[Coluna] Lady Gaga e a megalomania de números do Rio de Janeiro

Um público de mais de 2 milhões que teria estado no show da Lady Gaga é algo numericamente impossível. Mas por que a Riotur divulga essas cifras gigantescas?A repercussão em torno do show de Lady Gaga no sábado (03/05) em Copacabana foi gigantesca. Já pela manhã, horas antes do show começar, a praia em frente ao enorme palco estava lotada, apesar do sol implacável. Mas a declaração da Riotur de que 2,1 milhões de pessoas assistiram ao show levanta dúvidas.

Isso representaria 500 mil a mais do que há um ano, quando a diva pop Madonna se apresentou no mesmo local diante de supostos 1,6 milhão de fãs. Mas isso não é tudo: o organizador do show de Gaga depois falou até de um público de 2,5 milhões – claro, esse seria o maior show da carreira de Lady Gaga, e provavelmente o maior público que uma estrela da música mulher já recebeu em um show.

No Rio de Janeiro, gosta-se de divulgar tais números gigantescos de público. Dizem que o Réveillon em Copacabana sempre atrai cerca de 3 milhões de pessoas, sem nenhuma explicação sobre a origem desses números.

Abordagem científica

É possível abordar isso cientificamente: a Praia de Copacabana tem uma extensão total de 4,2 quilômetros; com mais um quilômetro da praia do Leme, que desemboca em Copacabana sem interrupção. No total, são 5,2 quilômetros de praia e ruas na Avenida Atlântica, por onde os milhões que festejam a virada podem se espalhar.

Nos dois shows, foi diferente. Tanto no de Lady Gaga quanto no de Madonna, o palco foi montado na altura do hotel Copacabana Palace. A área onde os fãs ficaram, com diversas torres com telões e caixas de som, estendia-se até aproximadamente a altura da Avenida Princesa Isabel. Fotografias aéreas mostram uma densa concentração de público até aproximadamente o nível da Praça do Lido. Com isso, a área do show ocupa apenas cerca de um quilômetro dos 5,2 quilômetros de extensão total da orla.

Isso corresponde a uma área total de cerca de 100 mil metros quadrados – como pode ser medido usando ferramentas online.

Se acreditarmos nos números da Riotur, isso significaria 21 pessoas por metro quadrado, e segundo a organização, até 25 pessoas – e isso sem contar árvores, quiosques, centenas de banheiros químicos, torres de som, barreiras, etc., que limitam ainda mais o espaço disponível para o público.

Cientistas estimam que de 6 a 8 pessoas podem caber em um metro quadrado de um ônibus lotado. Em shows ao ar livre, são consideradas densidades máximas de 4 pessoas por metro quadrado, com uma média de apenas 2 pessoas por metro quadrado em toda a área.

Fãs dançavam

Em fotos aéreas do show de Gaga é possível ver que em diversas áreas o público estava dançando – um indício que fala contra a densidade máxima. Em termos puramente matemáticos, uma audiência de centenas de milhares seria mais provável. Mariana Aldrigui, professora de turismo da Universidade de São Paulo (USP), estima o número de espectadores em cerca de 500 mil.

Aldrigui já havia escrito em março sobre como governos e autoridades brasileiras muitas vezes exageram deliberadamente o número de turistas durante o Carnaval. Aqui também se fala sempre de milhões de foliões que supostamente povoam e superpovoam as ruas das cidades.

Observei um fenômeno semelhante quando ainda morava em São Paulo. Os organizadores da Parada Gay de 2012, por exemplo, informaram um número de participantes de 4,5 milhões, enquanto o Datafolha calculou que o número foi de apenas 270 mil. Naquela época, minha impressão era de que a Parada Gay estava competindo durante anos com a Marcha para Jesus, que também passava pela Avenida Paulista e dizia ter atraído vários milhões de pessoas. Era obviamente importante para os organizadores desses dois eventos tão diferentes reclamar para si o maior público.

Mas o que motiva os responsáveis ​​do Rio a publicar números de público completamente irreais? Em primeiro lugar, certamente há a necessidade de justificar os milhões em recursos públicos – R$ 20 milhões para Madonna e R$ 30 milhões para Lady Gaga. Além dos R$ 15 milhões com que a cidade e o estado contribuíram para o show de Gaga, cada um, outros R$ 60 milhões vieram de patrocinadores. Seus fundos são ainda mais importantes se a prefeitura quiser dar continuidade à série de shows Todo Mundo no Rio nos próximos anos.

Aparentemente, o mito da audiência gigantesca de milhões faz parte da planejada repercussão que visa ajudar a garantir patrocínio e dinheiro da TV. Entretanto um número mais realista de espectadores – seja 500 mil ou um pouco mais – já seria impressionante o suficiente. Mas no Rio de Janeiro, que está se tornando cada vez mais uma cidade de eventos, tudo aparentemente sempre tem que ser melhor e maior. Mesmo que para isso se tenha que distorcer a realidade.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há mais de 25 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, desde então, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há doze anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente da DW.

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