Uma terrível realidade anda devastando territórios costeiros e em locais de grande interesse econômico: a especulação imobiliária. Sucesso no hit do grupo Baiana System e tema para diversos debates que ocorrem nos múltiplos eventos ao redor do mundo, a especulação imobiliária tem forçado centenas de pessoas a aceitarem, a contragosto, abrir mão de seus imóveis – em geral, em áreas praianas, de potencial de exploração por empresários. Isso tem ocorrido em muitos países no mundo inteiro, especialmente nas últimas décadas. Debruçando-se sobre esta realidade universal, o filme francês ‘O Último Moicano’ vem se destacando no Festival de Cinema Europeu, que, essa semana, entra na sua repescagem final.
Com quase 9 mil quilômetros quadrados de extensão e pouco mais de 300 mil habitantes, a Córsega é uma ilha à parte e ao sul da França. Como o sul da França é uma região conhecida por Costa Azul, com mansões e eventos de alto padrão, o custo de vida na região é alto – e, consequentemente, qualquer pedaço de terra por ali é caro. Agora, imagina uma ilha inteira no meio desse paraíso estar sendo desperdiçada com fazendas e criação de cabras, enquanto a população rica não tem onde passar suas férias de verão? É assim que começa ‘O Último Moicano’, onde Joseph (Alexis Manenti) é o último criador de cabras da região que ainda não cedeu em vender sua fazenda para um grupo imobiliário que tem assediado os fazendeiros locais. Quando os capangas tentam matá-lo para resolver a questão, Joseph consegue escapar e passa a fugir, temendo pela própria vida. Mas, então, a notícia de sua pequena resistência começa a se espalhar pela região, e, aos poucos, outros moradores começam a se revoltar com a situação e a resistir contra o grupo imobiliário que quer se apropriar da ilha.
A história de ‘O Último Moicano’ é bem simples, e o filme é também dirigido de maneira simples e direta. Sem alardes ou cenas mirabolantes, o diretor Frédéric Farrucci tece uma história que poderia se passar em qualquer lugar, cujo tema dialoga com grandes filmes contemporâneos, como ‘Up – Altas Aventuras’ ou ‘Aquarius’: os homens e empresas ricos e poderosos se achando no direito de desapropriar e tomar as casas e terrenos do cidadão comum, que só queria continuar na sua casinha com sua vidinha.
Para tal, o roteiro caminha duas vertentes do thriller em paralelo: a fuga do protagonista Joseph, enquanto os capangas procuram por ele, e a busca de sua sobrinha, Vannina (Mara Taquin), que, na impossibilidade de reencontrar o tio, faz das redes sociais uma ferramenta para defender e proteger o tio nesta situação sem solução. Através da sobrinha, Joseph aos poucos vai se configurando de um homem perigoso em fuga para um herói, um símbolo de resistência. Neste ponto, é interessante observarmos como a sociedade, incapaz de agir por medo de retaliação, tem a necessidade dessa figura heroica para impulsionar a ação e a resistência.
Direto e melancólico, ‘O Último Moicano’ imprime sensibilidade a uma angústia coletiva que anda tomando conta dos últimos proprietários que tentam, a todo custo, manterem-se firmes apesar das pressões de mudança e descarte nos seus arredores. Um filme de drama que provoca reflexão e inquietação, seja no espectador francês, seja no espectador brasileiro.