
“A inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades”, escreveu o educador e filósofo Paulo Freire, referência para a formação de professores e para o desenvolvimento da educação no Brasil e no mundo. Seus ensinamentos contribuíram para a formação de uma política educacional que colocasse todos os alunos juntos dentro da sala de aula, independente de qualquer diferença, trazendo diversidade e ampliando as experiências e aprendizados.
Apesar de as políticas voltadas à inclusão de crianças e adolescentes com deficiência e autismo terem avançado nos últimos anos, com a conquista da implementação da Lei Brasileira de Inclusão, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, e da regulamentação da função de Professor de Apoio, por meio da “Lei da Inclusão”, esta última na esfera municipal, há ainda muito trabalho a ser feito pelo caminho.
No dia a dia da sala de aula, professores de apoio (PDAs) da rede municipal de Juiz de Fora enfrentam os desafios da função e a sobrecarga de trabalho. Há também relatos de falta de auxílio e orientação por parte da gestão escolar. Somados, estes problemas afetam a saúde mental, e, muitas vezes, a saúde física dos docentes, o que contribui para o aumento das dificuldades no ensino e no aprendizado dos alunos, prejudicando o desenvolvimento da educação inclusiva de qualidade.
Para entender as questões de perto, a Tribuna conversou com professoras de apoio da rede municipal sobre as dificuldades enfrentadas para exercer a profissão. Também foi ouvida uma mãe de duas alunas autistas, matriculadas em escola municipal, que conta sobre os desafios para auxiliar as filhas fora do horário escolar.
Quem apoia os professores de apoio?
Uma professora de apoio da rede municipal contou à Tribuna ter sofrido agressão física de um aluno autista em março deste ano. Como relata, o aluno não soube lidar com uma resposta negativa, o que provocou um episódio de estresse emocional, e sua reação foi partir para cima da professora. Segundo ela, episódios como este estariam se repetindo nas salas de aula.
“Me senti apavorada. Só queria uma solução, porque não consigo ter saúde mental e física até o final do ano”, conta esta mesma professora, que, após o episódio, diz não ter tido nenhum amparo ou orientação da direção da escola, se sentindo ameaçada moralmente e com receio de ser demitida. Como forma de se resguardar, ela e outra professora agredida registraram um boletim de ocorrência na Polícia Militar.
“Nós, professoras de PDA, muita das vezes, temos um trabalho solitário, e nem sempre recebemos o devido apoio por parte da equipe diretiva. Precisamos ter apoio psicológico para lidar com situações iguais ou semelhantes a essa, pois quem cuida também precisa ser cuidado.”
Outra professora de apoio, acompanhante de crianças com autismo e atuante na área há três anos, aponta que um dos maiores obstáculos enfrentados na profissão é a incompreensão por parte das famílias dos alunos, dos professores, e, às vezes, até da direção escolar, sobre a real função dos PDAs. Também menciona dificuldades para trabalhar com professoras de referência 1, aquelas responsáveis pela turma.
Em uma escola municipal, uma professora regente, responsável por turma do ensino fundamental, contou que cada professor de apoio atende no máximo dois alunos, com tentativas da direção escolar de que cada PDA atenda um único aluno, para um trabalho mais individualizado. “Acredito que a maior dificuldade é a sobrecarga e a falta de preparo, não por conta do professor, mas porque cada caso é um caso e muitas vezes não sabemos como lidar. Uma professora relatou um caso com uma aluna de outra escola em que trabalha, na qual, muitas vezes, ela não sabe o que fazer.”
Oferta de professores de apoio ainda é insuficiente
Uma dona de casa, moradora de Juiz de Fora, mãe de duas crianças autistas, de 9 e 12 anos, estudantes da rede municipal, contou que somente em abril uma professora de apoio começou as atividades na turma do quarto ano do ensino fundamental, na qual sua filha mais velha está matriculada. Esta única professora de apoio acompanha todos os alunos da classe que necessitam do apoio. “Disseram que na turma tem outras crianças com transtornos, mas não sei se todas têm laudo. Além disso, a diretora, em uma reunião, disse que as crianças estavam com dificuldades no aprendizado, como leitura e escrita”, relata.
Sua outra filha recebeu o laudo com diagnóstico de autismo recentemente e ainda não conta com apoio dentro da sala de aula por uma professora especializada. “Ela também precisa muito, porque não sabe ler e escreve muito mal. Disseram que iriam tentar chamar um professor de apoio, mas não sabiam se iriam conseguir. Pediram também que eu fosse à Secretaria de Educação para ajudar a fazer a cobrança.”
A mãe tenta ajudar suas filhas com os estudos em casa, mas relata ter dificuldades, tanto pelo seu pouco entendimento das atividades propostas, quanto pela falta de disposição das crianças em cumpri-las após o horário escolar. “É muito difícil, porque não é só um professor de apoio que as crianças precisam, mas também de um psicopedagogo e um psicólogo.”
Gestão escolar deve oferecer suporte aos professores
A professora e coordenadora da licenciatura em Educação Especial Inclusiva da Universidade Federal de Juiz de Fora, Mylene Santiago, explica que, apesar da capacitação para lidar com aspectos pedagógicos e comportamentais, nem todos os professores de apoio estão preparados para enfrentar comportamentos desafiadores ou episódios de agressividade por parte dos alunos autistas. “É essencial que os professores recebam suporte da gestão escolar. Cabe às redes de ensino oferecer capacitação adequada e suporte psicológico e pedagógico para que os profissionais compreendam as particularidades do TEA e saibam lidar com situações desafiadoras de maneira empática e segura”, afirma.
Como alerta Mylene, o uso de expressões como “assédio moral” e “agressões” quando se trata de alunos com TEA merece cuidado, pois muitos comportamentos são motivados por sobrecarga sensorial, dificuldades de comunicação ou desregulação emocional — demandando uma abordagem cuidadosa e fundamentada no conhecimento das características do transtorno.
“Manter um canal de diálogo aberto com as famílias é igualmente importante, permitindo um trabalho conjunto para identificar gatilhos e definir as melhores formas de auxiliar o aluno. O registro adequado desses episódios também contribui para o acompanhamento do desenvolvimento do estudante e para a adaptação das práticas pedagógicas conforme necessário”, destaca a professora.
A atuação do professor de apoio
Segundo Mylene Santiago, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015) determina que o Poder Público deve assegurar a oferta de profissionais de apoio escolar, que exerçam atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência, atuando em todas as atividades escolares necessárias. Porém, como explica, há uma brecha interpretativa que não determina a obrigatoriedade da contratação de professor de apoio.
A professora, especialista na área, ainda atenta para o fato de que, em nível nacional, a formação mínima para atuar como profissional de apoio escolar ainda não é definida, trazendo impacto para a qualidade do trabalho desenvolvido. “Recentemente foi criada a portaria que institui o grupo de trabalho com a finalidade de construir as Diretrizes Nacionais para o Profissional de Apoio Escolar. Essa medida visa a suprir a falta de clareza sobre o perfil, as atribuições e a formação necessária para o exercício do profissional de apoio escolar, que tem gerado judicialização e criado soluções díspares entre as redes para dar conta dessa necessidade.”
De acordo com Mylene, o número de alunos atendidos por cada professor de apoio depende da necessidade específica dos alunos e das orientações da Secretaria de Educação local. Estes professores podem acompanhar um aluno específico ou um pequeno grupo de alunos, mas não há uma regra única nacional, com cada estado ou município tendo regulamentações próprias.
Como explica, também é necessária a articulação com os professores de Atendimento Educacional Especializado (AEE), para complementar e apoiar o trabalho realizado na sala de aula comum. A função desses profissionais é identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade para eliminar barreiras para participação e aprendizagem dos alunos.
A professora também ressalta que, para atender os alunos com deficiências visual, auditiva, física, intelectual e transtorno do espectro autista (TEA), todos professores incluídos na educação especializada devem receber capacitação continuada, como cursos e capacitações para aprimorar suas práticas pedagógicas.
Além de uma equipe de profissionais especializados, Mylene também aponta como essencial a inclusão dos pais e responsáveis no ensino de estudantes com deficiência e autismo para fortalecer o aprendizado e criar vínculos entre a família e a escola. “Para isso, é importante promover encontros periódicos, reuniões e espaços de diálogo que incentivem essa parceria. Além disso, oferecer orientações sobre como apoiar o desenvolvimento da criança em casa e compartilhar estratégias pedagógicas utilizadas na escola”.
PDAs na rede municipal de Juiz de Fora
A assessoria de comunicação da Prefeitura de Juiz de Fora afirmou, em nota, que a rede pública municipal possui 1068 professores de apoio, correspondendo a quase 21% do quadro total de docentes. A rede atende mais de 32 mil estudantes, distribuídos em 103 escolas municipais.
Em Juiz de Fora, a função de Professor de Apoio é regulamentada por meio da Lei Municipal 14.960/2024, que determina o papel deste profissional para a promoção da autonomia, da inserção ativa no ambiente escolar e do desenvolvimento dos estudantes com deficiência e autistas.
Segundo a Secretaria de Educação, todas as escolas da rede contam com a garantia da presença dos PDAs, aprovados em curso de formação específico, promovido todos os anos pelo Departamento de Inclusão e Atenção ao Educando (DIAE). Neste ano, a edição deste curso iniciou em março, contando com carga horária de 60 horas e abordando os fundamentos da educação inclusiva, da mediação pedagógica e da acessibilidade.
O órgão afirmou que, para atuar nas Salas de Recursos Multifuncionais, com criação e universalização previstas pela mesma lei municipal, os professores devem cursar a formação “Práticas em Atendimento Educacional Especializado”, oferecida pela secretaria. O curso propõe desenvolver fundamentos teóricos e metodológicos essenciais para a condução das práticas pedagógicas inclusivas.
Ao ser questionada se as PDAs são supervisionadas e recebem apoio por parte da secretaria da área ou de algum departamento, a Prefeitura afirmou que: “com relação às eventuais demandas e reclamações dos professores, a Secretaria de Educação as encaminha de acordo com a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva/2008”. Quanto à questão sobre reclamações destes professores sobre sobrecarga de trabalho e sobre dificuldades enfrentadas no dia a dia, o Município não respondeu.
Sindicato luta por ampliação do quadro
De acordo com o Sindicato dos Professores de Juiz de Fora (Sinpro-JF) nas escolas municipais da cidade são professores licenciados que atuam na Educação Inclusiva, profissionais que devem passar por formações contínuas e específicas, para que sejam qualificados para o exercício da função de apoio. “A regra constante na Resolução da Secretaria de Educação para a organização das escolas aponta que quando há mais de dois alunos com deficiência, o número máximo de alunos em sala deve ser reduzido em cinco.”
A recomendação do sindicato é de que eventuais dificuldades sejam orientadas pelas coordenações pedagógicas e direções escolares, além da possibilidade de mediação da Secretaria de Educação e do acompanhamento do sindicato. Quantos às questões dos alunos, devem ser tratadas pelos profissionais que atuam junto deles, como os professores de apoio, a equipe da gestão escolar e os profissionais que atuam nos Atendimentos Educacionais Especializados e nos Centros Educacionais Especializados.
A representação ainda ressaltou que a categoria, ao lado do Sinpro-JF, reivindica o aumento da contratação de professores de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a ampliação das salas de AEE para todas as escolas da cidade.
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