
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma tarifa de 100% sobre todos os filmes produzidos fora do país.
De acordo com ele, a ação teria o propósito de proteger a indústria cinematográfica norte-americana, que estaria, em suas palavras, “morrendo muito rápido”. A medida, porém, levanta dúvidas sobre sua eficácia econômica, seu impacto no consumo cultural e os reflexos no mercado global de entretenimento.
Para a economista Neusa Nunes, professora de Economia no curso de Cinema e Audiovisual da ESPM, a decisão gera incertezas e não oferece soluções concretas para os desafios enfrentados pela indústria nacional.
“Quais seriam o objetivo e o efeito dessa decisão?”, questiona. “A medida em si não parece que vai promover o famoso ‘make America great again’, porque piora a condição de consumo das pessoas”.
O que muda na rotina com a tarifa de Trump?
Com a implementação da tarifa, o custo de acesso aos filmes estrangeiros aumenta consideravelmente. Ainda assim, Neusa Nunes argumenta que a medida não terá impacto prático no comportamento de quem consome esse tipo de conteúdo.
“O americano que busca assistir aos filmes estrangeiros vai continuar buscando por essas produções mesmo pagando mais caro”, afirma.
Segundo a professora, há uma distinção clara entre o público consumidor de produções internacionais e o espectador médio.
“Quem assiste a uma produção internacional possui um perfil e uma renda muito específica. Não existe um efeito rebote para as produções internacionais. Não vai ser a tarifa ter o dobro do preço que impediria esse consumo”, explica.
A medida, portanto, tende a afetar mais o acesso da população em geral do que o público já engajado com o cinema internacional.
A indústria cinematográfica internacional pode sentir os reflexos?
Apesar do aumento de preços no mercado americano, Neusa não acredita que a tarifa terá efeito dissuasivo sobre as produções internacionais. Para ela, o mercado global de cinema é robusto o suficiente para suportar a pressão isolada de uma única economia.
“A indústria internacional não depende apenas dos Estados Unidos. Muitas produções seguem financeiramente viáveis mesmo sem esse mercado”, pontua.
No entanto, ela alerta para o simbolismo político da medida. “Esse tipo de tarifa pode enviar um sinal negativo para o mercado. A sensação é de fechamento, de hostilidade comercial, e isso impacta negociações e parcerias futuras”.
Ainda assim, a professora reforça que não se trata de uma ameaça econômica real. “A balança comercial americana em relação à produção cinematográfica é favorável aos Estados Unidos. Não é uma ameaça econômica relevante para eles”, ressalta.
A medida é protecionismo cultural ou resposta a pressões do mercado?
O anúncio da tarifa ocorre em um momento de crescente sucesso internacional de filmes produzidos fora dos Estados Unidos. Títulos como o sul-coreano “Parasita” e o brasileiro “Ainda Estou Aqui” alcançaram projeção global, vencendo prêmios e conquistando público. Para Neusa Nunes, isso pode ter influenciado a tomada de decisão.
“Pode ser uma medida protecionista, principalmente considerando o destaque recente de obras estrangeiras. É como se a administração Trump tentasse proteger a hegemonia cultural dos EUA frente a uma nova fase de valorização de outras narrativas”, avalia.
No entanto, ela questiona a real prioridade da iniciativa. “Sempre fica a sensação de que existem assuntos mais importantes para resolver do que taxar filmes estrangeiros”.
Reflexos econômicos e simbólicos no mercado de audiovisual
Do ponto de vista econômico, Neusa destaca que a decisão de Trump pode piorar o acesso da população a bens culturais diversos. “Essa medida afeta o bem-estar cultural do público. Dificulta o acesso a produções que fogem do eixo hollywoodiano, reduz a diversidade de narrativas e encarece o consumo cultural”.
Para além das consequências diretas, a professora sugere que o impacto simbólico da tarifa pode ser mais duradouro do que seu efeito prático. “Ela lança uma sombra de instabilidade sobre o setor. Quem produz fora dos EUA agora precisa recalcular riscos, rever contratos, considerar novas formas de distribuição. Tudo isso pode gerar lentidão e insegurança nas cadeias de produção global”.
Cadeia produtiva do audiovisual entra em modo de observação
Apesar da reação inicial nos mercados financeiros, com queda nas ações de plataformas como Netflix e Disney, ainda não há clareza sobre a aplicação da tarifa.
“Não sabemos se vai incluir streaming, coproduções, distribuição digital ou apenas salas de cinema”, observa Neusa. “A ausência de detalhes aumenta a cautela de investidores e produtores”.
Ela também menciona que essa indefinição pode gerar distorções. “Se um filme tiver 10% da produção feita fora dos EUA, ele será tarifado integralmente? Como serão tratadas as coproduções? Isso precisa ser especificado”.
Enquanto essas dúvidas permanecem, a indústria global adota uma postura de espera, monitorando os desdobramentos políticos da medida.
Em sua análise, Neusa enfatiza que, embora a medida seja direcionada ao setor produtivo, quem realmente sente o impacto é o espectador. “Quem paga a conta no fim das contas é o público. Ele perde acesso, diversidade e, principalmente, poder de escolha. A tarifa funciona como uma barreira cultural”.
Ela afirma que políticas públicas deveriam ampliar o acesso à cultura, e não restringi-lo. “A cultura é um vetor de desenvolvimento. Encarecer o acesso a produções culturais é caminhar na direção oposta ao bem-estar da população”.
Tarifa de Trump e os desafios da política cultural no século 21
O caso da tarifa sobre filmes estrangeiros reabre o debate sobre o papel do Estado na regulação do setor cultural. Para Neusa Nunes, é preciso pensar em políticas públicas que promovam inclusão, inovação e circulação de conteúdos.
“O Estado pode atuar no fomento à produção nacional sem penalizar o que vem de fora. Uma política cultural moderna precisa pensar em cooperação, não em isolamento”.
Na visão da especialista, a decisão de Trump dialoga com uma lógica de curto prazo que ignora a complexidade da economia criativa. “A indústria cultural é interdependente. Taxar um pedaço dela pode gerar efeitos não intencionais em outras áreas, inclusive na própria indústria americana”.
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