Festival Dia de Rock chega à quarta edição celebrando um gênero em mudança de discurso

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Bandas da cidade dividem o palco com atrações nacionais, em quatro dias de evento totalmente gratuito (Foto: Divulgação)

Pela quarta vez, o Festival Dia de Rock monta seu palco na Praça da Estação, no Centro de Juiz de Fora. Durante quatro dias, de quinta-feira (12) ao domingo (15), o evento recebe 18 shows de bandas e artistas de rock, além de discotecagem. Realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura de Minas Gerais e com o patrocínio da operadora Claro, além de parcerias locais, o festival se consolida na cena da cidade, levando acesso gratuito à cultura aos fãs do gênero musical.

Entre as bandas nacionais escaladas para o festival, estão Black Panthera (MG), Ratos de Porão (SP), The Monic (SP), Matanza Ritual (RJ) e Maurinho e Os Mauditos (MG). Das bandas da cidade, sobem ao palco Valla, Obey!, Kymera, Traste, Libertà, Martiataka e Seu Madruga. Já na Mostra de Bandas, que acontece de sexta (13) a domingo, para a qual os grupos foram selecionados por meio de inscrições prévias e curadoria artística, apresentam-se Pecado Social, Payback, Sagrada Escritura do Gueto, Gaspacho, Tantum e Izi Lima.

Todas as noites e durante os intervalos das apresentações, o DJ Marcelo Castro comanda a discotecagem. Além das atrações, no espaço serão comercializados hambúrgueres, tropeiros, cachorros-quentes, pizzas, cervejas, refrigerantes e drinks. 

De acordo com Daniel Moura, coordenador de comunicação e um dos idealizadores do festival, eles escolheram Juiz de Fora para sediar o evento, primeiramente, pela forte cena musical autoral, mas também pelos laços afetivos com a cidade. Como afirma, o festival já está consolidado e não há intenção de sair daqui.

Rock como lugar de resistência e renovação

“Acho que o rock está mais vivo do que nunca por ser mais democrático”, diz Dani Buarque, guitarrista e vocalista da The Monic — banda de garage rock, punk e grunge composta por quatro mulheres que se apresenta pela primeira vez na cidade no sábado (14), no Festival Dia de Rock. “Estamos animadas para tocar. Vimos o movimento, tem bastante bandas da cena local, que é muito rica. Algumas já conhecíamos pela internet. Então, estar dentro de um festival que preza por apoiar a cultura independente e fomentar a cena é demais.”

Como conta, estar em um palco ao lado de outras mulheres é um ato de resistência política. Quando ela e as demais integrantes da banda não encontraram espaço na cena musical, precisaram criar o próprio. Tocar, cantar, compor músicas e produzir festas – como a Não Tem Banda Com Mina, que celebra o rock autoral feito por mulheres e pela comunidade LGBTQIA – são alguns dos trabalhos que fazem com as próprias mãos há mais de dez anos, formando uma comunidade próxima composta por fãs e por outras bandas com mulheres. “A política não é uma escolha, está no prato que escolhemos comer, na roupa que decidimos vestir e nas nossas escolhas feitas diariamente. Quem não acha isso, só não entendeu ainda. Isso faz parte do que acreditamos e do que cantamos nas letras.”

Para Dani, a frase “o rock não morreu” reflete uma visão saudosista e ilusória de quem curte o gênero musical. Ela vê o mercado musical como um dos responsáveis pela situação. “O mainstream podia estar fazendo muito mais. Porém barra a renovação, por se prender ao passado, ao tradicional, e não se abrir a coisas novas. No rock não vemos artistas consolidados fazendo turnês com bandas novas, não vemos ‘feats’. Como que a gente pode ajudar a cena para não ficar petrificada?”.

Além disso, a vocalista também aponta a evolução dos meios de comunicação e os consequentes impactos no consumo de música como pontos positivos, mas também difíceis de serem adaptados e compreendidos por alguns. “Apesar de sermos reféns do algoritmo, ainda sim um projeto musical consegue atingir muito mais pessoas. Uma pessoa ali no fundo da casa dela pode fazer uma música e colocar na internet. Antes, muita gente só consumia pela rádio, porque não tinha dinheiro para comprar um disco ou ir a shows. Hoje temos mais acesso.”

A The Monic lançou, na última sexta-feira (6), o single “Nocaut”, uma versão em espanhol de uma música do álbum “Cuidado você”, de 2023. Depois do Dia de Rock, se prepara para uma turnê em países da América do Sul. Ainda neste ano, lançou o single “A fragilidade de ser um machão”, ao lado da banda de hardcore Meu Funeral.

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Artistas da cidade falam sobre as mudanças no rock (Foto: Divulgação)

De dentro, a cena local

Uma das bandas da cidade convidadas para tocar na edição deste ano do festival é a Valla, um projeto que estende a militância político-social dos integrantes à música e traz o punk antifascista para a cena. A vocalista, artista e militante Laiane Araújo conta que a banda, que está gravando o primeiro álbum em estúdio, participou da Mostra de Bandas na terceira edição, mas que receber um convite para se apresentar tem um peso ainda maior. “Para nós, que somos independentes e vivemos no underground, podemos romper com as bolhas que tanto presenciamos na nossa cidade. Ser uma das bandas convidadas é importantíssimo, conseguimos ter nosso trabalho reconhecido, onde o underground meio que sobrevive.”

Laiane é uma das organizadoras do Dominikaos, um evento com entrada gratuita voltado à música e às artes independentes, realizado aos domingos com o apoio de “vaquinhas”. A artista estima que desde os quinze anos de idade se envolve com a organização de eventos culturais na cidade, o que a “põe no chão” quanto a importância de movimentar a cena musical. “O festival vem com uma proposta, que para mim, deveria acontecer em todos os espaços, que é o respeito e o profissionalismo enorme a todas as bandas que estão ali”.

Segundo ela, dizer que o rock está morto é uma “intriga da oposição”. Em seus argumentos, evoca o caráter subversivo do gênero musical, ao transmitir rebeldia e indignação. Vai na contramão daqueles que reconhecem como existente somente aquilo que faz grande sucesso. “O rock movimenta casas de shows, bandas, uma molecada muito grande e novas gerações vindo. Reinventa-se sempre, é um grito de rebeldia que fala muito sobre a sua época. Também se mistura com as várias vertentes e a questão política é muito importante. Assim como qualquer outro som subversivo, como o rap e o funk, o rock está muito vivo.”

Essa vitalidade e energia da qual Laiane refere-se quando fala sobre o gênero musical são manifestadas no público da Valla: “Uma molecada, uma meninada bem jovem mesmo, sabe? Isso deixa a gente muito feliz. Saber que elas se sentem acolhidas, representadas e confortáveis”. Entre quem frequenta os shows da banda estão reunidas todas as idades; na roda de “pogo” em frente ao palco se encontram pessoas dos 13 aos 70 anos, como conta a artista.

Na sexta, a banda de punk e hardcore Traste sobe ao palco do Dia de Rock pela terceira vez. No dia anterior, lançam o videoclipe da música “Pietá”, a última parada antes de jogar ao mundo o novo álbum “Rastros, resquícios y otras cositas mas”, pelo selo independente Psywar Records. O vocalista e artista visual Guilherme Melich entende que dividir o mesmo palco com as demais bandas escaladas para esta edição e apresentar seu som para um público tão vasto é uma grande responsabilidade.

Para Guilherme, o rock pode ser uma fase para alguns, que morre quando chega a vida adulta. “Para quem foi (trans)formado pela música e a atitude que vem junto do som, as palavras de Neil Young seguem ressoando: ‘Meu rock ‘n’ roll nunca irá morrer’”, cita o artista.

Ele reconhece haver pessoas reacionárias no meio do rock, mas essa ala não deve ser vista como a dominante. “Acredito que é preciso aprender também com os erros do passado… O lema era “sexo, drogas e rock and roll”, certo? Mas para curtir rock de verdade ninguém precisa virar um junkie e ficar correndo atrás de tietes. O principal é a música e seu poder de transformação”, diz. Do outro lado, como aponta, existe uma nova geração chegando com mais consciência em relação à luta contra o racismo, a homofobia e o sexismo.

“Acredito que o rock não morreu, tanto é que eu estou aqui fazendo isso há alguns anos”, afirma João Reis, vocalista e compositor da Libertà, que se apresenta no Dia de Rock pela segunda vez. Aproveitando a proximidade do show, a banda lançou, na última sexta-feira (6), o primeiro álbum, intitulado “Foge à regra”. Para ele, o gênero musical está vivo no underground, onde inicialmente começou, com pessoas que estão sempre fazendo o “corre” e “botando” as atitudes para jogo.

“O festival representa toda a grandeza que tem a música na cidade, levando para a praça, para todos, o som autoral de bandas de rock que estão fazendo o seu ‘corre’ para poder chegar a algum lugar”, diz. Depois dessa apresentação e do lançamento do disco, a Libertà toca, em julho, na primeira edição do Ibitipoca Moto Rock, e em agosto, no Maquinaria.

No domingo (15), a Martiataka, que participou de todas as edições do Festival Dia de Rock, sobe aos palcos mais uma vez. A banda que já lançou seis álbuns, um deles gravado ao vivo, agora vem trocando ideias para novas composições por mensagens, já que seus integrantes estão espalhados por diferentes cidades do país. Para Wendell Guiducci, vocalista e compositor da banda, a realização do Dia de Rock em Juiz de Fora é um reconhecimento coletivo da tradição do rock autoral na cidade e uma forma de democratizar o acesso ao gênero musical às pessoas em praça pública.

“A gente anda na rua e vê os garotos andando com camisas do AC/DC, carregando suas guitarras, cabeludos com camisa dos Ramones, então, o rock não morreu”, cita Wendell. O compositor defende que houve um recrudescimento do rock, uma transformação que recupera o lado “cru” do gênero, que retoma toda a sua intensidade, vitalidade e pulsão. “O fato de o rock não estar no mainstream não quer dizer que tenha morrido, ele está sobrevivendo, num formato pré-década de 60. Voltou, talvez, para o subterrâneo, de certa forma, aos lugares menores, para públicos menores também, mas está existindo.”

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