
O mundo corporativo atual não opera mais sob ciclos previsíveis. A instabilidade não é uma exceção, mas a regra. Resiliência, nesse contexto, não é um diferencial; é uma competência estrutural para quem lidera. Não estou falando de uma abstração motivacional, mas de uma capacidade operacional e estratégica, baseada em dados, sistemas e decisões objetivamente difíceis.
Andrew Zolli, coautor de Resilience: Why Things Bounce Back, define resiliência como a capacidade não apenas de resistir a choques, mas de se adaptar e evoluir depois deles. Não é intuição; é arquitetura organizacional. Estruturas resilientes são desenhadas para funcionar sob estresse, manter a entrega ao cliente e proteger o core do negócio — mesmo quando o contexto externo colapsa.
Um estudo recente da McKinsey mostra que 84% dos executivos se consideram despreparados para enfrentar disrupções. Não surpreende. O acúmulo de choques — sanitários, tecnológicos, ambientais, geopolíticos — revelou o que o historiador Adam Tooze chamou de polycrisis: múltiplas crises simultâneas e interdependentes, impossíveis de tratar com o pensamento linear tradicional.
Aqui entra o papel do CEO — ou, talvez, do Chief Resilience Officer. A liderança deixou de ser sobre “prever e planejar” e passou a ser sobre “preparar e ajustar”. O trabalho não é evitar a crise, mas absorver o impacto, manter a experiência do cliente íntegra e reposicionar a empresa rapidamente, sem sacrificar a visão de produto ou a consistência dos dados.
Nassim Nicholas Taleb, em Antifragile, propõe que sistemas verdadeiramente resilientes não apenas resistem a choques, mas melhoram com eles. Isso é particularmente verdadeiro no contexto de produto e tecnologia: cada falha, cada ruptura no mercado, é um dataset adicional que pode — e deve — retroalimentar o desenvolvimento do produto e a experiência do cliente.
Resiliência organizacional, portanto, não é só sobre finanças saudáveis. É sobre criar sistemas capazes de operar sob pressão, adaptar processos rapidamente e manter o cliente no centro, mesmo em cenários adversos. Amy Edmondson, de Harvard, destaca a importância de ambientes seguros para a experimentação e o erro — não por benevolência, mas porque inovação real não ocorre sem risco controlado.
Infelizmente, ainda há quem veja resiliência como uma resposta emergencial, acionada apenas quando a crise já está instaurada. Esse é um erro clássico. Como demonstram Kathleen Sutcliffe e Karl Weick, resiliência é construída sistemicamente: com redundâncias inteligentes, processos flexíveis e cultura organizacional orientada à adaptabilidade.
O contexto das empresas familiares adiciona camadas específicas a esse desafio. O vínculo emocional com o legado pode paralisar decisões estratégicas. Já em empresas recém-fundadas, a proximidade pessoal com o produto pode criar resistência à mudança ou à delegação. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: perda de agilidade e exposição a riscos sistêmicos.
Não se trata aqui de romantizar a crise. Trata-se de reconhecer, de forma pragmática, que a capacidade de transformar a crise em input estratégico é o verdadeiro diferencial competitivo. Como escreve Jim Collins em Great by Choice, “empresas que prosperam sob incerteza não tentam prever o futuro; elas se preparam para ele.”
Resiliência não é uma palavra bonita para o discurso corporativo. É o fundamento operacional de empresas que entendem que, num mundo onde a volatilidade é padrão, o foco precisa estar em sistemas adaptáveis, produtos que evoluem rapidamente, decisões baseadas em dados e, sobretudo, a experiência do cliente protegida — sempre.
*Fernando Nery é CEO da Portão 3 (P3), plataforma de gestão de pagamentos usada por mais de 3.000 empresas na América Latina. Desde 2022, a empresa utiliza inteligência artificial para automação de processos financeiros e gestão de risco.
O post Quando ser CEO é ser ‘Chief Resilience Officer’ apareceu primeiro em BPMoney.