

Desde segunda-feira (19), quando um micro-ônibus caiu de um barranco na Rua João Duarte Silveira, no Bairro Niterói, os moradores se angustiam quanto à saúde dos vizinhos vítimas do acidente e com a falta de transporte público, que deixou de acessar grande parte da comunidade. É assim para Laura que, com os pequenos nos braços – os dois filhos, de 2 e 3 anos, inicia a manhã andando pela rua sem asfalto, desce o escadão íngreme cercado pelo mato alto, atravessa a linha do trem e chega à BR-267, onde agora os ônibus param: a linha 300 – Campo Alegre/Via Granjas Primavera – não sobe mais o morro.
Depois, ela volta pelo mesmo trajeto e busca o primogênito de 9 anos, que será levado para a escola. O ponto dos moradores agora é na rodovia, onde os veículos pesados se contrastam com a fragilidade dos passos infantis de crianças que têm que ir à escola, com os passos curtos dos idosos e com o ritmo de todos os trabalhadores que têm que andar cerca de 20 minutos até chegar em casa.
A nova rotina, que se arrasta desde o início da semana, toca em uma conquista cara aos moradores, que é a chegada do transporte coletivo ao alto do bairro, algo relativamente recente, que se deu há menos de dois anos. Ainda assim, mesmo antes do acidente, o trajeto era limitado, nem todas as ruas têm estrutura suficiente para receber veículos pesados. O que se tinha era então considerado um avanço. “A gente não precisa de muito para sobreviver, não. Tinha ônibus vindo e estava ótimo. Hoje temos água e luz, está bom”, desabafa Rosa Helena Calazans, 64 anos, que mora metade da vida no bairro.
“A gente ficou muito feliz com o ônibus, agora tem que ir se virando até ver o que acontece. Quando eu mudei para cá, não tinha água. Para quem está aqui há 30 anos, as conquistas estão vindo”, observa a senhora. O transporte coletivo nunca subiu o morro, nem ia até a frente da casa dela, mas parava na esquina e, conforme conta, isso já era maravilhoso.
Desde 1982, dona Ariedna Bolpato, 74 anos, mora no bairro. Em um pedaço de chão ainda sem janelas ou portas, construiu a casa onde criou os filhos. Após a morte do marido, com as crianças ainda pequenas, passou a trabalhar como faxineira. Na década de 1990, assumiu a presidência da associação de moradores.
“Eu já vi muita mudança, mas porque a gente corre atrás. Demorou até vir calçamento, porque antes era barro puro. Faltava luz, telefone fixo e coleta de lixo. Demorou a água e o esgoto, era abaixo-assinado direto”, ela conta, diante do passado do bairro, à medida em que também relembra que o local ainda precisa de muita melhoria. “Eu não entendo por que eles não asfaltam a rua toda.
Carla Aparecida Bolpato, 45 anos, filha de Ariedna, cresceu ali e, hoje, são seus três filhos que também crescem nesse mesmo lugar. Eles moram em uma casa no pedaço da rua onde passava o ônibus – até o acidente. “Eu tinha medo que algo pudesse acontecer, a estrada estava muito ruim. Aqui é um bairro onde a Prefeitura não olha, nós pagamos IPTU. Não pensaram em abrir a estrada”, comenta ela, que também fala sobre a insegurança de passar pelo escadão com matagal à noite.
É também com temor que Luiz Antonio Coelho, 64 anos, passou a levar e buscar a esposa no ponto de ônibus na BR todos os dias. O homem é proprietário de uma mercearia localizada no ponto final do ônibus, na Rua João Duarte Silveira, limite até onde o coletivo subia o bairro antes do acidente.
Era ali que os motoristas da linha tomavam um café antes de retornarem ao serviço. Além de conhecer o condutor do micro-ônibus acidentado, ele conhece outras vítimas, a maior parte clientes dele. A preocupação também se mescla com a situação ter piorado ainda mais depois do desabamento do veículo. “Eu tenho carro, mas a maior parte da população não tem. Minha mulher, por exemplo, que tem que ir trabalhar de ônibus, tem que andar um percurso perigoso. Todos os dias eu levo minha esposa até o asfalto (nome que ele chama o ponto da rodovia) e a busco quando ela retorna do trabalho.”
Preocupação com vítimas de acidente de ônibus se espalha entre moradores
Elisabete Salgueiro, 60 anos, também mora ali há muito tempo, ela reside no morro que corta a Rua João Duarte Silveira. Neste momento, ela destaca a busca de apoio às vítimas, dos passageiros aos motoristas, relata a falta do ônibus e pede ajuda ao Poder Público. Há cerca de duas semanas, ela conta, um vereador prometeu asfaltar e colocar luz até o final da rua. O tempo para auxiliar as vítimas, entretanto, precisa ser agora.
“A gente espera que lembrem da gente”, diz outra moradora. Irene Maria de Souza, 69 anos, conta que o acidente a deixou com medo. “Antes eu não tinha, embora estava preocupada, porque tinha buraco, mato e sujeira. A gente precisa de um asfalto aqui para melhorar a vida da gente.” A acessibilidade no bairro, também foi algo que Samuel Almeida, 50 anos, aposentado por invalidez, destacou à Tribuna. O homem que já mora há dez anos lá, tem que descer morro, escada, atravessar a linha do trem e ir para a rodovia conseguir pegar ônibus até a terapia. Ele tem artrose em seus dois joelhos, na coluna e hérnia de disco.

Samuel não compreende como os moradores, além de vítimas do acidente, também perderam o transporte coletivo, uma vez que o fluxo de veículos pesados continua pelo local, sem fiscalização, ao menos enquanto a reportagem esteve presente. “Já está vindo caminhão com material de construção, caminhão de lixo veio à noite, de manhã, mas a população está descendo a pé para conseguir pegar ônibus.”
Ele acrescenta que “o problema maior é um idoso que mora na minha rua e, com o acidente, fraturou a coluna. Sem ônibus, como vai ser a locomoção dele? E da senhora que quebrou uma costela? O esposo não pode trabalhar porque tem que cuidar da esposa, mas, se não trabalha, como tem sustento? Com que dinheiro vai pagar um táxi ou carro de aplicativo para deslocamento?”. Samuel avalia que “a dificuldade sempre existiu, mas o povo se virava. Agora o povo se adaptou a ter ônibus e vai ter que se adaptar de novo com a ausência dele”.
A reportagem questionou a Prefeitura de Juiz de Fora sobre os problemas citados pelos moradores do bairro, como necessidade de asfaltamento, ausência de postes de energia elétrica em parte do bairro, falta de acessibilidade e os impactos da ausência de ônibus no interior do local, além da falta de interlocução para com os moradores. Em nota, o Executivo respondeu que “reitera que está aberto ao acolhimento das demandas da população por meio do Gabinete de Ação e Diálogo Comunitário”.
Sobre a avaliação estrutural do local do acidente pela Defesa Civil, a Prefeitura informou que irá aguardar o laudo pericial. A PJF confirmou que o trecho da linha 300 que atende o Bairro Niterói está suspenso, “sem previsão de retorno no momento”. Além disso, a Secretaria de Mobilidade Urbana informou que somente a circulação da linha de ônibus foi suspensa no trecho, que continua aberto à circulação de outros veículos para garantir o acesso ao bairro, já que é a única via que o permite.
A Tribuna também entrou em contato com a Via-JF para saber quando as linhas voltarão a operar com normalidade no bairro. A empresa disse que a decisão cabe a Secretaria de Mobilidade Urbana do município.
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