O mundo absurdo de Albert Camus

Por Otávio Luiz Kajevski Junior

Quando você pensa na palavra “absurdo”, vem algo bom ou ruim à sua mente? Para mim, vem um “depende”. Se você trabalha com algum tipo de atendimento ao público, por exemplo, e lhe fazem uma pergunta ou uma solicitação que não faz sentido, que foge totalmente ao protocolo, isso é ruim. Se, por outro lado, você está vendo uma peça de humor, e acontece algo que você não esperava, causando uma completa inversão de expectativa, que é o que leva ao riso, isso pode ser bom.

Na verdade, o conceito de absurdo é mais ou menos neutro, ele serve para diferenciar discursos. Os discursos que fazem sentido, ligam um sujeito a um predicado, contam histórias e fazem recomendações, estes têm sua utilidade. Os discursos que não fazem sentido devem ou ser descartados, ou ser interpretados. Uma mensagem de celular com letras e números aleatórios terá a lixeira como o melhor destino. Um quadro, um poema ou conto de literatura fantástica podem não ser assimilados de imediato, mas podem receber uma apreciação estética ou até uma ressignificação.

Mas por que estamos falando do absurdo? É que um autor franco-argelino do século XX, chamado Albert Camus, pensou bastante sobre este conceito, provavelmente à luz dos acontecimentos de seu tempo e dos sentimentos que os acompanhavam. Camus escreveu um ensaio sobre o absurdo, com o título “O mito de Sísifo”. O “Ensaio” é um tipo de texto que não tem a pretensão de provar ou esgotar um assunto, mas tem o objetivo de apresentar ideias a respeito.

Sísifo, diz a lenda grega, quis pregar umas peças nos deuses de seu tempo, e o chefão do Olimpo, Zeus, resolveu aplicar a ele um castigo. Este castigo era carregar uma pedra bastante pesada por um morro acima, uma tarefa que exige bastante esforço e heroísmo. Até aí, tudo bem, parece um castigo físico normal. Mas quando ele chegasse no topo, a pedra rolaria novamente para o vale, e ele teria que voltar e carregá-la novamente até o topo. Quantas vezes? Infinitas vezes. Dá pra entender por que a escolha desse mito pro título do Ensaio em questão? É porque o negócio não faz sentido! E quem é Sísifo? Eu, você, e toda pessoa que se encontra lutando pelos seus objetivos na vida. Tem aqueles que parece que desistiram de tudo, né? Estes estão vendo a pedra rolar…

Pessimista ou realista? A resposta diz mais sobre você do que sobre o tema do ensaio de Camus. A geração deste autor presenciou uma fase bastante deprimente da humanidade: os regimes totalitários, a segunda guerra mundial, o massacre do homem pelo homem, enfim, o pós-guerra. Quantas vezes não pensamos: um dia fulano aprende, um dia a gente se acerta, um dia o mundo se ajeita, como se a tendência das coisas e do mundo fosse melhorar? No entanto, quando o ser humano já tinha vasta experiência e muito conhecimento, mostrou que mesmo assim poderia piorar e ser monstruoso. Isso para não falar das contingências da natureza: um meteoro, um terremoto, um raio, e várias vidas, cheias de projetos e sonhos, se apagam e se destroem. Difícil dizer se, quem olha para tudo isso e diz que o mundo é absurdo, está sendo pessimista ou realista, não acha?

E será que há diferença entre o sentimento de absurdo, tão presente na obra de Camus, e as formas patológicas de depressão, tão endêmicas no nosso tempo? Bom, sempre existiu. Podemos pensar que, na depressão, Sísifo larga a pedra e fica recolhido a uma cama, mas o castigo de Zeus, ao contrário da depressão, não pode ser tratado com Prozac e suas variantes. Mesmo medicado, Sísifo não terá outra escolha que voltar para sua querida pedra e carregá-la até o topo. Ele olhará a pedra rolando, às vezes depressivo, às vezes já se programando para recomeçar a subida, outras vezes comentando com com outros Sísifos sobre os desafios da escalada. A depressão passa, mas o sentimento do absurdo permanece. É claro que as duas coisas podem estar presentes, inclusive talvez na vida do nosso autor, mas há uma diferença conceitual entre as duas coisas que não deve ser menosprezada.

O leitor que chegou até aqui, curioso ou contrariado, tem todo direito de perguntar: “ok, mas então eu faço o quê? Sento e choro? Arranco os cabelos?”. Em outras palavras, o leitor está na mesma página que Camus quando passa a indagar qual a solução para lidar com o absurdo. Há solução? E se há, uma só? Camus nos dá exemplos de reações comuns ao absurdo, que quem quiser saber poderá encontrar no Ensaio, mas o fato é que ele não concordava que estas reações eram muito boas. A solução que ele propõe, em algum momento, é a revolta. Não, não é pra sair quebrando tudo, pelo menos não necessariamente.

A revolta é encarar o absurdo da existência sem medo, com todas as consequências, encará-lo “com as feridas abertas”, viver obstinadamente, agarrar-se à vida, mais ou menos como diz Fernando Pessoa em um poema: “Vou existir. E-xis-tir, e—xis—tir”. E aí você tá lá de boa lendo o ensaio do Camus, e o cara manda: “o que importa é quantidade, não qualidade”. Não lembro se quando li essa parte, eu já usava óculos, mas se usava, devo tê-lo tirado e limpado para ler de novo. Como assim? Po** Eu ouvi a vida inteira que a gente tem que pensar na qualidade – o sono, o tempo, os amigos, os textos que você lê, aqueles que você escreve… a po** toda, é sempre a tal da qualidade, todo mundo só fala que o importante é a qualidade. “Mano, será que é erro de edição? Será que traduziram errado? Como que passa uma coisa dessa?” Mas aí você continua e vê que é isso mesmo. Mas não, Camus não era um consumista, uma espécie de colecionador compulsivo, ou estava tentando entrar pro livro do Guinness com uma quantidade enorme de uma coisa qualquer. O que ele defendia era a quantidade de sensações, que é o que nos faz sentir vivos, e é claro que se essas sensações forem boas, melhor ainda.

Mas no fundo o que importa é viver até o fim, e não dizer, tipo: “nada dá certo, eu desisto”. Pensa que você tem que bater dez pênaltis. Seu treinador vai querer que você acerte todos, talvez seus parentes que você acerte pelo menos um, outros ficarão felizes se você acertar mais de 50%. Camus provavelmente diria: f**a-se, o importante é você bater os dez pênaltis. Errou todos? Não importa: é melhor que bater só oito e acertar seis; você chutou mais, viveu mais, frustrou-se mais, chorou mais, mas tudo isso é válido.

Uma frase que me marcou da obra do Camus é quando ele fala que, se a revolta for bem conduzida, ou algo assim, poderemos então “comer o pão do absurdo e beber o vinho da indiferença”. Contei isso a um amigo certa vez que não pareceu muito convencido com o argumento, mas disse “pelo menos é poético”. Realmente, como argumento filosófico, a proposta de Camus talvez não tenha tantos adeptos. Ele não é dos mais bem-vindos em círculos filosóficos. Sartre foi amigo dele, e em algumas oportunidades aproveitava para cutucá-lo, disse que Camus leu Heidegger – Martin Heidegger, para quem o homem é “um ser para a morte”, e portanto a morte é o que dá sentido à vida – e não entendeu direito. O que, diga-se de passagem, é compreensível, pois Heidegger escrevia mal mesmo.

A relação de Camus com a literatura, por outro lado, sempre pareceu mais forte. Além de ganhar o Nobel – o que não quer dizer muita coisa, pois não existe Nobel de filosofia -, sua obra “O Estrangeiro” está entre as mais lidas do século XX, e é causa de polêmicas. “A Queda” retrata um homem que passa por uma ponte enquanto escuta uma pessoa se atirar no rio, e segue andando… “A peste” dá conta de uma situação que vivemos recentemente, uma pandemia, e como ela impacta a vida das pessoas. A literatura tem a vantagem de não apresentar soluções, mas apenas relatos de tramas que cada leitor pode assimilar como bem entender.

Mesmo assim, Camus recorreu à argumentação diversas vezes, utilizando a razão para entender o absurdo existencial. Sua descrição do sentimento do absurdo é particularmente interessante. Imagina que você está numa cidade movimentada, com carros passando e buzinando e tal, pessoas passam falando e gesticulando, e então você se detém a alguns metros de uma cabine telefônica de vidro. Você começa a ver a pessoa lá dentro fazendo gestos e mexendo a boca, fazendo caretas, batendo na lateral da cabine, mas você não escuta som algum, você não faz ideia do que irrita aquela pessoa, se a pessoa do outro lado está tão preocupada quanto ela, se o assunto é importante ou não, e você se pergunta “por que essa pessoa vive?”. Esse distanciamento do que se observa, por mais que se sirva de recursos literários de narração e descrição, não é justamente o que falta às vezes para uma atitude ser considerada filosófica? Isto é, a capacidade de parar tudo, colocar-se de fora do turbilhão de acontecimentos do dia a dia, e permitir-se perguntar algo? Como quem olha pela primeira vez? Mesmo que depois você volte para todo esse turbilhão, como bom Sísifo que é, cioso de sua pedra…

Autor: Otávio Luiz Kajevski Junior
E-mail: [email protected]

Convite Especial: Café Filosófico

Reflexões para Pais e Filhos

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Por que participar?
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Data e local: Zeppelin

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Venha viver essa experiência enriquecedora conosco! Sua presença fará toda a diferença.
Esperamos você e sua família!

Ingressos para o V Café Filosófico:

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Obs. Caro leitor, o objetivo aqui é estimular a sua reflexão filosófica, nada mais! mais nada!

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