
Lançado na mostra competitiva do Festival de Cannes 2024, Limonov: O camaleão russo (Limonov: The Ballad) não fez barulho na Croisette, diferente do seu protagonista na vida real. Sob o olhar do cineasta russo Kirill Serebrennikov, a cinebiografia se encarrega de apresentar o rebelde escritor Eduard Limonov, líder de um grupo político fascista e militarista, baseado em Nova York. Com uma personalidade irritante e ideias adversas, o protagonista desafia o espectador a se interessar pela sua trajetória.
Na pele de Limonov, Ben Whishaw destaca-se nesta jornada tortuosa e estilizada. O ator britânico entrega uma performance intensa, variando entre o charme anárquico e a miséria emocional com precisão notável, uma das cenas mais anticonvencionais e exigentes, é a de ato sexual com outro homem em local público. Limonov é ao mesmo tempo patético e subversivo, desequilibrado e intrigante, e é justamente essa contradição que sustenta o mínimo de interesse pelo personagem que, por seus próprios méritos, é mais repelente do que fascinante. Whishaw dá ao poeta revolucionário uma dimensão quase trágica, mesmo quando o texto parece hesitar em se posicionar claramente sobre suas ideias e ações.
A direção de Kirill Serebrennikov é vibrante, quase operística, e confirma seu talento para transformar caos em linguagem cinematográfica. Conhecido por obras provocadoras como Verão (2018), sobre o rock underground soviético, e A Esposa de Tchaikovsky (2022), o cineasta demonstra predileção por figuras marginais e rebeldes à norma. Seu estilo visual é marcado por coreografias elaboradas, transições inesperadas e uma abordagem sensorial que mistura música, política e desespero. Em Limonov: O camaleão russo, todos esses elementos estão presentes, mas, ao contrário de seus trabalhos anteriores, falta aqui o peso emocional e o fio condutor que nos faça investir na jornada do protagonista.
Co-escrito por Serebrennikov ao lado de Ben Hopkins e Paweł Pawlikowski — de Ida (2013) e Guerra Fria (2018) —, o roteiro é adaptado do romance biográfico de Emmanuel Carrère. O filme, no entanto, abandona o olhar crítico da obra literária e enaltece o espetáculo do caos que esta figura representa. Os momentos mais controversos da vida do escritor — seu flerte com o fascismo, o nacionalismo violento e o apoio a conflitos armados — são tratados com superficialidade ou relegados aos créditos finais.
Os momentos engraçados e estilizados fazem do filme uma experiência curiosa: o desfile de editoras nova-iorquinas zombando do trabalho de Limonov, os conflitos performáticos com intelectuais franceses, o erotismo vulgar transformado em provocação estética. Tudo isso colabora para a criação de um retrato ruidoso, mas nada esclarecedor deste homem russo performático. Em vez de nos aproximar do sujeito, a narrativa o cerca de artifícios, como se tivesse medo de confrontar verdadeiramente sua natureza.
É interessante notar como Serebrennikov evita mencionar diretamente figuras políticas, como Vladimir Putin, apesar de toda a história de Limonov estar imersa no mesmo caldo ideológico do atual regime russo. Essa omissão talvez diga mais sobre os limites auto impostos do projeto de uma possível censura externa. Ao passo que A Febre Petrov (2021) mergulhavam com força em críticas à sociedade russa, ainda que de forma alegórica, Limonov: O camaleão russo se contenta em fazer de seu personagem uma espécie de rockstar político, evitando questionamentos mais profundos sobre a responsabilidade de suas ações e alimentando o circo midiático.
Ao final, Limonov: O camaleão russo soa mais como uma colagem de momentos provocativos do que como um retrato sólido de um homem complexo. A direção episódica e a atuação carismática de Ben Whishaw compensam parcialmente a ausência de densidade, mas não salvam o filme de um certo esgotamento. Há ritmo, há estilo, há provocação, porém falta conexão com o público. Limonov é um personagem difícil de admirar e, neste filme, também difícil de compreender. Ao espectador resta o cansaço de uma jornada barulhenta e o desconforto de tentar encontrar sentido na trajetória de alguém que, no fim das contas, fez do caos o seu maior legado.
Distribuido pela Pandora Filmes, Limonov: O camaleão russo chega às salas de cinema do Brasil no dia 17 de abril de 2025.
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