Gestações não planejadas seguem em alta no país e revelam desigualdades sociais persistentes

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Um levantamento conduzido pela Universidade de Campinas (Unicamp) revela que entre 2023 e 2024, 65,7% das gestações no estado de São Paulo não foram planejadas. O número supera com folga a média nacional, historicamente estimada entre 52% e 55%, e evidencia que o planejamento reprodutivo ainda é um privilégio restrito a determinados grupos sociais. Os resultados foram publicados em março na revista The European Journal of Contraception & Reproductive Health Care.

Apesar de o Brasil apresentar uma taxa de fecundidade inferior a dois filhos por mulher — considerada baixa —, a proporção de gestações não planejadas permanece alta. Foi esse paradoxo que motivou o sociólogo Negli Gallardo-Alvarado a investigar o tema em São Paulo, o estado mais rico do país.

A pesquisa foi realizada entre março de 2023 e junho de 2024 no Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O estudo ouviu 534 mulheres grávidas, com idades entre 18 e 49 anos, por meio de questionários online e impressos. Mais de 80% responderam pela internet, em plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp. “Conseguimos alcançar mulheres de diferentes estratos sociais, incluindo aquelas em situação de vulnerabilidade”, explica Gallardo-Alvarado.

Os dados revelam uma forte relação entre gravidez não planejada e fatores como raça, escolaridade, estado civil e número de filhos. Entre as mulheres negras ou pardas, 74% relataram não ter planejado a gestação, contra 57% entre as brancas. Entre as solteiras, o índice é ainda mais elevado: 85% disseram não ter planejado a gravidez.

“Estamos falando de quase sete em cada dez mulheres sem acesso adequado aos recursos para decidir quando e quantos filhos terão. Em um estado com o nível de desenvolvimento de São Paulo, isso mostra que as desigualdades sociais ainda são profundas”, alerta o pesquisador da Unicamp.

O ginecologista e obstetra Romulo Negrini, coordenador médico materno-infantil do Hospital Israelita Albert Einstein, também vê o cenário com preocupação. “O número chama atenção. Isso mostra que o problema vai além do acesso a serviços — envolve barreiras culturais, sociais e institucionais que ainda não foram superadas.”

Outro dado importante do estudo é a relação entre estado civil e planejamento reprodutivo. Estar legalmente casada reduz o risco de gravidez não planejada. “Relacionamentos estáveis costumam oferecer maior sensação de segurança. Em contextos patriarcais, onde o cuidado doméstico recai quase sempre sobre as mulheres, a maternidade solitária é uma possibilidade concreta para quem não tem um parceiro fixo”, pontua Gallardo-Alvarado.

Falta de acesso e barreiras culturais

Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) ofereça métodos anticoncepcionais gratuitos, o acesso a opções de longa duração, como o DIU hormonal e o implante subdérmico, ainda é limitado. “Falta estoque nos postos, há demora nos agendamentos e os métodos mais eficazes nem sempre estão disponíveis no sistema público”, afirma Negrini.

Além das limitações estruturais, há também obstáculos culturais. “Existe muito tabu em torno do uso de anticoncepcionais, especialmente entre adolescentes e mulheres solteiras. E, infelizmente, a responsabilidade pela contracepção ainda recai quase exclusivamente sobre as mulheres”, completa o especialista.

Impactos para a saúde e a economia

As consequências das gestações não planejadas são amplas. Estão associadas a menor adesão ao pré-natal, maior risco de parto prematuro, menor probabilidade de amamentação e maiores chances de complicações tanto para a mãe quanto para o bebê.

Do ponto de vista emocional, a maternidade não desejada pode causar sofrimento psíquico, abandono dos estudos, dificuldades no mercado de trabalho e sobrecarga familiar. “Quando a gravidez não é planejada, há maior risco de depressão pós-parto e dificuldades na construção do vínculo com o bebê”, explica Negrini.

O impacto também é sentido no orçamento familiar e nos cofres públicos. Um estudo publicado em 2014 no International Journal of Women’s Health estimou que o custo por gestação não planejada para o SUS é de R$ 2.293, o que representa um gasto anual de mais de R$ 4 bilhões.

Educação e políticas públicas como solução

Diante desse cenário, os pesquisadores defendem medidas integradas entre os setores público e privado, com foco em ampliar o acesso à educação formal e aos métodos contraceptivos modernos, especialmente para mulheres negras e de baixa renda. “Melhorar o nível educacional é uma forma de melhorar a saúde da população, porque amplia o acesso à informação e fortalece a autonomia”, destaca Gallardo-Alvarado.

Para Romulo Negrini, o estudo reforça a urgência de investir em políticas públicas, em educação sexual nas escolas e em ações que promovam equidade em saúde, com atenção especial às populações mais vulneráveis. “Promover equidade em saúde começa por entender essas desigualdades”, conclui.

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