
A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) tem o dever legal de recolher e acolher cães das raças pitbull, rottweiler e doberman em situação de rua ou abandono. A diretriz foi reafirmada em ações e recomendações do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e decisões judiciais sobre a responsabilidade do Município em adotar políticas públicas voltadas ao manejo adequado desses animais.
Apesar disso, ONGs e protetores locais afirmam que a Secretaria de Bem-Estar Animal (Sebeal) não garante atendimento sistemático, o que faz com que os cães de grande porte fiquem à mercê de abrigos sobrecarregados e sem apoio público. A Prefeitura nega.
Para entender os desafios da dinâmica de recolhimento desses animais, a Tribuna de Minas conversou com o MPMG, a PJF, o Corpo de Bombeiros e ONGs.
Histórico: MPMG reforça responsabilidade do Município

Desde maio de 2023, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) destaca a necessidade de que a PJF assuma, efetivamente, o resgate e acolhimento de cães em situação de risco, incluindo aqueles das raças pitbull, rottweiler e doberman, consideradas de médio e grande porte. Naquela ocasião, o órgão expediu uma recomendação formal, alertando para o crescimento de ocorrências de abandono e acidentes envolvendo esses animais.
Sem resposta satisfatória aos termos da recomendação, o MPMG avançou para a via judicial, ajuizando, em agosto de 2023, uma ação civil pública requerendo que Estado e Município estabeleçam protocolos para captura e abrigamento desses cães em Juiz de Fora.
Em janeiro deste ano, o Poder Judiciário concedeu liminar que obriga a PJF a se responsabilizar por cães dessas raças que agredirem alguém e forem recolhidos pelo Corpo de Bombeiros, fornecendo atendimento veterinário, quando necessário, e assumindo o cuidado e a destinação dos animais. A decisão também fixou multa diária de R$ 1 mil reais em caso de descumprimento.
Demandado pela Tribuna sobre a monitoração do cumprimento dessas determinações, o MPMG, por meio da 8ª Promotoria de Justiça de Juiz de Fora, respondeu que promoveu, no último dia 22 de maio, uma reunião com representantes do Corpo de Bombeiros Militar, representantes das forças policiais e da guarda municipal, do Canil Municipal e da Sebeal para debater a lotação do canil, a fiscalização preventiva e os critérios para recebimento de animais bravios. “Houve evolução na questão da destinação dos animais bravios apreendidos.”
PJF acolhe, mas Corpo de Bombeiros é quem resgata
De acordo com a Sebeal, o recolhimento desses cães não é realizado diretamente pela Prefeitura, mas pelo Corpo de Bombeiros, que é de responsabilidade do Estado de Minas Gerais. Cabe aos militares fazer o resgate, sendo a responsabilidade do Canil Municipal acolhê-los. No local, estão 51 cães de grande porte abrigados.
A Sebeal destaca que a Lei nº 16.301, de 7 de agosto de 2006, determina que “o Corpo de Bombeiros faz o resgate e o encaminha para o canil, onde é feito o acolhimento dele; caso não seja, a responsabilidade é do tutor”. Já a Lei nº 16.301 estabelece o acolhimento desses cães em duas situações: quando o animal está machucado ou quando ataca alguém.
Ao ser questionada sobre como responde às decisões judiciais que determinam a responsabilidade do Município pelo acolhimento, a resposta foi “cumprindo”. Aos ser perguntada se dispõe de dados sobre casos de abandono, maus-tratos ou ataques envolvendo cães dessas raças no município, afirmou: “não”.
Corpo de Bombeiros afirma que ‘cumpre legislação’
O Corpo de Bombeiros afirma que o resgate está funcionando de acordo com a lei, ou seja, apenas cães que tenham agredido alguém são passíveis de recolhimento. Nesses casos, a equipe vai ao local, realiza uma verificação do cão, do nível de agressividade e faz a captura do animal que é levado ao Canil Municipal. No entanto, o recebimento desses animais pelo órgão da Prefeitura é uma prática recente.
Caso o animal não apresente agressividade ou não tenha atacado ninguém, o Corpo de Bombeiros realiza o resgate apenas se o cão tiver algum lugar para ser levado, como ONGs ou clínicas veterinárias.
A corporação reforça que o dono de um cão dessas raças que atacar alguém será responsabilizado, sujeito ao pagamento de multa de 1.000 (mil) Ufemgs, valor que ultrapassa os R$ 5.530, o que também está amparado na Lei nº 16.301. O texto proíbe a procriação e a entrada de cães da raça pitbull no estado e obriga que o tutor registre o animal com mais de 120 dias.
ONGS relatam descaso do Poder Público
A ONG de Maria Elisa, SJPA, que funciona há 39 anos na cidade, sobrevivendo apenas de doações, é responsável por abrigar 33 pitbulls. Para ela, o número exemplifica o vazio deixado pela ação do Município.
São vários os cães que chegam ao local por terem sido abandonados. Ela cita o exemplo de um pitbull que foi carinhosamente apelidado de “Sr. Madruga”, deixado amarrado na porta da casa da protetora.
“Ele ficou amarrado na minha porta das 3h às 15h, chorando e latindo, até meu filho voltar. A Prefeitura recusa, as clínicas recusam, porque não têm obrigatoriedade. O cachorro ficou até as 15h, quando conseguimos acolhê-lo.”
Outro animal do abrigo passou por situação semelhante: foi abandonado amarrado na igreja do Bairro de Lourdes, sem proteção contra a chuva e sem recolhimento. “Colocaram um pitbull amarrado na grade da igreja e eu me recusei a pegar, não tinha como, eu teria que manejar o abrigo para fazer uma baia especial.” Segundo ela, o contato com o Corpo de Bombeiros foi realizado, ocasião na qual foi informada a agressividade do cão. Sem saída, ela explicou que, naquele dia, um temporal se armou na cidade, foi quando entrou em desespero. “Ele vai morrer debaixo da chuva, porque ele não estava em local protegido. Consegui conversar com o veterinário, que deixou uma baia grande para poder receber. Aí, autorizei, pedi de novo ao Corpo de Bombeiros, eles conseguiram levar o cão para essa clínica. Ele foi castrado no dia seguinte e subiu para o abrigo, também levado pelos bombeiros.”
Exigências específicas
Elisa explica que esses cães exigem baias de tamanho regular. “Pitbulls ou mestiços são individualistas, precisam de baia de tamanho regular ou ficam mais estressados. Muitos são mansos, mas outros são bravos pelas situações que passaram; manejo e limpeza da baía são trabalhos difíceis, com pouca equipe e cerca de 500 animais no total, fica cada vez mais complicado.”
Manter 33 cães em condições mínimas implica em alto custo de ração, já que esses cães consomem grande quantidade de alimento para evitar que a fome agrave sua agressividade. Segundo a protetora, o custo é elevado: “aumentou o custo da ração absurdamente, porque eles comem muito, e você tem que mantê-los muito bem alimentados, para evitar que eles fiquem ainda mais estressados.”
Frustração
Sempre que um cão dessas raças é abandonado na porta de sua casa ou do abrigo, Elisa liga imediatamente para a Sebeal e para o Corpo de Bombeiros, mas afirma que, raramente, consegue recolhimento oficial. “Ligamos para a Prefeitura toda vez que um pitbull é abandonado na porta. Nunca foram recolhidos — nem o Sr. Madruga, nem os outros. Corpo de Bombeiros só pega se tiver local para colocar, mas a Prefeitura não oferece.”
Essa situação também já foi vivenciada diversas vezes pela protetora Miriam Neder de Assis Falce, presidente da Associação Amor não tem raça JF, que atua no ramo há mais de 30 anos. Segundo ela, sempre que demandada para o resgate desses cães, a PJF informa que não possui local para abrigá-los e orienta as pessoas a ligarem para o Corpo de Bombeiros que, por sua vez, também não tem local para receber cães.
Ela relata que não são raros os casos de abandono de animais dessas raças. “Quando posso, ofereço ajuda ou busco o animal. Todos que estão nas ruas são por omissão, não apenas da PJF, mas de toda uma sociedade que ainda trata animal como objeto.”
Miriam também reafirma a importância de ONGs para a proteção de cães e gatos abandonados. “ONGs e protetores auxiliam muito a prefeitura. Imagine se todos os animais que estão conosco estivessem nas ruas ou no canil?”, questiona. “Nosso trabalho é voluntário. Trabalhamos muito para conseguir recursos e, sempre, estamos sobrecarregados financeiramente, principalmente, por não termos acesso à castração gratuita quando precisamos”, explica a protetora, complementando sobre o impacto na saúde mental de quem tenta ajudar, “o fato de não conseguirmos ajudar todos que nos procuram nos causa, também, uma sobrecarga emocional. Não é fácil manter a saúde mental.”
Para ela, os animais são os mais prejudicados. “Esses cães são enxotados, espancados, apedrejados, morrem de fome presos em correntes… Os casos de mordeduras também estão aumentando. É um caso de saúde pública. É preciso cuidar das pessoas e dos animais.”
Ela relembra que o preconceito com essas raças existe por falta de informação, que todos os cães deveriam ter direito à proteção, independentemente do tamanho ou da raça, e reafirmou seu compromisso com os animais ao fazer um apelo ao poder público. “Estamos nessa luta há décadas! Temos experiência, conhecimento e paixão pelo que fazemos. O problema é imenso e ninguém conseguirá resolver sozinho! Vamos unir forças, Poder Público e sociedade civil. Voltem com o Conselho Municipal de Proteção Animal, ocupem as cadeiras com gente interessada. Ninguém aguenta mais ver esses animais em sofrimento.”
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