
Mãe é palavra que nasce cedo. Em um 11 de maio marcado pela saudade, três histórias nos revelam as maternidades atravessadas pela perda, pelo cárcere, pela busca por justiça e pela saudade. Mas que, em comum, há o amor. Nívea Goldoni encontra na fé o suporte para seguir, desde a morte do filho Matheus, assassinado ainda adolescente. Viviane Pereira, com seu coração que sempre cabe mais um, construiu sua maternidade no acolhimento. Já Edmar Garcia ressignifica a ausência de sua mãe, Vera Lucia, vítima da Covid-19, ao transformar o afeto que aprendeu dela em gestos diários de paternidade, com um filho que conhecerá quem foi a avó.
A Tribuna dá início, neste domingo (11), a uma série de reportagens em homenagem ao mês das mães. Aos domingos do mês de maio, diferentes histórias serão contadas para celebrar as muitas formas de viver a maternidade em Juiz de Fora. Na primeira matéria da série, o que une os relatos é a saudade — sentimento que atravessa as memórias, os silêncios e as ausências vividas por mães que seguem amando apesar da perda.
Nívea Goldoni: a fé que mantém a mesa posta

É tradição, na família Goldoni, receber café na cama em todas as datas especiais. No aniversário de 42 anos de Nívea, comemorado em 3 de novembro de 2014, a manhã seguiu o ritual. Mas, ao longo do dia, havia um clima de quietude diferente pela casa. “À noite, meus três filhos prepararam uma surpresa para mim, com bolo, salgadinhos e rosas. Os dois mais velhos tinham começado a trabalhar e quiseram organizar tudo por conta própria, junto com minha filha caçula”, da última comemoração com a família completa, lembra Nívea.
Onze dias depois, em uma sexta-feira, 14 de novembro, Matheus Goldoni, filho do meio de Nívea, desapareceu. A angústia tomou conta dos dias seguintes, até que, na noite de segunda-feira, sentiu que precisava compartilhar o que carregava no peito. “Chamei meu marido e disse: ‘O Mateus não vive mais.’ Choramos juntos. E então eu rezei, pedi à Nossa Senhora a graça de encontrar o corpo do meu filho e poder enterrá-lo, porque ela também passou por essa dor e conseguiu sepultar o seu filho. Eu, talvez, não conseguisse. Mesmo sem chuva, era tempo dela. Se chovesse, ele poderia ser levado pela correnteza do rio. Nossa Senhora conheceu essa dor. E, por mais difícil que fosse, eu sabia que teria que enfrentá-la também.” A conversa, de uma mãe para outra, junto com o trabalho das equipes de busca do Corpo de Bombeiros e de um morador da vizinhança, resultou para que, no dia seguinte, o corpo do jovem, 18 anos, fosse encontrado já sem vida nas águas da cachoeira do Vale do Ipê, entre a região central e a Cidade Alta.
“Eu era uma dona de casa comum, dedicada aos filhos, com meu marido trabalhando. De repente, me vi obrigada a lutar para provar que meu filho havia sido assassinado”, relembra Nívea. A rotina da família foi, à época, substituída por idas à delegacia, reuniões com advogados, conversas com promotores – e a tristeza pela perda de Matheus. No caso, julgado em 2019 após quatro dias intensos, dois homens foram condenados por homicídio doloroso. O veredito, no entanto, foi anulado em 2024. Onze anos depois do crime, ele ainda segue sem desfecho. “A gente precisa de um fechamento. Reviver o processo judicial é como rasgar, de novo, a mesma ferida.”
Ser mãe, para Nívea, também é suportar a dor e saber que os outros filhos ainda precisam de colo, de cuidado, de amor, e de continuar vivendo. A maternidade, ela diz, é um aprendizado constante. Hoje, a casa está um pouco mais vazia, ela mora com o marido e a filha mais nova. O filho mais velho se casou e foi morar em outra cidade. Ela acredita que, de alguma forma, Matheus também sempre estará ali. A saudade ainda reverbera no cotidiano da casa, mas, aos poucos, a família encontra novas maneiras de seguir em frente. Um caminho guiado pela fé da mãe em Nossa Senhora, a quem ela se apega e busca refletir em seu lar a presença, a orientação e o carinho, mas também a firmeza. “Minha filha de 25 anos até hoje tem que me contar para onde vai”, brinca Nívea, com o tom de quem, mesmo sendo rígida, cuida com doçura.
“Como mãe que perdeu um filho, posso dizer: a dor não tem nome, mas a saudade tem, se chama Mateus Goldoni”, diz Nívea. “Hoje, eu consigo rezar por quem fez isso com ele, e também pelas famílias dessas pessoas, que não têm culpa pelo crime cometido. Ainda assim, sigo esperando que a justiça dos homens seja feita. A de Deus, eu sei que será.” Ela compartilha que pede a intercessão de Mateus todos os dias. “E para os filhos que ainda estão comigo, tento mostrar que existe vida. Que é possível continuar. Assim como continuam os cafés da manhã em datas especiais na nossa casa, inclusive no Dia das Mães.”
Viviane Pereira: coração de mãe sempre cabe mais um

São cerca de 150 mulheres que vivem a maternidade atrás das grades em Juiz de Fora, conforme apontou o levantamento mais recente do Conselho da Comunidade na Execução Penal (Concexp-JF), divulgado em março deste ano. Entre as mulheres presas no Anexo Feminino Eliane Betti, a maioria das que são mães tem filhos ainda pequenos. Os laços familiares, interrompidos pela rotina carcerária, passam a depender das visitas para se manterem. Viviane Pereira, 50 anos, faz parte de outro grupo: ela é mãe de um homem encarcerado. Mas, segundo ela, para o sistema prisional, não faz diferença em qual lado do muro se está. “Olham para a gente, familiares dos presos, como se fôssemos criminosos também. Se o filho é assim, então você também é”, desabafa.
Viviane não se intimida. Ela acorda cedo, organiza documentos, separa roupa, enfrenta fila e revista, inclusive no Dia das Mães. “Meu filho para mim é tudo, independente do que ele fez, o que ele está fazendo longe de mim, o meu carinho é totalmente fora de cogitação e o que eu puder fazer pra ajudá-lo, eu vou fazer”, aponta a mãe. Para estar mais próxima, Viviane fez o que pôde. Deixou o Bairro São Pedro, na Cidade Alta, onde morava, e se mudou para o Bairro Linhares, na Região Leste de Juiz de Fora, que abriga o Complexo Prisional da Penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires, onde seu filho está detido.
Quando deixa a penitenciária, Viviane volta para a casa onde mora com o filho mais novo e um de seus quatro netos. A residência já foi mais cheia. Mãe solo de cinco filhos – dois deles adotivos – construiu sua vida com trabalho duro e muito afeto. Trabalhou como babá boa parte da vida e depois como faxineira por dez anos, até ser atropelada por um ônibus enquanto voltava do trabalho e ter tido o pé permanentemente afetado. Desde então, ela passou a conviver com limitações deixadas pelo acidente, que ocorreu em 2019 e voltou a ser babá. Até o filho ser preso. Recentemente, ela se aposentou.
Quando era babá, a rotina era quase sempre a mesma: pela manhã os pais deixavam os filhos sob seus cuidados em sua casa e, ao entardecer, voltavam para buscá-los. Até que um dia, não foi assim. A mãe de uma menina de um ano e dois meses deixou ela na casa, saiu e não voltou. Viviane passou então a criar a criança, junto com seus outros três filhos biológicos, ao mesmo tempo em que era babá de outras oito. Tempo depois, a mãe biológica retornou, desta vez, com um bebê de quatro meses no colo que foi entregue para viver junto da irmã. A família de Viviane novamente crescia, fazendo justiça à máxima do coração de uma mãe.
Hoje, mãe de cinco, ela define a maternidade como um amor incondicional. “Para mim, meus filhos são sagrados. O amor de mãe é você poder criar, educar e colocar seus filhos na direção certa. Sem meus filhos, eu não vivo”, conta ela, sobre a existência deles dar sentido para que ela exerça o papel de mãe, que, na sua visão, é o de cuidado. Viviane, por toda sua vida, cuidou.
Vera Lucia Semeão Garcia: um retrato da mãe pelos olhos do filho

Pela manhã, na cozinha, Vera Lucia Semeão Garcia se encostava perto da pia; Edmar, seu filho, sentava-se próximo à porta, perto do cômodo vizinho e, juntos, eles compartilhavam o café enquanto conversas preenchiam as primeiras horas do dia. Apesar de ser caseira, ela era assídua nas missas aos domingos e às segundas, ajudando na organização da celebração. O filho, por sua vez, dedicava-se ao estudo e trabalho. Pelos olhos dele, a mãe, negra retinta, magra, de baixa estatura, doce e com sede constante por aprendizado, tentava, em sua simplicidade, criar seus dois filhos de maneira justa – sempre atenta ao presente e às questões que o cercavam. Comunicativa, Vera sabia ouvir, oferecendo conselhos nos momentos certos.
Vera Lúcia foi uma das mais de 700 mil vítimas fatais da Covid-19 no Brasil durante a pandemia. Em 21 de julho de 2020, Edmar perdeu a mãe, e o mundo perdeu Vera. Além da perda abrupta da mulher, que faria 73 anos no mês seguinte ao do seu falecimento, o filho não pôde velar sua mãe nem enterrá-la de forma tradicional, em razão dos critérios estabelecidos para tentar controlar a disseminação do vírus.
“Ela sempre esteve presente em minha vida como uma pessoa que se abria, mas também me ouvia, aconselhava e apoiava”, conta Edmar, que tinha o costume de acordar mais cedo para preparar o café da mãe. São dos pequenos detalhes até os maiores que ele mais sente falta. O primeiro Dia das Mães sem ela, comemorado no ano seguinte, em 2021, tinha perdido o sentido completo. A mãe sempre fora o grande amor da sua vida, ele diz.
O tempo mostrou que sua mãe ainda faz parte de tudo, mesmo após a morte. “Os anos seguintes já foram de muita saudade e lembranças boas. Com a chegada do Bem, meu filho, e olhando a maternidade de minha esposa, Marília, e de minha irmã, Hellen, foi importante celebrar também a sua maternidade como forma de ressignificar a data.”
O filho, agora pai, elabora o amor da mãe pela própria forma de cuidar de Bem, que conhecerá a avó pela perpetuidade de um amor que ele se torna testemunha. “O nascimento do Bem representou um conforto. Era o momento de olhar para frente e pensar na família que estava construindo. Ele preencheu vazios e ocupou espaços que jamais sonhava que seriam ocupados em minha vida.”
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