Nos últimos anos, acompanhamos o crescimento da agenda de diversidade, equidade e inclusão (DEI) no ambiente corporativo brasileiro. Áreas dedicadas foram criadas, compromissos públicos assumidos e lideranças têm se engajado em conversas importantes sobre o tema.
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A movimentação é legítima e representa um avanço necessário. Ainda assim, em muitos contextos, os esforços realizados não têm se traduzido em transformações consistentes e sustentáveis nas estruturas organizacionais. O entusiasmo inicial esbarra em desafios que, muitas vezes, não são visíveis à primeira vista — e que exigem mais do que ações pontuais para serem superados.
Com base em uma série de diagnósticos que executamos, de pesquisas, na construção de estratégias junto a lideranças e no acompanhamento de processos de mudança, identificamos cinco barreiras recorrentes que precisam ser enfrentadas com coragem e clareza. Elas nos ajudam a compreender por que, mesmo com tantos avanços, ainda estamos aquém do potencial transformador que a diversidade pode trazer para os negócios e para a sociedade.
1. A ideia de meritocracia mascara a desigualdade de acesso
Muitas empresas se guiam pela lógica de que “quem se esforça, cresce”. Mas, o que compreendemos na prática é que o esforço sozinho não garante acesso às oportunidades. A progressão de carreira é atravessada por critérios subjetivos, redes informais e padrões invisíveis que continuam favorecendo perfis tradicionais. Profissionais de grupos minorizados precisam entregar mais, provar mais e se adaptar mais para alcançar os mesmos espaços. Isso não é meritocracia — é preconceito e discriminação disfarçado de filtro técnico.
2. Liderar a inclusão exige mais do que apoiar
Participei de inúmeras formações com líderes de grandes empresas, e quase sempre vejo realmente muita boa vontade. Mas boa vontade, sozinha, não move estruturas. As decisões sobre contratação, promoção e sucessão continuam baseadas nos critérios de sempre – fit cultural, frequência ou indicação -, e a diversidade não avança. Ainda falta responsabilização. Poucos líderes têm metas nítidas ligadas à inclusão, e quase nenhum é cobrado por não avançar. A pauta fica solta, tratada como algo periférico — e não como parte da estratégia do negócio.
3. Pertencimento não acontece onde só cabe um jeito de ser
Mesmo em empresas que contratam mais pessoas de grupos de diversidade, a cultura interna segue operando por um modelo único: de comportamento, de fala, de liderança. O resultado é que profissionais negros, LGBTQIAPN+, com deficiência, entre outros, ainda sentem que precisam se encaixar — e não apenas pertencer. Essa pressão para performar um ideal de profissionalismo exclui a pluralidade de experiências, exauri e afasta os bons talentos.
4. Representatividade solitária que vira sobrecarga
Em vários espaços, ainda é comum ver “o único”: o único negro, a única mulher trans, a única pessoa com deficiência numa posição de liderança. Quando isso acontece, esse profissional vira símbolo — e carrega sozinho o peso de representar uma pauta inteira.
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Isso gera sobrecarga emocional, exige energia extra para se manter firme e dificulta que essas pessoas sejam reconhecidas por suas competências técnicas, estratégicas e de liderança. A representatividade precisa vir com suporte, com rede e com sucessão.
5. A diversidade entra, mas não cresce — e muitas vezes sai
Vimos muitas empresas fazendo esforços importantes na entrada de talentos diversos. Mas a pergunta que fica é: onde estão essas pessoas depois de um, dois ou três anos? A progressão de carreira ainda é um gargalo real. Sem um plano de desenvolvimento objetivo e inclusivo, acompanhamento contínuo e abertura para diferentes estilos de liderança, esses profissionais saem. E, com isso, a empresa perde talento, inovação, reputação e futuro.
O que isso ensina
Essas barreiras não são novidades para quem vive ou pesquisa a pauta de DEI no Brasil. Me chama atenção é o quanto esses problemas são tratados como exceções, quando, na verdade, são estruturais e estão por toda a sociedade. Não adianta criar ações isoladas ou deixar a responsabilidade para uma área específica da empresa: a mudança só acontece com compromisso coletivo e decisões estratégicas orientadas por equidade.
Diversidade não é só uma questão de justiça, mas de inteligência organizacional. E enquanto não enfrentarmos essas barreiras com seriedade, vamos continuar rodando em círculos: contratando, formando, perdendo talentos, e começando tudo de novo.
*Talita Matos é fundadora e diretora da Singuê, consultoria de diversidade, equidade e inclusão que atende empresas como Itaú BBA, Natura e Gerdau.
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