A retração da inflação na Argentina não gerou o alívio esperado por moradores e comerciantes de Puerto Iguazú. A cidade turística tem visto uma fuga de brasileiros, que costumam movimentar o comércio local, e padece com a queda nas vendas.
A inflação no país estava em mais de 210% ao ano, no final de 2023, e caiu para 43,5% anuais, conforme dados do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) divulgado na quinta-feira, 12, pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec).
Proprietário do ponto de táxi 7 Bocas, Ramon Prestes, 58 anos, diz que a cidade vive um momento crítico no turismo, porque passa pelo período de baixa temporada e, mesmo nos meses anteriores, não recebeu tantos brasileiros como ocorria em outras épocas.
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Os poucos que decidem cruzar a fronteira gastam bem menos. “Eles vêm porque faz parte do roteiro turístico, mas não gastam como antes”, frisa.
Na época de movimento alto, segundo Ramon, os turistas usavam táxis para levar caixas de vinho ao Brasil. Hoje, a realidade é bem diferente.
Os trajetos de táxi para Foz tiveram uma redução de 50%. A esperança dos trabalhadores é de que as férias de julho compensem os meses perdidos deste ano.
Apesar das dificuldades, Ramon acha que a economia do país melhorou em razão da queda da inflação e dos gastos públicos.

Comerciante na Feirinha de Puerto Iguazú, Horácio Ojeda, 47 anos, informa que a movimentação de brasileiros despencou e os preços dos produtos subiram. “Antes, vendia um caminhão de vinho por mês, hoje não vendo 20 caixas”, lamenta.
Os turistas, afirma, levam um alfajor, um azeite. Para Horácio, a Argentina está em decadência há mais de 20 anos e é preciso ter paciência, porque a recuperação do país não será fácil.
A valorização do peso e a desvalorização do real tornou-se uma equação ruim para os brasileiros acostumados a cruzar a fronteira para abastecer o carro e frequentar restaurantes. Em Foz do Iguaçu, com R$ 1,00 compra-se P$ 200.
Para se ter uma ideia do movimento local, o Parque Nacional Iguazú, na Argentina, fechou 2024 com uma queda de 12% no número de turistas. Passaram pelas bilheterias 1.331.641 pessoas, contra 1.508.776 em 2023.
Ao contrário, o parque no lado brasileiro comemorou a entrada de 1.893.116 turistas, um aumento de 3%.
Os parques são um dos principais termômetros para medir a movimentação turística na fronteira binacional de Brasil e Argentina.

Muamba paraguaia e indigência
Mesmo com as dificuldades, a situação de Puerto Iguazú é um pouco mais confortável em relação à de outros municípios argentinos, pois há movimento de turistas e os moradores ainda têm a opção de cruzar a fronteira com o Brasil e o Paraguai para fazer compras, aproveitando a diferença cambial.
Morador de Puerto Iguazú e produtor cultural, Rolando Esteban Matcoskti relata que Puerto Iguazú leva uma vantagem sobre outros municípios argentinos pelo fato de ter um movimento comercial com os vizinhos brasileiros e paraguaios.
“Há um ditado que diz: quando estamos mal aqui, o interior da Argentina está uma catástrofe”, frisa Rolando.
No entanto, existem pequenos empreendedores na cidade e em outros municípios que sentem a retração da economia.
Os preços das mercadorias no mercado interno subiram, e os comerciantes ainda amargam dificuldades em razão da alta da energia elétrica e combustíveis. Sem movimento, muitos supermercados locais demitem funcionários.
Conforme o produtor cultural, no interior do país cresceu o número de indigentes e muitos argentinos estão sem trabalho.
Por isso, muitos deles passaram a cruzar a fronteira para buscar produtos importados no Paraguai para revender no país e sobreviver. “Há pessoas vindo de Buenos Aires e Córdoba para comprar no Paraguai.”
Muitas das mercadorias são vendidas em lojas de importados de Buenos Aires, chamadas de Saladitas, que já passaram a ser alvo de fiscalização. São calçados, cobertores e roupas — muitas peças falsificadas.
Outro sinal desse comércio são as constantes e recentes apreensões, pela Polícia Federal e pela Receita Federal brasileiras, de calçados que tinham como destino cidades argentinas.
Professor de Relações Internacionais e Integração da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Félix Pablo Friggeri menciona que a situação da Argentina em termos comerciais está complicada devido à valorização do peso. A moeda forte faz do país um lugar caro para brasileiros e paraguaios.
A exceção são mercadorias mais procuradas pela qualidade ou gosto do que pelo preço, a exemplo de vinhos, queijos e azeites.
Já Puerto Iguazú apresenta uma situação um pouco mais confortável, porque os moradores podem cruzar a fronteira até Foz para fazer compras, recurso que quem vive mais distante não tem, cita o professor. “Nesse sentido, a fronteira tem uma defesa, mas não quer dizer que está economicamente bem.”
Seguro-saúde: aporofobia e xenofobia
De acordo com Friggeri, o desemprego no país cresceu, as mercadorias estão caras, e o valor do salário caiu.
Para o professor, certas medidas do governo são xenófobas e aporófobas, ou seja, rechaçam estrangeiros e pobres.
Uma delas se refere ao Decreto n.º 366/2025, que regulamenta a reforma migratória, anunciada no último dia 14 pelo governo Milei.
Um dos pontos do decreto é a exigência para turistas estrangeiros apresentarem um seguro-saúde para obter atendimento médico.
Caso não atendam a exigência, não receberão atendimento na rede pública de saúde (exceto em urgências e emergências) ou terão de arcar com os custos. Em Puerto Iguazú, o seguro ainda não está sendo exigido.
Para o professor, a medida visa a barrar o acesso à saúde principalmente a bolivianos e paraguaios com menos condições financeiras que fazem tratamentos complexos em Buenos Aires, incluindo o de câncer. “As pessoas do Paraguai utilizam mais a medicina argentina do que a brasileira”, informa.
No Paraguai, procedimentos mais complexos são pagos, e a população não consegue arcar com as despesas. Na saúde pública do país, faltam insumos, a exemplo de seringas.
“Milei representa um pouco essa ideologia do rico e da classe média alta, inclusive sem base material”, afirma o professor.
Segundo ele, o discurso do mandatário argentino contra a corrupção, gastos públicos e medidas sociais tem certo êxito entre a classe média e boa parte da classe média pobre.
Tal discurso ganha força em razão da evangelização que avança na Argentina e sustenta a teoria da prosperidade.
Outro componente em favor de Milei é o desgaste do peronismo — que é a ferramenta política popular — e do governo de Fernando Fernandes, que acabou sendo nem peronista, nem liberal, causando decepção.

Inflação em queda não garante vendas
Para o professor, frente à inflação astronômica que havia na Argentina, foi um alívio, contudo o problema é que hoje a população não tem poder de compra.
Friggeri diz que a solução do governo para controlar a inflação é artificial, porque os comerciantes não conseguem vender os produtos. Um dos elementos usados para baixar a inflação é reduzir a capacidade de consumo. “Se você diminuiu a capacidade de consumo, as coisas baixam, mas não se vende. Baixam porque não se vende.”
Ele ainda acredita que a inflação tem uma dose política, não é meramente um fenômeno econômico. E nessa dose política, os sujeitos que influem são os formadores de preço, ou seja, os grandes empresários.
Os empresários são mileistas pela questão ideológica e porque ganham não na mercadoria, e sim no lucro financeiro, nas taxas de juros — o mesmo processo do agronegócio. “A Argentina é o novo paraíso fiscal.” O negócio é financeiro, diz.
Os ervateiros de Misiones, que são pequenos empresários, em grande parte apoiaram Milei, porém já estão decepcionando-se.

Veja alguns preços praticados no país
(Valores médios)
1 empanada – R$ 10,00
1 bife de chorizo nos restaurantes – R$ 130,00
Menu completo (entrada, prato principal, sobremesa e uma bebida não alcoólica) R$ 250,00
1 caixa de alfajor – R$ 45,00
Ingresso Parque Nacional do Iguaçu local para estrangeiros – R$ 211,53 mais estacionamento R$ 23,00.
Obs. Os valores podem oscilar conforme a cotação cambial.
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