Agora não pode mais ser ‘bank’?: Proposta do BC vira dor de cabeça para fintechs — e causou confusão até com o Nubank

Foto de Letícia Moschioni, co-fundadora, sócia e mentora da Finscale, ao lado da logotipo do Nubank e do Banco Central do Brasil. Foto que ilustra matéria Agora não pode mais ser ‘bank’ Proposta do BC vira dor de cabeça para fintechs — e causou confusão até com o Nubank
Foto: Letícia Moschioni, co-fundadora, sócia e mentora da Finscale

Nos últimos dias, o mercado de fintechs parou para discutir uma notícia que causou mais dúvidas do que certezas:

“Nubank pode ser obrigado a mudar de nome com nova regra do Banco Central?”

A notícia gerou o que todo bom título polêmico promete: confusão, teoria da conspiração e muitos empreendedores tentando entender o que podem ou não fazer com suas marcas daqui pra frente.

Spoiler: o Nubank não vai ter que mudar de nome — pelo menos por enquanto.

Mas a nova proposta do Banco Central não é pouca coisa. E quem está criando, escalando ou já operando uma fintech precisa entender exatamente o que está em jogo. E rápido.

O que o Banco Central está propondo, afinal?

A Consulta Pública nº 117/2025 propõe que somente instituições autorizadas como bancos pelo Banco Central — com licença bancária plena, como banco múltiplo ou comercial — possam usar os termos “banco” ou “bank” no nome empresarial, domínio de site, aplicativo, produto ou qualquer canal público de comunicação.

A justificativa do BC é legítima: proteger o consumidor e evitar que ele confunda, por exemplo, uma Instituição de Pagamento (IP) ou uma Sociedade de Crédito Direto (SCD) com um banco tradicional, o que poderia gerar interpretações equivocadas sobre segurança, regras e, principalmente, a existência de proteção do FGC (Fundo Garantidor de Créditos).

É uma proposta que parte de um lugar importante: a transparência. E como quem respira esse mercado todos os dias — apoiando empresas que crescem com responsabilidade, mas ainda sem estrutura de banco —, eu entendo e apoio a intenção.

Mas é na forma que a execução tropeça. E aí, o que parecia apenas uma regra de nomenclatura, se transforma numa barreira potencial ao crescimento de boa parte das fintechs brasileiras.

E o Nubank? Vai ter que trocar a placa da porta?

Não. O Nubank é um banco múltiplo autorizado pelo Banco Central desde 2017. Sua razão social é Banco Nu S.A., e ele opera plenamente sob essa licença.

O barulho em torno dele aconteceu por dois motivos:

Primeiro, porque a marca “Nubank” foi criada quando a empresa ainda era uma Instituição de Pagamento. A proposta do BC não deixa claro se marcas criadas antes da obtenção da licença bancária precisarão se justificar ou se adequar retroativamente.

Segundo, porque o Nubank atua fora do Brasil, em países como México e Colômbia, onde ainda não possui licença bancária — mas utiliza a mesma marca globalmente. Isso levantou a dúvida: será que o regulador brasileiro começará a exigir coerência também nesse nível internacional? Parece improvável, mas a incerteza permanece. E fintech nenhuma gosta de incerteza.

Para além do Nubank: quem vai ser impactado de verdade?

Agora vamos ao ponto real: quem pode ser impactado são as fintechs que utilizam o termo “bank” em sua marca, mas não possuem licença bancária própria.

Hoje, é comum que fintechs operem com total regularidade por meio de modelos como IP ou SCD, utilizando estruturas regulatórias mais leves — muitas vezes com licenças viabilizadas por parceiros, através de soluções de Banking as a Service (BaaS).

Isso permitiu que dezenas de produtos financeiros inovadores chegassem ao mercado com agilidade, segurança e responsabilidade. Mas, se a proposta avançar como está, essas fintechs — mesmo atuando de forma legal — não poderão mais usar “bank” no nome, o que exigirá uma reestruturação de marca ou uma migração para licença bancária, que implica custos e exigências elevadas.

E quem já registrou a marca?

A regra afeta tanto quem já está no mercado quanto quem está chegando agora.

Fintechs que já utilizam “bank” no nome, mas ainda não são bancos, poderão ser obrigadas a comprovar que já tinham a licença bancária plena no momento em que começaram a usar a marca.

Se a licença veio depois, mesmo com a operação hoje regularizada, ainda há dúvida sobre como o BC vai tratar esses casos.

Já aquelas que estão em processo de registro de marca, mas não possuem licença bancária, simplesmente não poderão seguir com o processo. O uso do termo “bank” será proibido, independentemente da proposta de valor ou da estratégia de branding adotada.

Isso é um desafio enorme para quem está em fase de MVP, lançamento de app, produção de cartões ou começando a consolidar uma presença no mercado.

O impacto para o ecossistema

Essa proposta não pode ser tratada como detalhe técnico.

Ela toca diretamente no posicionamento de marca de boa parte das fintechs do Brasil — inclusive aquelas que operam com ética, regulação e estrutura profissional. Trocar o nome de uma empresa não é um ajuste cosmético. É mudar domínio, app, contrato, comunicação, canal, SEO, e, principalmente, percepção de marca.

Mais que isso: essa mudança pode desestimular novos empreendedores, que escolhem modelos regulatórios mais leves para validar suas soluções. Modelos como IP e SCD foram criados para permitir inovação com segurança — e isso precisa ser preservado.

O que poderia ser feito de forma mais inteligente?

Transparência não precisa excluir inovação.

O Banco Central poderia, por exemplo, exigir disclaimers claros nos apps e sites, informando o tipo de instituição e os limites operacionais.

Outra alternativa seria criar selos padronizados, como acontece em outros setores, para que o consumidor identifique se está lidando com um banco, uma IP ou uma SCD — sem depender apenas do nome para isso.

A proposta tem méritos. Mas precisa ser calibrada. Porque não é o uso da palavra “bank” que protege o cliente — é a conduta da empresa, sua governança e seu compromisso com a transparência.

O papel da Finscale nesse cenário

Na Finscale, temos acompanhado de perto todos os movimentos regulatórios do mercado financeiro.

Nosso trabalho é apoiar fintechs desde a ideia até a operação, passando por estrutura regulatória, planejamento de produto, construção técnica e estratégia de marca.

Com essa proposta em pauta, temos orientado nossos mentorados a revisar nomes, domínios e branding com foco não apenas no marketing, mas também na segurança jurídica e na sustentabilidade de longo prazo.

A Consulta Pública está aberta até 31 de maio. E esse é o momento ideal para discutir, sugerir ajustes e defender um ambiente que incentive tanto a proteção ao consumidor quanto a inovação de verdade.

No fim, não é sobre o “bank”

Essa discussão não é sobre uma palavra. É sobre o quanto o ambiente regulatório brasileiro estimula — ou inibe — o nascimento de novas soluções financeiras.

A inovação que transformou o sistema financeiro nos últimos anos não veio de quem seguiu o manual. Veio de quem desafiou a lógica.

E se o papel do regulador é proteger, o nosso é construir. Mas precisamos de regras claras, proporcionais e coerentes com o cenário que estamos ajudando a desenvolver.

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