
O mercado financeiro foi surpreendido nas últimas semanas com o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que não foi bem recebido. Após a repercussão negativa do decreto que elevava as alíquotas do IOF, o governo recuou e apresentou a MP (Medida Provisória) como alternativa para reforçar a arrecadação e tentar fechar as contas públicas, em meio ao cenário de aperto fiscal. A proposta traz alterações que impactam desde investidores de renda fixa e criptoativos até instituições financeiras listadas na Bolsa.
Para entender os principais pontos da nova MP, seus efeitos práticos e os riscos envolvidos, o BP Money conversou com Marcelo Bolzan, planejador financeiro CFP, CGA e sócio da The Hill Capital. Na entrevista, Bolzan explica as razões que levaram o governo a abandonar parte do aumento do IOF, comenta os impactos das mudanças na tributação dos investimentos e alerta para os desafios políticos que podem inviabilizar a efetivação da medida no Congresso.
Além disso, o especialista detalha como ficam as operações de crédito, o fim das isenções em produtos como LCI, LCA, CRI e CRA, e analisa os efeitos sobre a competitividade dos bancos, fintechs e do mercado de capitais como um todo.

Confira a entrevista na íntegra:
Quais são os principais objetivos da MP nº 1.303 em relação ao IOF e por que o governo optou por substituí-la pelo decreto anterior?
O governo anunciou o decreto com aumento das alíquotas de IOF em operações de câmbio, crédito e previdência VGBL no dia 22/05. Houve uma péssima repercussão, tanto que, no mesmo dia à noite, o governo foi obrigado a recuar em parte das medidas. As críticas se concentraram no fato de que, mais uma vez, o governo buscava ajustar as contas por meio de mais impostos, e não pelo controle de gastos. Houve também críticas pelo uso do IOF com finalidade arrecadatória, além de falta de mensuração do impacto no custo do crédito para empresas e da ausência de alinhamento prévio com o Congresso, que ameaçou barrar o decreto.
No domingo, 8 de junho, houve uma reunião entre o ministro Fernando Haddad e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado, Davi Alcolumbre. Dessa reunião surgiram soluções alternativas, como o fim da isenção de Imposto de Renda para LCI, LCA, CRI, CRA e outros produtos isentos, que se transformaram na MP 1.303, com o objetivo de compensar o recuo do decreto do IOF.
A arrecadação esperada com a MP é suficiente para garantir credibilidade fiscal no curto prazo e sustentar a confiança dos investidores no arcabouço?
Na verdade, a MP deve enfrentar grande resistência no Congresso, e acredito que a probabilidade de caducar após os 120 dias é alta. Mas, assumindo que passe como está, sim, ela ajudará nas contas do governo. A relação dívida/PIB do país continuará crescendo, chegando a 83% ao final de 2026, mas não há risco de shutdown ou paralisação. De toda forma, será necessário que um novo governo, nas próximas eleições, esteja comprometido com as contas públicas e com reformas estruturais para retomar a confiança dos investidores.
Como funcionará a transição das alíquotas do IOF em operações de “risco sacado” e crédito para empresas?
As operações de risco sacado eram isentas de IOF fixo, tendo apenas a cobrança diária. O decreto inicial previa uma alíquota fixa de 0,95%, o que gerou grande preocupação no mercado. O governo recuou dessa alíquota fixa, mantendo apenas a cobrança diária de 0,0082%.
Para operações de crédito à pessoa jurídica, a alíquota fixa do IOF, que era de 0,95%, foi reduzida para 0,38%, mantendo-se também a alíquota diária de 0,0082%. Ou seja, em ambos os casos, o governo foi obrigado a recuar e realizar ajustes em relação à proposta inicial de maio.
Quais são as implicações da unificação da alíquota de IR sobre aplicações financeiras em 17,5% para investidores de renda fixa e criptoativos?
Atualmente, a tributação de criptoativos segue a tabela progressiva, que vai de 15% a 22,5%, sendo que a menor alíquota se aplica a rendimentos de até R$ 5 milhões. Além disso, há isenção de IR para quem vende menos de R$ 35 mil por mês. Portanto, seja para pequenos ou grandes valores, o cenário atual favorece o ingresso de recursos nesses ativos.
Com o fim da isenção, o aumento da alíquota e a equiparação com a renda fixa, muitos investidores que operavam dentro do limite de isenção passarão a pagar imposto, o que tende a desestimular a entrada de novos investidores no mercado de criptoativos.
A nova alíquota de 17,5% unificada para aplicações de renda fixa e fundos altera a atratividade desses produtos em relação à Bolsa e fundos isentos?
Acredito que os maiores perdedores com a padronização da alíquota serão as ações e demais aplicações em renda variável. Sempre houve uma diferenciação entre as alíquotas de IR de renda fixa e renda variável, justamente para fomentar o mercado de capitais, incentivando mais empresas a realizarem IPOs. Já foi 10%, atualmente é 15%, e, com a proposta, poderá ser 17,5%. O apetite por risco, especialmente em ações, tende a ser menor com a perda dessa vantagem tributária.
A taxação de 5% sobre LCI, LCA, CRI e CRA pode afetar a demanda por esses papéis e, consequentemente, o financiamento ao setor imobiliário e ao agronegócio?
A atratividade desses investimentos se reduz, mas eles ainda mantêm alguma vantagem em comparação com outros produtos. Nos últimos anos, houve um expressivo aumento no estoque desses papéis isentos. Acredito que, daqui para frente, eles continuarão crescendo, porém em menor velocidade.
Além do agro e do setor imobiliário, devemos perceber uma menor disponibilidade de recursos também para o setor de infraestrutura, como transporte, logística, energia e saneamento. Apenas nos primeiros quatro meses do ano, foram emitidos mais de R$ 55 bilhões em debêntures incentivadas. O apetite do investidor será menor diante desse novo cenário de aumento de IR.
Como o aumento da CSLL para instituições financeiras e o fim da alíquota reduzida afeta a lucratividade dos bancos e fintechs listados na Bolsa?
A grande mudança introduzida pela MP é a extensão das alíquotas mais elevadas de CSLL para um leque maior de instituições financeiras, que antes se beneficiavam de alíquotas menores (9% ou 15%).
Os grandes bancos, que já estavam na maior alíquota, não terão impacto direto na lucratividade. Pelo contrário, podem até se beneficiar indiretamente, já que, na prática, a MP reduz a vantagem tributária que favorecia fintechs e adquirentes. Isso pode se traduzir em um ganho de competitividade relativa para as instituições financeiras tradicionais.
No entanto, existem empresas na Bolsa que terão aumento na alíquota da CSLL e, consequentemente, impacto em seus resultados. Alguns exemplos são BB Seguridade e Nubank, cuja alíquota subirá de 15% para 20%, além de B3, Cielo e Stone, que passarão de 9% para 15%, caso a MP seja aprovada.
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