De chapa e de forno

Esta é uma conversa real. Foi ouvida de esguelha, inadvertidamente, do lado externo de uma cozinha onde fumegava um fogão a lenha. Assim ela transcorreu (ou quase isso):
– Ocê veja, compadre, há gente de chapa e gente de forno.
– Como é que é, compadre?
– Gente de chapa e gente de forno.
– Isso eu entendi, sô. Explica direito.
– Ocê por exemplo é de chapa.
– Eu?
– É, uai, nem espera eu explicar e já vem “como é que é, compadre”.
– Eita, ferro…
– Gente de chapa é igual ocê assim, num tem paciência pra trem nenhum, tem que ser tudo na hora. Que nem fazer linguiça na chapa desse fogão aí, ó.
– Linguiça, compadre? Essa filosofia sua tá meio destrambelhada…
– Ocê não joga a linguiça ali na chapa do fogão e – pá-pum -, ela já não tá pronta pra comer?
– Hmm, e um cachacinha…
– Ocê é um pau d’água mesmo, hein, compadre. Eu aqui no sistema do pensamento e ocê falando de cachaça.
– Só por isso vou botar mais uma pra nós.
– Justo.
– Mas e o forno?
– Gente de forno é o contrário. Gente de forno é gente que tem vagareza com as coisas. Gente que sabe esperar uma traíra morder a isca na beira da lagoa em vez de jogar tarrafa. Que sabe ver crescer um pé de milho. Que num quer saber só da linguiça na chapa do fogão, mas vê graça na ceva do porco, compreendeu?
– Gente que não vai direto nos finalmentes. O compadre tá certo. Mas nisso aí não tá sobrando muita gente no mundo não. Gente de forno tá acabando.
– Meninada quer tudo pra ontem e ainda acha que tá demorado, compadre. É por isso que nóis vai ficando sozinho aqui na roça, que o tempo aqui passa devagar demais pra eles tudo. Num guentam ver o largo do dia nem o comprido da noite.
– Mas esses num são de forno nem de chapa.
– E de que hão de ser então, compadre?
– De micro-ondas, uai!
– Ô, diacho! Compadre entendeu a filosofia mesmo! E inté desdobrou!
– Só por causa disso eu vou botar mais uma e o compadre pode filosofar mais um bocado.

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