Temporais repentinos no fim da tarde, combinados ao intenso fluxo de trabalhadores retornando para casa. Chuvas acumuladas que se encontram com vias mal preparadas para o escoamento, provocando alagamentos e situações de extrema insegurança. Calor intenso que começa já nas primeiras horas da manhã e se agrava ao longo do dia. Esses e outros efeitos das mudanças climáticas impactam diretamente a rotina de quem depende do trânsito e, mais ainda, daqueles que trabalham nele.
Um dos principais exemplos disso é o transporte público. Além de estarem expostos às variações climáticas cotidianas, tanto os usuários quanto os motoristas enfrentam desafios adicionais causados pelas altas temperaturas.
Segundo o meteorologista Bruno Bainy, do Cepagri/Unicamp (Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura/ Universidade Estadual de Campinas), o calor é um dos principais reflexos das mudanças climáticas. Na RMC (Região Metropolitana de Campinas), a tendência geral é de um aumento de temperatura em torno de 0,3 a 0,4°C – em torno de 0,1°C por década.
“Essa tendência de 0,1°C por década pode parecer pequena – mas, considerando o quadro de longo prazo, é uma variação importante, até porque vem sendo contínua. Como temos oscilações periódicas no clima, e é comum termos “altos e baixos”, o esperado seria que essas oscilações se “cancelassem” a longo prazo. Mas isso não vem ocorrendo, e estamos com esse saldo positivo nas temperaturas”, explica Bainy.
E o desconforto térmico é de longe uma das principais queixas de quem utiliza o transporte coletivo. Atualmente, apenas 31% dos ônibus que circulam por Campinas possuem ar-condicionado, conforme infográfico a seguir:

De acordo com a Emdec (Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas), o sistema de transporte público coletivo da cidade possui cerca de 900 ônibus em operação. Desse total, apenas 280 possuem ar-condicionado, o que é assegurado pelo atual contrato de concessão com os operadores, pois não prevê a obrigatoriedade do equipamento.
Sendo assim, para os veículos com ar-condicionado, a empresa orienta que sempre permaneçam ligados. Mas, nos carros sem o equipamento, a orientação é que as janelas fiquem sempre abertas. Esta questão nas frotas de ônibus de Campinas já é pauta para a Emdec, que afirma estar em processo licitatório para efetuar melhorias nos veículos, o que incluirá a instalação de sistema ar-condicionado em todos os ônibus.
Já quando o assunto é sobre o aumento de chuvas, em 2025, por exemplo, Campinas já registrou inúmeros incidentes envolvendo temporais e alagamentos. Em março, rajadas de vento fizeram com que o portão de acesso ao Terminal do Campo Grande atingisse um ônibus de transporte coletivo o que, apesar do susto, não ocasionou feridos.
Em fevereiro, ao menos três carros ficaram cobertos por água após um temporal na região do Ribeirão Piçarrão. Estes e outros incidentes acendem alertas para a segurança no trânsito durante situações climáticas adversas.
Bruno Bainy explica que para a próxima década existe tendência de maior volume anual de chuvas na RMC, o que implica “na maior expectativa por eventos de chuva intensa e volumosa”.
Estatísticas gerais no país
Isso reflete as estatísticas gerais do Brasil. Ainda segundo Bruno, no país, durante o último século, “praticamente não havia registros de chuva diária da ordem de 50 mm, o que vem se tornando mais comum nas últimas décadas”.
Atualmente, a Prefeitura de Campinas monitora mais de 50 pontos de alagamento por toda a cidade, locais que podem corroborar para o aumento de acidentes e até comprometer a infraestrutura do trânsito, uma vez que resulta em interdições de ruas e avenidas.
Diante desse cenário de intensificação de chuvas e alagamentos, a Prefeitura de Campinas vem ampliando as estratégias de prevenção e comunicação de risco. Atualmente, os alertas são enviados automaticamente por diferentes canais, como o SMS – mediante cadastro prévio por meio do CEP no número 40199 -, mensagens via WhatsApp e o sistema Cell Broadcast, uma tecnologia que envia alertas sonoros emergenciais diretamente para celulares conectados a redes 4G e 5G, sem necessidade de cadastro. A cidade também conta com 75 painéis digitais instalados em pontos críticos, que alertam motoristas e pedestres em tempo real sobre alagamentos e condições adversas.
Infraestrutura em Campinas
No quesito infraestrutura, a Prefeitura tem executado um plano de obras voltadas à contenção de enchentes, especialmente na região central, que inclui oito obras nas bacias do córrego Serafim e no córrego Proença. A primeira obra do plano que está em andamento é a construção do reservatório de contenção no Jardim Paranapanema (Piscinão – RP-1).
“Quando estiver em operação, nos momentos de cheia, a água entrará por uma galeria de derivação e será escoada por outra, com auxílio de quatro bombas submersíveis”, explicou a Prefeitura.
A administração também está levando pavimentação a 19 bairros de Campinas, beneficiando cerca de 123 mil pessoas. “Ao todo serão implantados 46,8 quilômetros de galerias pluviais para escoamento da água da chuva, além de 73,3 quilômetros de vias asfaltadas. Por meio dessas obras, a Administração Municipal corrige problemas de escoamento de água e alagamentos nesses bairros, trazendo mais qualidade de vida para a população”, afirma.
Além das obras de drenagem e infraestrutura voltadas para o combate a alagamentos, a Prefeitura de Campinas está investindo em projetos de requalificação urbana para tornar a cidade mais resiliente às ondas de calor e às mudanças climáticas em geral. Um dos principais projetos nesse sentido é a implantação de microflorestas, que têm o objetivo de proporcionar mais sombra, melhorar a qualidade do ar, diminuir a temperatura em ilhas de calor e servir de abrigo à pequena fauna urbana.
Quando a chuva chega

As mudanças climáticas têm impactado diretamente a mobilidade urbana, e os problemas enfrentados em Campinas refletem uma realidade presente em diversas cidades. Em São Carlos, por exemplo, os moradores convivem com alagamentos e até enchentes desde a década de 1940, quando o processo de urbanização se intensificou. A estudante Maria Fernanda de Araújo, de 18 anos, conta que os alagamentos são frequentes sempre que chove, especialmente na região central, dificultando bastante o tráfego nos bairros mais afetados durante esses períodos.
“Quando uma chuva forte atinge a cidade, escolho evitar áreas centrais que tem maior tendência a alagar. O centro da cidade e bairros próximos alagam basicamente toda vez que chove com uma intensidade levemente maior que o normal”, relata.
A jovem relata que, durante episódios de chuvas intensas, prefere não sair de casa ou recorre a transportes por aplicativo, evitando o transporte público. Mesmo morando longe das áreas com maior incidência de alagamentos, ela afirma que já precisou se planejar com antecedência para não estar nas ruas durante os temporais. “Mais tarde, naquele mesmo dia, vi pelo jornal que houve alagamentos”, relembra Maria Fernanda.
Para evitar problemas com a mobilidade urbana durante os períodos de alagamento, a Secretaria de Segurança Pública e Mobilidade Urbana da cidade de São Carlos relata que há painéis eletrônicos destinados a avisar os motoristas quando houver alagamentos, os quais se encontram na rotatória do Cristo Redentor, uma das principais áreas de alagamento da cidade, devido ao encontro de dois córregos, o Córrego do Gregório e o Córrego do Mineirinho, ambos deságuam nas imediações da rotatória.
Sendo assim, quando o volume de chuva é alto em pouco tempo, o sistema de drenagem não dá conta de escoar e essa água rapidamente se acumula, tornando-se uma área de risco aos motoristas.
A falta de sinalização é prejudicial para os moradores da cidade. Maria Fernanda relata,
“No meu bairro há diversas valetas para prevenção de alagamentos, mas a maioria não é devidamente sinalizada. A mais próxima da minha casa é muito funda, mas difícil de enxergar, e a única sinalização oficial (feita pela Prefeitura) é uma placa ao lado dela.”
A estudante ainda reforça que os moradores da sua rua pintaram um poste para sinalizar de forma mais clara onde a valeta se encontra.
De acordo com a Prefeitura de São Carlos, para melhorar o escoamento da água nas áreas mais afetadas pelos alagamentos, o SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto de São Carlos) realiza monitoramento, vistorias e operações de limpezas periódicas dos locais considerados críticos para inundação, alagamentos e enxurradas, para garantir que todos os sistemas de bocas de lobo e galerias funcionem com sua capacidade máxima. Destaca-se a limpeza e remoção de resíduos em trechos críticos dos córregos do Gregório, Simeão, Lazarini e Monjolinho.
Além disso, São Carlos foi inserida no Programa Rios Vivos, da SP Águas, através dele foi feita a limpeza e desassoreamento dos córregos Tijuco Preto, Santa Maria do Leme, Monjolinho/Espraiado e Galdino. Eles também mencionam a atual execução da obra de implantação do sistema de galerias nos bairros Jd. São João Batista e Nova Estância, aliviando o problema de enxurradas no bairro e alagamentos que acontecem na rodovia Washington Luiz. Em conjunto com destamponamento em trechos da cidade, implementação de mais galerias e projetos de microdrenagem.
Veículos sob pressão
Diante dos impactos das altas temperaturas e das fortes chuvas na mobilidade e no bem-estar de motoristas e passageiros, é essencial entender como as mudanças climáticas também afetam a mecânica dos veículos. Assim como os condutores, carros, motos e outros automóveis também sofrem com variações extremas de temperatura e temporais repentinos.
O calor intenso e as chuvas não prejudicam apenas a infraestrutura das vias, mas também a durabilidade e o desempenho dos veículos. Até que ponto esses automóveis estão preparados para enfrentar condições tão adversas?
Segundo Amilton da Costa Lamas, professor e doutor da Faculdade de Engenharia Elétrica da PUC-Campinas, em dias de calor extremo os veículos enfrentam diversos problemas que afetam seu funcionamento e durabilidade. O calor intenso exige mais do sistema de ar-condicionado, o que sobrecarrega o sistema elétrico e, indiretamente, o motor.
Se houver falhas no sistema de arrefecimento — como falta de água ou mangueiras danificadas — o óleo do motor pode superaquecer, perder viscosidade e causar o travamento do motor. Amilton explica ainda que componentes plásticos, como o painel e as lentes dos faróis, também sofrem com a exposição prolongada ao sol, podendo rachar ou amarelar.
Presente nas ruas diariamente, Simone Cristina Ramiro Correia, motorista por aplicativo na cidade de Campinas, confirma que o calor afeta a durabilidade dos veículos. Mas, acima disso, ela destaca o custo de trabalhar sob altas temperaturas. “O ar-condicionado realmente consome mais combustível, tenho certeza. Faz bastante diferença para quem abastece todo dia com ar e sem ar”, explica.
“O motorista não tem o privilégio do ar-condicionado, porque como parar entre uma corrida e outra e ficar com ele ligado? Judia muito do corpo, do carro”, acrescenta Simone.
Quem faz transporte particular com o próprio veículo enfrenta incertezas diariamente. Faça sol ou faça chuva, os danos são iminentes. Quando o desafio são os temporais, a preocupação se volta para os alagamentos e suas consequências na estrutura do automóvel. De acordo com Amilton, em casos de alagamento, os riscos incluem a entrada de água pelo escape — o que pode causar perda total do motor — além de falhas nos freios, principalmente se o disco estiver quente e for submerso repentinamente, e danos à parte elétrica, caso não esteja bem isolada.
“Tive um amigo que perdeu o carro em um alagamento na Orosimbo Maia. Ele não soube conduzir, o carro morreu no meio da água. O passageiro se apavorou, abriu a porta e saiu correndo, e o carro dele deu ‘PT’”, relata Simone.
Ela afirma que redobra os cuidados em dias de temporal e conta com um seguro que cubra qualquer tipo de prejuízo. “Você nunca sabe onde vai estar quando o temporal chega, e ainda assim tem o compromisso de deixar o passageiro em algum lugar”, observa.
Amilton orienta evitar alagamentos sempre que possível, mas, em situações extremas, recomenda algumas medidas básicas: esperar a água baixar ou tentar atravessar pela parte mais alta da via. “É claro que, ao entrar com o pneu ali, a água vai espirrar para todos os lados, então é preciso ir devagar. A recomendação é engatar a segunda marcha, acelerar e manter meia embreagem. Assim, você garante que a água não entre no câmbio de descarga — ou seja, mantém potência no motor enquanto anda devagar — e consegue atravessar”, conclui.
S.O.S Mudanças Climáticas
S.O.S Mudanças Climáticas é um projeto multimídia do acidade on, em parceria com professores e alunos da Faculdade de Jornalismo e Curso de Mídias Digitais da PUC-Campinas. Os conteúdos buscam explicar como as mudanças climáticas afetam o cotidiano das pessoas no interior de São Paulo e têm como propósito ajudá-las a se preparar melhor para enfrentar essa crise.
Esta matéria foi feita pelos alunos da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas: Giovanni de Paula Feltrin, Raquel Santana dos Santos, Thais Helena Barone Lucas, Pedro Henrique Imbrunito Rabetti e Anna Julia Vieira, com apoio dos alunos do Curso de Mídias Digitais: Sarah De Faria Cunha, Carlos Eduardo Couto de Barros, Luisa Hiromi Oyama, Antônio Bento Neto e Maria Victória Sakamoto Caffeu, para o componente curricular do Projeto Integrador, sob supervisão da professora Amanda Artioli e edição de Leonardo Oliveira.
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