
Não sabe o que assistir neste fim de semana? A Netflix colocou em seu catálogo a sétima temporada de Black Mirror. E pode acreditar que ela está muito mais perto das três primeiras temporadas do que das porcarias lançadas nos últimos anos.
É muito estranho parar pra pensar que já faz 14 anos do lançamento da primeira temporada, e acaba sendo meio frustrante refletir sobre como a produção deixou de ser revolucionária após a aquisição pela Netflix, caindo em um lugar comum bastante incômodo a partir da quarta temporada. Com exceção de um ou outro episódio genial, a maioria das histórias lançadas a partir de 2017 perdeu aquele poder de impacto, focando em tecnologias não tão próximas da atualidade ou mais distantes do cotidiano ocidental. Por mais que já exista nos campos de guerra, ninguém convive com um cão robô homicida. Já uma sociedade baseada nas notas dadas pelos outros… É algo que integra o cotidiano e choca pela semelhança.
A notícia boa é que essa sétima temporada parece ter passado por uma curadoria mais rígida, apostando em episódios cujas temáticas são fantasiosas, mas estão cada vez mais presentes na vida das pessoas. Há metáforas sobre os Streamings, Deepfake, Inteligência Artificial nos cinemas e por aí vai. De certa forma, a sétima temporada se aproxima muito mais de episódios como Nosedive, The Entire History of You e White Bear do que dos episódios das temporadas mais recentes, apesar de alguns deles serem sequências diretas de episódios como Bandersnatch e USS Callister.
E por ser uma antologia, o público não precisa ver a temporada na ordem de lançamento dos episódios. Por conta disso, fica a recomendação para talvez não começar a assistir pelo primeiro episódio, Pessoas Comuns. Ao lado de Eulogy, ele é o melhor e mais próximo da realidade capítulo dessa temporada. Por isso, talvez seja mais interessante deixá-lo para o final – ou pode assisti-lo logo de cara, mas fique ciente de que é muito impactante mesmo.
Ele choca justamente por construir a trama ao redor de duas tecnologias extremamente irritantes que já integram o dia a dia da população local: as plataformas virtuais, como o TikTok e o Onlyfans, que monetizam gente imbecil, que passa a lucrar fazendo barbaridades contra a própria vida, e a farra dos streamings, que ficam inventando novos planos caríssimos e removem benefícios considerados padrões para conseguirem lucrar mais.
[SPOILER]
Bom, a descrição do episódio não pode ser considerada exatamente um spoiler, mas diante das tecnologias usadas neles, dá para fazer a associação do que acontece na trama, que gira em torno de um casal comum. Eles querem ter um bebê, mas não conseguem. Então, em um dia como qualquer outro, a esposa desmaia enquanto dava aula na escola e acaba sendo levada para o hospital. Por lá, o marido descobre que ela tem uma doença neurológica praticamente incurável e não há muito o que fazer.
Porém, uma vendedora surge com uma solução ‘mágica’ que permite fazer uma cirurgia para contornar a doença por meio de um chip no cérebro, que faria um tipo de upload de quem ela era e manejaria a doença para mantê-la viva. O único custo para isso seria uma mensalidade de 300 pratas. Desesperado para ter a esposa de volta, ele assina o pacote, mas não lê as letrinhas miúdas. E aí começa um novo inferno na vida do casal, porque a cada seis meses é lançado um novo pacote de atualização que ela deve baixar para ter o mínimo de qualidade de vida.
[SPOILER]
É um episódio extremamente chocante, cuja crítica deveria ser absorvida pela própria Netflix, que aumenta os valores da mensalidade de forma completamente desproporcional quando dá na telha. Essa crítica explícita aos streamings é extremamente necessária, é uma pena que a “N Vermelho” vá se fazer de sonsa com isso, usando como desculpa de ‘minha parte eu já, lancei a crítica’, em vez de rever suas políticas de assinatura.
Já Eulogy é o grande episódio da temporada por trazer uma crítica interessante, mas principalmente por se apoiar no talento brutal de Paul Giamatti. A trama, de alguma forma, se assemelha com San Junipero e Entire History Of You, clássicos da série, mas tem um desenrolar diferente.
Ele acompanha um senhorzinho amargurado e sozinho, cuja vida parece não fazer mais sentido. Então, ele testa uma tecnologia que permite reviver momentos com base em fotografias. Por meio desse procedimento, ele vai atrás do único momento de sua vida em que ele sentiu que existir tinha algum valor. Embebido pela nostalgia, ele busca um amor antigo, mas descobre coisas que não gostaria de saber. E isso é algo mais do que presente nos dias de hoje. A existência miserável que o presente proporciona faz com que o apego ao passado esteja cada vez mais em alta. A forma sensível como isso é retratado aqui faz dele um dos melhores episódios de toda a série.