fontes do The Information, o objetivo é evitar vazamentos de “informações confidenciais que poderiam constituir segredos comerciais ou até mesmo segredos de Estado”. Não por acaso, a empresa recentemente recebeu o status de “tesouro nacional” na China, após o surpreendente sucesso internacional de seu modelo R1.

Simultaneamente, nos Estados Unidos, a OpenAI – criadora do ChatGPT – apresentou uma proposta formal à administração Trump pedindo o banimento de modelos de IA desenvolvidos na China, descrevendo a DeepSeek como uma organização “subsidiada pelo Estado” e “controlada pelo Estado” chinês.

Estas não são meras manobras empresariais. São manifestações concretas de como a IA se tornou um ativo estratégico nacional, protegido e promovido com o mesmo zelo que tradicionalmente se reservava a tecnologias militares críticas.

Por que a IA é o novo campo de batalha geopolítico

Para entender a dimensão estratégica da IA, precisamos observar seu impacto transformador em quatro eixos fundamentais de poder nacional:

Produtividade econômica geral: A IA avançada permite fazer mais com menos recursos, potencialmente aumentando o PIB nacional de forma significativa. McKinsey e PwC estimam que a IA pode adicionar entre US$ 13 trilhões e US$ 15,7 trilhões à economia global até 2030, com benefícios concentrados nos países líderes nessa tecnologia.

Vantagem militar e de segurança: Os sistemas de defesa modernos dependem cada vez mais de análise de dados e tomada de decisão autônoma. A nação com IA mais avançada terá vantagens significativas em inteligência, cibersegurança e capacidades militares.

Influência sobre padrões globais: Quem domina a IA influencia os padrões técnicos, éticos e regulatórios que governarão essa tecnologia. É uma forma de poder normativo que se estende muito além das fronteiras nacionais.

Resiliência e autonomia estratégica: Em um mundo cada vez mais dependente de sistemas inteligentes, a capacidade de desenvolver e controlar essas tecnologias internamente se torna essencial para a independência e segurança nacional.

A DeepSeek revelou algo particularmente preocupante para os estrategistas ocidentais: a possibilidade de desenvolver modelos competitivos de IA com uma fração dos recursos investidos pelos americanos. O modelo chinês teria custado apenas US$ 6 milhões, comparado aos bilhões gastos em sistemas como o GPT-4 ou Claude.

Este fato desafia a premissa de que o domínio ocidental em IA estaria garantido pela sua vantagem em capital e infraestrutura. Se confirmada, esta eficiência representa uma ameaça fundamental à estratégia americana de manter a liderança por meio de restrições à exportação de tecnologias avançadas, como os chips Nvidia A100 e H100.

O impacto nas empresas e nas estratégias nacionais

Para as corporações globais, a crescente politização da IA representa um novo risco estratégico. O acesso às tecnologias mais avançadas pode ser limitado não apenas por restrições financeiras ou técnicas, mas por decisões geopolíticas. Empresas que operam internacionalmente podem enfrentar um cenário de fragmentação tecnológica, onde diferentes mercados têm acesso a diferentes conjuntos de ferramentas.

Já para as estratégias nacionais, a questão se tornou existencial. Os países enfrentam uma escolha entre três caminhos: desenvolver capacidades autônomas em IA (como fazem China e EUA), alinhar-se a um dos blocos tecnológicos emergentes, ou buscar uma posição intermediária que permita acesso a tecnologias de ambos os lados.

O Brasil e outras economias emergentes têm uma janela de oportunidade única. A intensificação da competição entre EUA e China pode criar espaço para parcerias estratégicas que acelerem a transferência de tecnologia e conhecimento. Ao mesmo tempo, o modelo de desenvolvimento mais eficiente demonstrado pela DeepSeek sugere que países com menos recursos podem, com a abordagem certa, participar da fronteira da inovação em IA.

As lições do confisco de passaportes e dos pedidos de banimento

Os recentes eventos envolvendo a DeepSeek e a OpenAI são reveladores do novo paradigma em que vivemos. Quando uma empresa chinesa impede seus engenheiros de viajar para proteger “segredos de Estado”, fica claro que a linha entre tecnologia comercial e ativo estratégico nacional desapareceu completamente.

Da mesma forma, quando uma empresa americana como a OpenAI atua efetivamente como extensão da política externa de seu país, pedindo o banimento de concorrentes estrangeiros, testemunhamos uma nova forma de competição onde as fronteiras entre interesses corporativos e estatais se tornam cada vez mais difusas.

Estas ações mostram que tanto EUA quanto China já reconheceram plenamente o que está em jogo: o controle do maior multiplicador de produtividade econômica das próximas décadas.

O futuro em disputa

O episódio da DeepSeek, seu reconhecimento como “tesouro nacional” chinês e as subsequentes restrições impostas a seus desenvolvedores não são o centro da história – são apenas sintomas de uma transformação muito mais profunda nas relações internacionais.

A verdadeira história é sobre como a inteligência artificial está remodelando a competitividade econômica global e, por extensão, o equilíbrio de poder entre as nações. Os países que dominarem esta tecnologia não apenas terão empresas mais lucrativas, mas economias fundamentalmente mais produtivas, resilientes e influentes.

As tensões atuais entre EUA e China em torno da IA não são apenas mais um capítulo da rivalidade entre as duas potências – são o início de uma nova era onde a tecnologia, a economia e a geopolítica se tornam inseparáveis.

Para empresas e nações, a mensagem é clara: a inteligência artificial não é apenas mais uma tecnologia disruptiva. É o terreno onde se decidirá a liderança econômica global nas próximas décadas. No grande tabuleiro geopolítico mundial, a IA se tornou a peça central – aquela que, uma vez dominada, pode redefinir as regras do jogo para todos os demais jogadores.

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