Lady Gaga é uma artista única.
Remodelando a indústria musical à sua maneira desde seu surgimento em 2008 com o lendário álbum ‘The Fame’, Gaga ascendeu a uma fama meteórica que, mesmo dezessete anos adentro de sua carreira, continua sagrando-a como a última grande popstar da indústria fonográfica. Não é à toa que a titânica musicista tenha sido responsável por uma série de reinvenções e redescobertas dentro do show business que não apenas resgataram elementos musicais de décadas passadas, como a reafirmaram como a precursora da arte performance dentro da música – fosse através de figurinos extravagantes e testamentários, produções épicas e teatrais, e uma versatilidade invejável que tenta ser absorvida por inúmeros de seus colegas de profissão.
Neste ano, Gaga retornou ao centro dos holofotes não apenas com um dos melhores álbuns de sua carreira, mas reafirmando sua longevidade única, desfrutada apenas por um seleto grupo de ícones – como Madonna, Beyoncé e Michael Jackson. Com ‘MAYHEM’, a artista se reinventou ao passo que se manteve fiel à revolucionária identidade que calcou para si mesma, convidando-nos a uma jornada sinestésica pela própria história da música ao misturar pop, house, dance, funk, R&B, rock, synth-pop e incursões do industrial e do electro-clash em uma aventura que vem coletando frutos desde se início oficial lá em 2024, com o lançamento de “Die With a Smile”. Agora, ela colhe mais um sucesso incomparável para sua discografia irretocável com um antecipadíssimo show gratuito realizado no último dia 03 de maio na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.
A última vez que Gaga pisara em terras brasileiras havia sido em 2012, com a Born This Way Ball – sendo confirmada como headliner do Festival Rock in Rio 2017 antes de causar uma comoção generalizada ao anunciar o cancelamento em virtude de problemas de saúde (afinal, como bem sabemos, Gaga não havia se curado por completo das mazelas da fibromialgia à época). Logo, retornar ao nosso país através do evento conhecido como Todo Mundo no Rio não era apenas uma promessa há muito aguardada, mas um momento histórico em que a Mother Monster se viria diante de um público ansioso por vê-la de volta ou apreciá-la pela primeira vez.
As luzes se apagam. Uma multidão recorde de 2,1 milhões de pessoas mergulha em vórtice de euforia e de loucura. As luzes vermelhas revelam um palco inspirado na Ópera de Paris e uma das melhores introduções de um espetáculo musical antes de Gaga surgir em uma estrutura semelhante a um vestido mecânico de veludo vermelho, dispondo-se de vocais impecáveis para um medley de “Bloody Mary” e “Abracadabra” – duas de suas canções mais famosas. E é a partir daí que Gaga se rende a um frenético primeiro ato que dá um início sólido a uma epopeia que já fez história e que será relembrada por anos e décadas a virem.
O show encabeçado pela performer segue os passos de sua apresentação no Festival Coachella há algumas semanas e no México, dando continuidade à série de apresentações promocionais para a turnê que irá celebrar seu recente compilado de originais. Todavia, mesmo que Gaga tenha se doado de corpo e alma para os espetáculos predecessores e criado mágica, nada poderia nos preparar para o comprometimento artístico e técnico que guardara para seu “atraso” de mais de uma década para voltar ao Brasil – demonstrando não apenas uma genuína saudade, mas uma honesta emoção em nos presentear com um dos shows mais fabulosos da década (e, quiçá, do século).
Navegando pela sensualidade provocante de “Garden of Eden”, pelo sinestésico rock-pop da pungente “Perfect Celebrity”, pelo embate entre o bem e o mal que vibra em “Disease”, Gaga saúda canções que integraram ‘Mayhem’, mas sem deixar peculiaridades clássicas de fora – e não se esquecendo de seus maiores sucessos, como a esplêndida performance de “Poker Face” sob emulações a ‘Alice no País das Maravilhas’ em um tabuleiro de xadrez majestoso; o antêmico hino de empoderamento “Born This Way”, retirada das costumeiras rendições ao piano e migrando para o electro-dance e à conhecida coreografia; e um encore finalizado com a atemporal “Bad Romance” e uma aproximação muito pessoal do público e dos fogos que finalizaram o espetáculo.
A questão é que a presença de Gaga em Copacabana superou as expectativas não pelos números conquistados, visto que ninguém duvidava da capacidade da artista de reunir uma legião de fãs inveterados e recém-chegados; mas sim pela reafirmação de uma poderosa relação parassocial que ultrapassa as arbitrariedades do conceito e constrói uma via de mão de dupla, uma ponte de reciprocidade impalpável que une a artista ao público em laços inquebráveis. Em outras palavras, ela sabe que a consideramos como uma figura para além de um ídolo do entretenimento, e sim uma inspiração e um emblema de libertação – e Gaga faz questão de nos agradecer pela confiança e pelo carinho.
Quebrar recordes de público e de recepção crítica são apenas a cereja do bolo quando pensamos no impacto do show de Lady Gaga nas areias de Copacabana, incendiando uma das praias mais famosas do mundo com uma esplendorosa performance que não apenas celebra seu próprio legado, como mostra que ainda tem muito a nos contar.