Como smartphones viraram “parasitas modernos”

A biologia evolutiva revela: smartphones são parasitas modernos, causam dependência e afetam a saúde mental. Pesquisadores indicam possível solução inspirada na natureza.Ao longo da história evolutiva, a humanidade conviveu com inúmeros parasitas. No entanto, de acordo com pesquisadores da Universidade Nacional Australiana, o maior parasita da era atual não tem patas nem antenas: ele tem uma tela sensível ao toque, aplicativos sofisticados, uma conexão Wi-Fi e se esconde confortavelmente em nossos bolsos, constantemente capturando nossa atenção.

Em uma análise recente publicada no Australasian Journal of Philosophy, a filósofa Rachael Brown e o biólogo Robert Brooks defendem que os smartphones atendem, em termos evolutivos, a todos os critérios para serem considerados parasitas. Não no sentido metafórico, mas real: eles sobrevivem às nossas custas enquanto nos geram danos.

Como explicou Brown em um comunicado, “apesar de suas vantagens, muitos de nós somos reféns de nossos telefones, incapazes de nos desconectar completamente”.

E, segundo os pesquisadores, os usuários pagam o preço com falta de sono, relações sociais mais fracas e diversos transtornos de humor.

Relação parasitária vs. mutualismo tecnológico

Na biologia evolutiva, um parasita é definido como uma espécie que se beneficia de um relacionamento próximo com outra (seu hospedeiro), enquanto o hospedeiro sofre algum prejuízo.

Um exemplo disso, citado por Brown e Brooks em um artigo no The Conversation, é o piolho, que depende inteiramente dos humanos para sobreviver e se alimenta do nosso sangue sem oferecer nada de positivo em troca.

Mas nem todas as relações entre espécies são parasitárias. As bactérias intestinais, por exemplo, vivem no sistema digestivo humano, mas trazem benefícios como aumento da imunidade e melhor digestão. Essas relações mutuamente benéficas são chamadas de mutualismos.

De acordo com os especialistas, foi assim que começou a relação entre humanos e smartphones, que ofereciam comunicação, navegação e informações úteis. Mas, à medida que os celulares inteligentes se tornaram quase indispensáveis, alguns de seus aplicativos mais populares começaram a servir aos interesses das empresas que os criam e de seus anunciantes com mais fidelidade do que a seus usuários.

“Esses aplicativos são projetados para nos manter em movimento, nos fazer clicar em anúncios e até mesmo provocar indignação”, observam Brown e Brooks em seu artigo. “O comportamento de nossos celulares frequentemente frustra nossos objetivos e desejos expressos, a fim de atingir os objetivos das empresas que os criam”, acrescentam.

Podemos reequilibrar essa relação?

Os pesquisadores oferecem uma solução retirada da própria natureza para restabelecer o equilíbrio na relação com o smartphone. Na Grande Barreira de Coral da Austrália, por exemplo, peixes limpadores se alimentam de parasitas de outros peixes maiores. É um arranjo mutuamente benéfico.

Mas, se o limpador exagera e dá uma mordida grande demais, a relação se desequilibra e pode se tornar parasitária. Então, o peixe hospedeiro reage: pune o agressor, persegue-o ou deixa de frequentar a “estação de limpeza”.

Esse tipo de vigilância – detectar abusos e responder – é fundamental para manter relacionamentos saudáveis. Para os pesquisadores, o mesmo deveria se aplicar à relação dos humanos com os celulares. Mas aqui a situação é mais complexa: as táticas de exploração são ocultas, os algoritmos são opacos e os recursos úteis nos tornam tão dependentes do dispositivo que “simplesmente parar de usá-lo” já não é uma opção realista.

É que, segundo explicam, muitos de nós já dependem desses dispositivos para tarefas cotidianas. Por exemplo, em vez de lembrar informações, transferimos essa responsabilidade para os nossos celulares, o que altera nossa cognição e memória. Essa dependência, na perspectiva dos especialistas, simultaneamente melhora e limita nossas capacidades.

Além disso, governos e empresas consolidaram a nossa dependência, transferindo a prestação de serviços para aplicativos móveis. “Quando pegamos nossos celulares para acessar nossas contas bancárias ou serviços públicos, perdemos a batalha”, alertam os pesquisadores.

Existe uma solução contra o vício em smartphones?

Segundo os pesquisadores, não basta decisões individuais. Estamos sendo dominados pelo poder e pelas informações gerenciadas pelas grandes empresas de tecnologia. Precisamos de estratégias coletivas.

Medidas como a proibição de redes sociais para menores – como proposto pelo governo australiano – ou restrições legais ao design de aplicativos viciantes e à coleta de dados podem ser um primeiro passo para restaurar o equilíbrio.

“A evolução mostra que existem dois fatores-chave: a capacidade de detectar a exploração quando ela ocorre e a capacidade de responder”, afirmam os pesquisadores. “No caso dos smartphones, a exploração costuma ser velada e oculta”, acrescentam.

Sem essas intervenções coletivas para limitar o alcance desses “parasitas digitais”, alertam os especialistas, continuaremos sendo hospedeiros vulneráveis ​​a dispositivos que parasitam o nosso tempo, atenção e informações pessoais em benefício de outros. E se quisermos que os nossos celulares voltem a ser ferramentas úteis – e não controladores de nosso comportamento –, talvez devêssemos, como sugerem os pesquisadores, aprender com os peixes.

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