Os diagonais

diagonais

Já deve ter ocorrido a você, caminhante leitor, de ter de atravessar a faixa de pedestres, quem sabe ali na Avenida Barão do Rio Branco, altura da Rua São João ou da Rua Halfeld, em horário de grande movimento. Ou seja, praticamente o dia todo. E, nesse deslocamento, ter de desviar de pessoas que caminham em sua direção, ainda que você se mantenha em uma trajetória extremamente retilínea, do ponto A ao ponto B, sem mudança de direção. E não porque o andarilho que vem de acolá esteja exatamente no mesmo rumo que você, no sentido contrário, mas porque ele decidiu fazer a travessia da faixa na diagonal.

Notem que as faixas de pedestre, em geral, ligam dois pontos de forma perpendicular a ambos, formando, assim, um ângulo de 90 graus com a calçada de cá e com a calçada de lá. Claro, existem faixas diagonais também, a depender do desenho urbano. Mas quando a faixa é reta, ela sugere tacitamente que todos que a atravessam o façam também de forma reta, de modo que ninguém trombe com ninguém. Mas há, sempre houve e sempre haverá, os diagonais, seja por essência ou necessidade. Você mesmo já pode ter sido um deles, retilíneo leitor, ainda que prefira a segurança e opte pela racional transposição direta e reta, pois ela o permite percorrer o trajeto em menos passos.

Em algum momento, estou certo, você optou pela linha oblíqua em vez da linha reta. E quando o fez, teve de se desdobrar para não dar cotovelada em advogado de terno e maleta saindo do Edifício Clube Juiz de Fora, para não peitar agente imobiliário de gel no cabelo indo ao cartório do Maninho Faria, para não derrubar senhora com saia de bolinha vinda da Drogaria Souza ou mesmo para não dar joelhada em criança birrenta pendurada no braço de mãe assoberbada rumo ao dentista no Solar do Progresso. Ali na Rio Branco ou na Getúlio, na Floriano ou Rei Alberto, você viu ou foi visto como um diagonal. E, convenhamos, não é algo de que se deva envergonhar, pois é natural e usual. Confere um certo caos humano à tentativa de organização cartesiana dos engenheiros de tráfego. Um pouco de improviso. De jazz. É muito melhor, por exemplo, que motoqueiro costurando carros na Rua São Mateus ou Frontier piscando farol na bunda de Celtinhas e Palios na subida da Garganta do Dilermando.

São muitos os motivos que nos fazem, mesmo os de caráter mais rigoroso e inflexível, no dia a dia, partir para a travessia diagonal ou mesmo errática, evitando um e outro transeunte na anárquica coreografia do dia a dia. É a pressa do estafeta para pegar o banco aberto (porque, não se enganem, dinheiro vivo ainda há aos borbotões, em depósitos parciais de montinho em montinho em contas diversas). A hipnose de um adolescente imerso nos olhos de uma deusa juvenil que vem esvoaçando de lá em panos pretos e prateados. A aflição do velho que não sabe se sua bengala o levará vivo até o lado de lá. Todos eles estão autorizados, como eu e você, à oblíqua e dissimulada travessia.

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