Investidores estão se afastando do dólar americano em resposta às políticas comerciais agressivas dos EUA e à renovada confiança na zona do euro. Mas valor elevado da moeda pode afetar exportações europeias.As políticas comerciais protecionistas do presidente dos EUA, Donald Trump, e a crescente confiança de investidores na economia europeia promoveu uma escalada do euro, que subiu mais de 10% em relação ao dólar americano desde janeiro. Nesta terça-feira (15/10), um euro valia 1,13 dólar.
A chamada zona do euro é um subgrupo que inclui 20 dos 27 países da União Europeia (UE) que adotam o euro como moeda oficial. O bloco monetário vem se recuperando de uma leve recessão vivida em 2023, e registrou crescimento de 0,8% no ano passado. A projeção para 2025 é de crescimento de 1,3%.
As iminentes tarifas de 20% dos EUA sobre as importações da UE – atualmente suspensas por 90 dias – ainda podem prejudicar essa perspectiva. As sobretaxas impostas por Washington sobre o aço, o alumínio e os veículos também afetam as previsões e já reduziram a previsão de crescimento da Alemanha, por exemplo.
Mesmo assim, antecipando uma recuperação europeia e em meio à incerteza econômica nos EUA, muitos investidores estrangeiros têm preferido transferir ativos em dólar para ações e títulos europeus.
O movimento chamado de “fuga do dólar” acaba por valorizar o euro e subir seu preço. Na comparação com o real, por exemplo, a moeda saiu de R$ 6,13 em 1º de abril para R$ 6,66 em 11 de abril.
Políticas monetárias divergentes
A força do euro também está sendo alimentada por políticas monetárias divergentes. Nos EUA, o Federal Reserve vem reduzindo as taxas de juros. Ao fazer isso, os empréstimos ficam mais baratos, e os investimentos em renda fixa entregam retornos menores.
Enquanto isso, o Banco Central Europeu (BCE) mantém uma postura mais cautelosa em resposta à inflação persistente em partes da zona do euro. Com o menor rendimento de ativos como os títulos do tesouro americano, investidores passam a preferir investimentos mais lucrativos e seguros. Para isso, vendem dólares, aumentam a oferta da moeda e baixam seu preço no mercado cambial.
Mesmo assim, grandes oscilações cambiais de 10% em poucos meses são relativamente raras. O euro está sendo visto cada vez mais como um contrapeso ao dólar durante a turbulência da economia americana. O medo de recessão nos EUA também facilita a fuga do dólar.
“Trump está minando a confiança na racionalidade da formulação de políticas dos EUA, nas perspectivas de longo prazo para o crescimento dos EUA e na sustentabilidade de suas finanças públicas”, disse Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank, à DW.
Recentemente, o euro atingiu o maior valor em 17 meses em relação à libra esterlina e o maior valor em 11 anos em relação ao yuan da China
Como resultado, o dólar perde parte de seu valor, diz Schmieding. No entanto, ele acredita que o euro “não é uma alternativa real”, pois os danos provocados pelas tarifas de Trump devem também pesar sobre o crescimento da zona do euro e exigir que o BCE responda com cortes nas taxas de juros.
A consultoria econômica Oxford Economics estima que, se Trump mantiver as tarifas de 20% sobre a UE, o crescimento da zona do euro poderá diminuir em até 0,3 ponto percentual neste ano e no próximo. A projeção pressupõe que Bruxelas responderia com contramedidas direcionadas aos produtos dos EUA, em vez de uma retaliação em grande escala.
Estímulo de 1 trilhão de euros da Alemanha aumenta a confiança
O superpacote de gastos com defesa, infraestrutura e proteção climática recém-aprovado na Alemanha abre espaço para um estímulo fiscal significativo de 1 trilhão de euros (R$ 6,6 trilhões) na economia alemã ao longo da próxima década.
O anúncio aumentou ainda mais a confiança dos investidores no euro, reforçando a recente recuperação da moeda.
Além disso, grande parte dos gastos alemães será financiada pelo aumento da dívida pública, o que aumenta os retornos pela compra de títulos alemães e atrai investidores estrangeiros. O Commerzbank, o segundo maior credor da Alemanha, prevê que o índice de endividamento do país poderá aumentar para 90% do produto interno bruto (PIB) na próxima década, o que tornaria os ativos em euros mais atraentes.
“Os empréstimos públicos adicionais tornarão o segmento de curto prazo do mercado de renda fixa alemão um pouco mais profundo e líquido e, portanto, mais atraente”, disse Schmieding à DW.
No mês passado, o Goldman Sachs projetou que o superpacote aumentaria o PIB da Alemanha em um ponto percentual no próximo ano e impulsionaria o crescimento da zona do euro em 0,2% pontos percentuais.
“Um dos motivos é que esperamos que o crescimento mais forte da Alemanha se espalhe pelos países vizinhos”, escreveu Sven Jari Stehn, economista-chefe europeu do Goldman Sachs Research. “Outro motivo é que agora esperamos que o restante da zona do euro aumente os gastos militares um pouco mais rapidamente em resposta ao anúncio da Alemanha.”
Espera-se que a França, a Itália e a Espanha elevem seu investimento em segurança para perto de 3% do PIB nos próximos dois anos.
Títulos conjuntos poderiam ajudar o euro?
O ambicioso plano conjunto de ampliar os gastos militares na Europa tem impulsionado apelos para a emissão de títulos conjuntos de dívida, emitidos em colaboração pelos países da zona do euro, conhecidos como eurobonds.
“Os títulos conjuntos são um ponto forte que vale a pena impulsionar. A criação de um programa que substitua o plano de recuperação pós-pandemia arrecadaria dinheiro e incentivaria o mundo a negociar em euros”, defendeu Rebecca Christie, ex-economista do BCE e membro sênior do think tank Bruegel.
Ela se refere ao pacote de estímulo de 750 bilhões de euros (R$ 4,9 trilhões) lançado após a pandemia da covid-19, mais da metade dele financiado por meio de títulos conjuntos.
A criação dos eurobonds é apoiada pelos estados do sul da UE, mas sofre oposição dos membros do norte da UE, incluindo a Alemanha.
Prós e contras de um euro mais forte
A atual força da moeda única é, por enquanto, uma vantagem para os consumidores e as empresas europeias que podem comprar produtos fabricados nos EUA a preços mais baixos.
O turismo da Europa para os EUA também ficou mais barato, enquanto as commodities cotadas em dólares, como petróleo e gás, estão mais acessíveis.
Christie observou que as companhias aéreas e os militares europeus também poderiam se beneficiar dos preços mais baratos de aeronaves, que também são comprados em dólares.
“Ao mesmo tempo, alguns exportadores europeus podem sentir os efeitos de seus produtos se tornarem um pouco mais caros para o resto do mundo”, disse ela.
A Alemanha é a mais vulnerável a essa medida, uma vez que as exportações representaram cerca de metade de seu PIB no ano passado.
Uma moeda mais forte torna os carros, as máquinas e os produtos químicos alemães mais caros em um momento em que a maior economia da Europa já enfrenta os desafios do custo da energia, a fraca demanda global e a intensa concorrência da China.
Embora alguns traders de moeda prevejam que o euro possa se fortalecer ainda mais em relação ao dólar antes do final do ano, a maioria dos principais bancos de investimento avalia que o nível deve ficar próximo ao atual.
“Tudo está extremamente incerto no momento, e não está claro se o euro continuará subindo em relação ao dólar ou se estabilizará. No momento, ele ainda está dentro de sua faixa histórica”, disse Christie, do Bruegel, à DW.
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