Crítica | ‘Mickey 17’ traz o melhor de Robert Pattinson e de Bong Joon-ho às telonas

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Crítica livre de spoilers.

Em ‘Mickey 17’, Robert Pattinson se despede de seu traje como o Cavaleiro das Trevas para encarnar um personagem totalmente diferente na roupagem de Mickey Barnes – um jovem que, fugindo de um cruel destino nas mãos de um perigoso agiota, resolve participar de um programa espacial de colonização como um “dispensável”, isto é, alguém que será utilizado como cobaia para experimentações planetárias a fim de garantir que o novo planeta-colônia da raça humana seja habitável e propício para a continuidade da vida como a conhecemos. Mas isso não é tudo: por ser um “dispensável”, Mickey pode morrer várias e várias vezes, pois os cientistas responsáveis pelo programa podem cloná-lo, com memórias de “vidas passadas”, e dar seguimento às pesquisas.

Todavia, as coisas saem do controle quando, remando contra a própria sorte, a versão número 17 de Mickey sobrevive e cruza caminho com um novo clone – algo que coloca todo o programa em perigo. Afinal, duas versões de uma mesma pessoa não podem existir e, caso os criadores desse controverso experimento descubram, ambos serão destruídos e a figura de Mickey não irá mais existir. E é nesse intrincado e insano cosmos que os espectadores são arremessados através da capacidade artística e técnica de um dos maiores cineastas da atualidade, Bong Joon-ho.

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Joon-ho ganhou ainda mais prestígio alguns anos atrás ao encabeçar o suspense ácido ‘Parasita’, que lhe rendeu inúmeros prêmios da Academia, incluindo o de Melhor Filme em uma vitória histórica. Porém, o cineasta já havia mergulhado de cabeça em produções de ficção científica, como o suspense de ação distópico ‘Expresso do Amanhã’, que marcou sua estreia em língua inglesa no cenário cinematográfico e emergiu como uma sólida adaptação recheada de críticas sociais que se manteve fiel à identidade artística do realizador. Nesse mais novo projeto, Joon-ho une o melhor dos dois mundos em uma jornada de autodescobrimento e um retrato propositalmente caricato da atual situação geopolítica do mundo, promovendo esforços para denunciar, de maneira cômica e inesperada, as mazelas causadas pela desmedida ambição humana.

Apesar do cenário absurdista, é notável como Joon-ho pincela cada uma das sequências com comentários acres sobre o funcionamento de uma sociedade predatória. Enquanto Mickey se lança a uma empreitada literalmente suicida, ele apenas preza por uma sobrevivência em meio a um cenário apocalíptico – ao menos para si próprio; entretanto, essas engrenagens são controladas pelo político Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), uma clara releitura do atual presidente dos Estados Unidos Donald Trump que emerge como um mercenário ególatra que não pensa em nada além de si mesmo e que é apoiado por seguidores cegos e pela repulsiva esposa Ylfa (Toni Collette). Kenneth posa como uma espécie de “salvador branco” que não consegue enxergar um palmo à frente do nariz e que se vale de metáforas vencidas para enganar os passageiros a bordo da espaçonave.

Homem deitado em equipamento médico azul iluminado

Como já mencionado, Mickey17 consegue sobreviver em uma das perigosas missões no planeta-colônia, nomeado Nilfheim em uma homenagem direta à mitologia nórdica, e volta para a base apenas para encontrar Mickey18 pronto para a próxima tarefa. Todavia, enquanto a versão 17 insurge com uma personalidade mais retraída e não conflituosa, a mais recente não pensa duas vezes antes de enfrentar Kenneth e tentar matá-lo de uma vez por todas por dar aval a um programa condenável e que transforma a ideia do ser humano em uma mercadoria a ser descartada quando não tiver mais valia. E, à medida que Mickey18 parte em uma vendeta pessoal, as tensões escalam a proporções catastróficas que revelam a podridão por trás de Kenneth e de seus comparsas – e que culminam em um jogo de gato e rato envolvente e fora das nossas expectativas.

Se Joon-ho encontra sucesso em uma produção cinemática de escala épica e reitera suas habilidades invejáveis de storytelling, o elenco faz um trabalho espetacular através de rendições comprometidas: Ruffalo e Collette se divertem como antagonistas que posam como arquétipos clássicos de narrativas noventistas e oitentistas ao mesmo tempo que são embebidos em uma ironia apaixonante e odiosa. Naomi Ackie, interpretando a oficial Nasha Adjaya e namorada de Mickey, fornece um teor mais sério e que a torna protagonista das cenas de ação; Steven Yeun, dando vida ao piloto Timo, também tem o seu momento de brilhar, por mais que esteja restrito a um caráter bastante coadjuvante; mas é Pattinson quem domina os holofotes em um papel duplo, permitindo que ele reafirma sua versatilidade performática ao até mesmo modular a voz para se encaixar com perfeição ao que Mickey representa.

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‘Mickey 17’ é mais um acerto de Bong Joon-ho e traz as melhores características criativas do cineasta à tona, além de contar com um time de performers comandado pelo carisma e pelo charme de Robert Pattinson. Apesar das sólidas chances de dividir os espectadores, é inegável o valor artístico do longa-metragem e o espectro absurdista de que ele se vale para entregar o que promete – e até mais.

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