Mais importante do que homenagear um artista, é fazê-lo ainda em vida. E como as cinebiografias no Brasil têm feito muito sucesso, tanto de público quanto de crítica, é natural que os produtores passassem a olhar ao redor pensando em quem estaria faltando ter sua história contada. Após campeões de bilheteria como ‘Elis’ e ‘Cazuza’, por exemplo, ficou o desafio de criar projetos que abordassem a vida de artistas bastante populares no país, que exatamente por esta razão implicava num grande desafio. Felizmente, a Paris Filmes e a Paris Entretenimento encararam esse desafio e transformaram a história de vida do cantor Ney Matogrosso em um belíssimo filme, que o público pode conferir a partir de hoje nos cinemas de todo o país.
Quando era criança, o menino Ney sofria porque seu pai, Antônio (Rômulo Braga), não o entendia e o forçava a ser o filho homem que sempre sonhou. Quando já mais jovem, Ney decidiu sair de casa para ser a pessoa que queria ser. A partir daí, o jovem Ney passa a morar em diversas cidades no país, ora servindo à Aeronáutica, ora tentando se entender no mundo, enquanto, em paralelo, participa de um coral para expressar sua voz. Passado uns anos, o agora adulto Ney (Jesuíta Barbosa) é incentivado a entrar na banda desconhecida, chamada Secos e Molhados. Mesmo a contragosto, ele topa o desafio com uma condição: no seu metro quadrado de palco, ele vai ser quem quiser. Começa aí a trajetória do artista Ney Matogrosso, que segue brilhando nos palcos até hoje.
O ponto crucial em qualquer cinebiografia é conseguir transformar o seu protagonista na pessoa homenageada – se o espectador conseguir não ver o primeiro e só enxergar o segundo, então a produção é bem-sucedida. E é o que acontece com ‘Homem Com H’. A seu tempo, aos poucos Jesuíta Barbosa vai crescendo em tela e se transformando naquela persona que o grande público tem em mente como Ney Matogrosso (até porque né, no início do filme nem o próprio Ney é Matogrosso ainda). E aí…quando chega esse momento do filme… Jesuíta simplesmente entrega uma atuação visceral, palpável e totalmente apoteótica com seu trabalho de corpo, de postura, de olhar. Lá pelas tantas, já quase no final, Jesuíta roda e roda numa cena de show que, se o espectador piscar rápido, consegue vislumbrar o próprio Ney no palco, tamanha a sintonia que esse imenso ator conseguiu alcançar com sua performance.
Com extrema sensibilidade e dedicação, o roteirista e diretor Esmir Filho (da série ‘Boca a Boca’) se debruça sobre a vida de Ney e faz uma boa seleção do meteoro que é este cantor, desde sua infância conflituosa com o pai, passando pelo mundo sexual em expansão, seu despertar no Secos e Molhados, a carreira solo recheada de críticas e obstáculos e, claro, sua terna amizade com Cazuza (Jullio Reis) e o namoro com o médico Marco de Maria (Bruno Montaleone). A entrada desses dois últimos na vida do biografado são momentos extremamente emocionantes, com atuações impressionante de ambos os atores e que deixa um sabor de nostalgia no espectador.
Honesto, belo, avassalador, inspirador. São muitos os adjetivos para falar de ‘Homem Com H’ e nenhum deles parece dar conta do que é este filme, assim como também faltam palavras para definir Ney Matogrosso. Porém, a sintonia entre departamentos (fotografia, arte, direção, roteiro, elenco, som, montagem) faz com que ‘Homem Com H’ seja uma ousada biografia à altura de seu biografado, que vai fazer o público rir e se emocionar num misto de um apoteótico amargor doce, tal como é a vida de Ney Matogrosso.