
‘O Aprendiz de Feiticeiro’ é uma superprodução de US$150 milhões dos estúdios Disney, que chegou aos cinemas em grande parte do mundo em julho de 2010 – época reservada aos maiores lançamentos de cada ano. Nesses 15 anos de sua estreia, podemos dizer que o longa caiu na obscuridade, sendo pouco falado atualmente. No entanto, o filme faz parte de uma tendência atual da Disney que faz muito sucesso, mas poucos se dão conta. ‘O Aprendiz de Feiticeiro’ é o remake em live-action menos conhecido do estúdio.
Quando falamos em remakes em live-action das clássicas animações da Disney, a quem vem à mente de forma imediata é sem dúvida ‘Branca de Neve’, em cartaz nos cinemas pelo mundo. Trata-se da versão de carne e osso da primeira animação na forma de longa-metragem da Disney, lançada ainda em 1937. Se isso não é fazer história. Em maio deste ano teremos ainda ‘Lilo e Stitch’, outra adaptação com atores reais de um desenho famoso dos cinemas, esse um pouco mais recente, de 2002.

É claro que temos diversos outros casos, como ‘A Pequena Sereia’, ‘Aladdin’, ‘A Bela e a Fera’, e ‘101 Dálmatas’ e ‘O Livro da Selva’, os primeiros, datando ainda da década de 1990. Mas o que muitos podem não se dar conta, é que dentre tantas adaptações conhecidas, uma segue escondida, sem que uma parte dos fãs se dê conta. Isso porque ‘O Aprendiz de Feiticeiro’ não é a versão de carne e osso de um longa animado da Disney, mas sim de um trecho de um filme. Aqui, falamos do trecho mais famoso de ‘Fantasia’ (1940), clássico da animação da Disney, que é oficialmente seu terceiro longa-metragem lançado nos cinemas, depois de ‘Branca de Neve’ e ‘Pinóquio’ (também de 1940).
Dividido em meia dúzia de segmentos, além da introdução e de um intervalo, ‘Fantasia’ foi uma proposta única do estúdio: mesclar música clássica e artes da dança, como o balé, com o cinema e a animação. O resultado se tornou a obra mais onírica, poética e abstrata da casa, nestes 88 anos. O projeto ganhou uma homenagem moderna, na forma de uma continuação, com ‘Fantasia 2000’, lançado entre o fim de 1999 e o início de 2000. O original foi um dos projetos mais pessoas de Walt Disney, que ficou muito feliz com o resultado.

Em ‘Fantasia’ (1940), o objetivo não era criar uma obra tradicional, um filme de ficção com uma narrativa linear, como haviam sido ‘Branca de Neve’ e ‘Pinóquio’, mas sim uma experiência sensitiva, como uma ida à ópera. E é justamente isso o que seus segmentos representam: dança e música, em expressões abstratas. Bem, exceto por um destes segmentos, que não por menos terminou se tornando o mais memorável deles.
Nunca a Disney esteve tão entranhada na cultura clássica. ‘The Sorcerer’s Apprentice’, o tal segmento de destaque, é baseado em duas obras primordiais. Primeiro, no poema do alemão Wolfgang von Goethe, escrito ainda em 1797, cujo título original é ‘Der Zauberlehrling’. O texto fala sobre um velho e experiente mago, que sai e deixa seu jovem aprendiz encarregado de cuidar de seu lugar de trabalho. Ele o deixa encarregado de algumas tarefas domésticas também. Com preguiça de realiza-las, o jovem aprendiz resolve praticar um feitiço, o qual não domina completamente, para que as tarefas sejam feitas. Porém, as coisas saem rapidamente do controle, sem que o aprendiz seja capaz de dominar a situação. É apenas quando o velho mestre retorna, que o feitiço é desfeito por ele.

Em 1897, ou seja, cem anos depois, o compositor francês Paul Dukas criou uma versão sinfônica do clássico poema. Assim, ambos o poema e a sinfonia foram homenageados pela Disney e em 1940 atingiriam seu auge de popularidade graças ao filme ‘Fantasia’. O que o estúdio faz é recriar o poema em um dos segmentos do longa, lhe dando forma e imagem, é claro, colocando no lugar do aprendiz o seu personagem mais icônico e símbolo do estúdio, o ratinho Mickey. Assim, o estúdio tornou acessível para todos os tipos de público, incluindo as crianças, uma história muita antiga – que teve sua mensagem passada da mesma forma. E, claro, pôde utilizar a música composta pelo francês para sua trilha sonora.
Bem, e é aí que entra a superprodução de 2010, estrelada por ninguém menos do que o vencedor do Oscar Nicolas Cage. No mesmo ano em que a Disney investiu pesado na versão de carne e osso de ‘Alice no País das Maravilhas’, e trouxe Tim Burton para dirigir (arrecadando mais de US$1 bilhão mundiais), o estúdio começou a perceber que essas versões “reais” de suas clássicas animações poderiam ser um filão bastante lucrativo. Antes mesmo de ‘Malévola’, ‘Cinderela’ ou ‘Mogli: O Menino Lobo’ ganharem versões em live-action, a ideia do estúdio foi alongar este conto clássico de ‘O Aprendiz de Feiticeiro’, presente em ‘Fantasia’, para um longa-metragem próprio, de quase duas horas de duração.

Uma proposta tão fora da caixinha como esta é a cara das esquisitices de Nicolas Cage. Sendo assim, não surpreende o fato de a ideia para o longa ter partido dele, pois o ator queria explorar elementos místicos e de magia. É claro que a Disney deve ter embarcado na proposta vendo o potencial de ter uma franquia sobre feiticeiros em mãos, após o sucesso de ‘Harry Potter’ para a Warner na década anterior. Sendo esta uma produção do estúdio mais politicamente correto de todos, a história ganharia uma versão sanitarizada, tendo em vista todo tipo de público. Uma obra mais família.
Para a tarefa, entram em cena os mesmos responsáveis pelo sucesso ‘A Lenda do Tesouro Perdido’ (2004), o Indiana Jones misturado com O Código da Vinci da Disney. Assim, a produção ficou a cargo de Jerry Bruckheimer e na direção Jon Turteltaub. Nicolas Cage ficou com o papel do mestre experiente, e no papel do “Mickey”, Jay Baruchel e sua cara de cachorro perdido. Para estender o poema em um filme longa-metragem com apelo comercial, a história não poderia ficar centrada em um único cômodo. Apesar de que a cena em questão tem destaque neste filme – eles não poderiam deixar de replicar o momento na versão de carne e osso. Assim, as cenas da vassoura inundando a sala marcam o longa e trouxeram recordações a todos que conhecem bem o clássico.

E bem, esse é o único trecho que justifica o título e qualquer ligação com o poema de Goethe. De resto, a trama é desenvolvida para uma aventura corriqueira, que pega emprestado de tudo da narrativa da jornada do herói, desde o citado ‘Harry Potter’ até ‘Matrix’. Ou seja, um jovem mundano (Baruchel) tem dificuldades no dia a dia. Porém, tudo irá mudar em sua vida com a chegada de um homem (Cage) que lhe diz que ele é o escolhido. Ele possui um enorme poder que precisa ser moldado, treinado, para que possa enfrentar as forças do mal e derrota-las, assim salvando o mundo de ameaças sombrias.
Muitas vezes, o que conta nestas superproduções de Hollywood não é a trama central, coisa que cismamos em criticar. Sim, elas são todas iguais. Ao mesmo tempo existe um ditado que revela uma quantidade limitada de narrativas originais, todo o resto são derivações delas. O que conta muitas vezes em blockbusters é tudo ao redor da trama, ou seja, atuação, carisma dos personagens, fotografia, trilha sonora, direção de arte e por aí vai. Muitas vezes o que nos chama atenção em um filme não é a história em si, mas todo o resto. Muitos afirmariam ainda que a história é o que menos importa.

Aqui, você poderá notar todos os elementos requentados de outras produções do gênero. E bem, talvez essa falta de personalidade tenha prejudicado o desempenho de ‘O Aprendiz de Feiticeiro’, garantindo assim o fracasso da obra junto ao público. Com um investimento tão pesado, o longa recuperou apenas US$63 milhões em sua estadia nos cinemas dos EUA. Em seu fim de semana de estreia o filme da Disney bateu de frente com um certo sucesso de bilheteria chamado ‘A Origem’, de Christopher Nolan. Esse foi o filme que Nolan entregou depois de ‘O Cavaleiro das Trevas’ (2008), ou seja, era uma produção aguardadíssima. ‘A Origem’ estreou em primeiro lugar das bilheterias com críticas que rasgavam elogios. O mais genérico ‘O Aprendiz de Feiticeiro’ teve que se contentar com a terceira posição daquele mesmo fim de semana.
No fim de sua estadia nos cinemas mundiais, ‘O Aprendiz de Feiticeiro’ somou US$215 milhões, o que é um valor baixo até para os padrões de 15 anos atrás. A Disney teve que puxar o plugue de qualquer plano para uma sequência ou franquia (como costuma fazer algumas vezes) e dizer adeus a esta marca em potencial. Seria apenas quatro anos depois, como citado, que o estúdio investiria pesado novamente em uma adaptação em live-action de uma animação clássica, essa dando muito certo com ‘Malévola’, a versão de ‘A Bela Adormecida’. Hoje, o subgênero no geral se tornou lucrativo e segue dando frutos. E você, lembrava de ‘O Aprendiz de Feiticeiro’?