

A esteatose hepática, popularmente conhecida como “fígado gordo” ou gordura no fígado, é uma condição cada vez mais comum. Para se ter uma ideia, a incidência global cresceu mais de 50% nas últimas três décadas, saltando de 25,26% nos anos 1990 para 38% atualmente. Na América Latina, a situação é ainda mais alarmante, afetando 44% da população adulta.
“Essa epidemia está intimamente relacionada a mudanças no estilo de vida”, diz a hepatologista Lilian Curvelo, do Hospital Israelita Albert Einstein. “Ela não é uma condição leve, mas sim uma doença sistêmica que requer atenção médica.”
A patologia é caracterizada pelo acúmulo anormal de lipídios nas células hepáticas. Esse depósito de gordura é uma das principais causas de doença hepática crônica no mundo, pois pode evoluir para complicações graves, como inflamação hepática, cirrose e até câncer. Atualmente, é a segunda causa de indicação de transplantes de fígado.
Ainda assim, muita gente nem suspeita da condição, pois a doença não costuma dar sintomas. “Normalmente, o diagnóstico acaba sendo um achado, não é feito a partir de uma queixa”, relata o cirurgião do aparelho digestivo e de transplante de fígado Jefferson Alves, coordenador do grupo médico assistencial de doenças do fígado do Einstein.
Para aumentar a conscientização sobre a doença e seu impacto, tanto para a população em geral quanto entre os próprios médicos, a organização sem fins lucrativos Global LiverInstitute, sediada nos Estados Unidos, criou em 2018 o Global FattyLiver Day (Dia Mundial do Fígado Gorduroso), celebrado no dia 12 de junho.
Desde 2023, o nome oficial para o acúmulo de gordura no fígado é doença hepática esteatótica associada a disfunção metabólica (MASLD, na sigla em inglês), pois ela traz embutido um conjunto de alterações metabólicas, como obesidade, hipertensão arterial, altas taxas de glicemia e triglicérides, além de baixo colesterol HDL.
Até então, essa condição era conhecida como doença hepática gordurosa não alcoólica. Quando evolui para uma inflamação do fígado (chamada antigamente de NASH, da sigla em inglês para esteatohepatite não alcoólica), passa a ser denominada MASH (esteatohepatite associada a disfunção metabólica, em inglês).
O dano ao fígado é progressivo: fatores como alimentação inadequada, com alto consumo de ultraprocessados e frutose (muito presente em bebidas industrializadas com alto teor de açúcar), excesso de peso e alterações metabólicas, além de predisposições genéticas, favorecem o acúmulo de gordura no órgão.
Entre 12% e 40% desses casos podem evoluir para uma inflamação (a chamada MASH). Trata-se de uma hepatite crônica decorrente do acúmulo de gordura. Desses, entre 15% e 25% podem progredir para cirrose, condição em que há formação de cicatrizes no órgão que afetam sua função, podendo levar a falência e necessidade de transplante.
“Mesmo com as agressões, o fígado consegue se regenerar, mas vai criando cicatrizes. Chega um ponto em que as cicatrizes extrapolam a quantidade de um fígado saudável”, explica Alves. “Atualmente, os casos de transplante por hepatite C vêm caindo, ao passo que aqueles ligados à gordura no fígado estão aumentando. E esses transplantes são potencialmente evitáveis.”
Fatores de risco
Obesidade e diabetes tipo 2 são os principais fatores de risco para a esteatose, tanto que mais de 70% dos pacientes com gordura no fígado têm obesidade e 75% apresentam diabetes tipo 2.
Outros pontos de atenção são hipertensão, altas taxas de glicemia e triglicérides, predisposição genética e consumo excessivo de álcool. “Por isso, adotar um estilo de vida saudável e manter as doenças crônicas sob controle ajudam na prevenção da doença”, diz Lilian Curvelo.
Ao contrário do que se pode pensar, pessoas magras e jovens, inclusive crianças, também podem ter gordura no fígado. Estima-se que o quadro afete entre 7% e 14% das crianças e dos adolescentes. Tudo depende da composição corporal e da genética.
A grande maioria dos casos é assintomática ou apresenta sintomas inespecíficos, como dor no abdômen e cansaço. Por isso, a doença costuma passar despercebida. O médico pode suspeitar do quadro a partir da presença dos fatores de risco e sinais clínicos, como fígado aumentado. Também podem aparecer alterações nas enzimas hepáticas em exames laboratoriais.
Mas o diagnóstico é realizado por exames de imagem, como ultrassom e ressonância magnética. “O diagnóstico precoce é essencial para reverter a doença e evitar que ela se agrave”, diz a hepatologista do Einstein.
É possível tratar?
O tratamento depende do estágio, mas a mudança no estilo de vida é essencial. O acúmulo de gordura e a inflamação podem ser revertidos com perda de peso, adoção de uma dieta saudável, pouca ingestão de álcool, atividade física e controle de doenças como hipertensão e diabetes.
As medicações semaglutida e tizerpatida, aprovadas para tratardiabetes tipo 2,têm demonstrado eficácia no tratamento dessa condição. Já adrogaresmetirom, desenvolvida pela Madrigal Pharmaceuticals, dos Estados Unidos, foi aprovada em março de 2024 pela Food andDrugAdministration (FDA), agência que regulamenta fármacos e alimentos nos EUA, para tratar adultos com esteatohepatite associada a disfunção metabólica sem cirrose, com cicatrização hepática (fibrose) moderada a avançada, em conjunto com medidas de dieta e exercícios.
A medicação ainda não foi autorizada no Brasil. Segundo Lilian Curvelo, também há novos fármacos ainda em desenvolvimento. “O futuro é promissor”, afirma.
Vale frisar, contudo, que quando já existem cicatrizes — a cirrose hepática — não é possível regenerar o órgão. “Nesses casos, o objetivo é manter a doença sob controle e evitar sua progressão, que pode culminar na necessidade de um transplante de fígado”, pontua o cirurgião do Einstein.
- LEIA MAIS notícias sobre Saúde aqui
O post Você pode ter gordura no fígado e nem saber; entenda os riscos e como se prevenir apareceu primeiro em Tribuna de Minas.