[Coluna] “Ainda estou aqui”: por que seu sucesso incomoda alguns?

Boa parte do povo brasileiro vibrou com a vitória da grande Fernanda Torres e vibra com o sucesso do filme de Walter Salles. Mas tem aqueles que, além de não se sentirem representados, parecem torcer contra. Por quê?”O filme é tão bom que ninguém viu”, “Com a Lei Rouanet é fácil” e “Ah, o vídeo do Nikolas Ferreira foi melhor e mais assistido”.

Acompanho fielmente toda a repercussão, merecida, diga-se de passagem, do filme Ainda estou aqui. Assisti três vezes e na primeira já senti um arrepio que me sinalizou que estava diante de um grande marco na história do cinema brasileiro. Desde lá, acompanhei o sucesso com a bilheteria, a repercussão da mídia, a indicação da magnífica Fernanda Torres ao Globo de Ouro e, junto com milhões de brasileiros, fiquei acordado até a madrugada de segunda-feira para a assistir ganhar o prêmio. Mas ainda não estávamos no ápice e estamos agora na torcida pelo Oscar.

Podem imaginar minha decepção ao ler comentários do tipo dos que iniciaram a coluna em praticamente toda e qualquer publicação acerca do filme e da Fernanda. Poxa, não é apenas brega e patético, mas também de uma maldade tão grande que me assusta.

De um lado, há todo um discurso patriótico destes indivíduos, mas de outro, tanto ódio para uma grande conquista nacional. Hipocrisia, né?

Agora você pode estar se perguntando: “Mas o que isso tem a ver com o propósito da coluna, que é falar sobre educação?”.

Lacuna educacional com a história do Brasil

Muitos dos comentários se pautam em invalidar ou banalizar a ditadura, o que não me surpreende. Já ouvi pessoas dizendo que “a ditadura precisa voltar”.

Não acredito que todos esses indivíduos tenham necessariamente um mau caráter. Sinto que estamos diante, em alguma medida, de uma lacuna educacional em relação ao aprendizado da história do próprio Brasil.

Não estou criticando os professores ou os colégios, até porque acredito que seja uma lacuna sistemática e macro.

Simplesmente não pode ser banalizado o fato de um brasileiro terminar o ensino médio e ainda acreditar que não houve ditadura ou defender que os militares voltem ao poder. Da mesma forma que é um absurdo um jovem alemão negar o Holocausto.

Precisamos respeitar nossa própria história

O resultado é uma lacuna na própria cidadania e humanidade. Negar a ditadura é tão ruim quanto defender o seu retorno, mas, para além disso, é um grande desrespeito com todos aqueles que foram cruelmente mortos durante o período, com os familiares desses indivíduos e com todo o povo brasileiro.

É irônico e muito simbólico todo esse movimento de ódio contra este filme em questão, justamente devido a tudo o que ele representa e à história, nossa, diga-se de passagem, que brilhantemente retrata. Sejamos honestos: é antagônico alguém assistir o filme e ainda assim defender a ditadura.

Faço questão de registrar o meu agradecimento, em nome de todo o povo brasileiro, ao Walter Salles, à Fernanda Torres e a todo o elenco e equipe envolvidos no filme. Obrigado pelo belíssimo trabalho e por exporem para todo o mundo este período de nossa história. Segundo: como alguém que trabalha há quase 10 anos com educação, quero que saibam que produziram um material que mais cedo ou mais tarde será a maior obra pedagógica cultural para trabalhar o período da ditadura em escolas de todo o país.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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