Na noite da última terça-feira, 29 de abril, Paris se rendeu à força do cinema brasileiro. Com casa cheia no tradicional cinema Arlequin, no 6º distrito, a 27ª edição do Festival de Cinema Brasileiro de Paris teve sua abertura conduzida por Katia Adler, curadora e idealizadora do evento, que neste ano presta homenagem à atriz Dira Paes — presente em nove produções da seleção oficial.
A programação iniciou com uma homenagem ao cineasta Cacá Diegues, falecido em 14 de fevereiro. Renata Magalhães, sua esposa e produtora, subiu ao palco para lembrar sua trajetória e influência, destacando que Cacá já havia sido celebrado anteriormente pelo festival ao lado do renomado diretor grego-francês Costa-Gavras.

Outro momento de grande emoção foi o tributo ao diretor Breno Silveira, idealizador do filme de abertura, Vitória. Breno faleceu repentinamente em maio de 2022, pouco antes do início das filmagens. Sua imagem foi projetada na telona do Arlequin, enquanto o público o homenageava com aplausos. Foram lembradas suas obras mais marcantes, em especial o sucesso 2 Filhos de Francisco (2005), protagonizado justamente por Dira Paes.
Após a homenagem, o ator Alan Rocha, protagonista de Vitória ao lado de Fernanda Montenegro, subiu ao palco. Aplaudido com entusiasmo, ele representou com orgulho o elenco do longa dirigido por Andrucha Waddington, que assumiu o projeto após a morte de Breno. Sua presença é símbolo da diversidade do cinema brasileiro contemporâneo, além de reforçar o poder da arte como instrumento de inclusão e transformação.

Cultura, política e resistência
Entre as falas institucionais, destacou-se a participação de Marcelo Freixo, atual presidente da Embratur, que discursou em português, com tradução simultânea para o francês. Suas palavras foram recebidas com entusiasmo:
“Não era assim até um passado recente, mas nós conquistamos a democracia. E quando dizemos que a democracia venceu, o cinema venceu, a arte venceu, a vida também venceu. O que mais queremos diante da Torre Eiffel é que o mundo visite o Brasil. Porque isso vai nos ajudar a viver em um Brasil como desejamos. Não existe um Brasil para os turistas e um Brasil para os brasileiros. Só existe um Brasil.”

A fala ganhou ainda mais força quando foi interrompida por gritos da plateia de “Não à anistia!”, em referência aos processos de responsabilização dos envolvidos nos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, incentivados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A manifestação espontânea mostrou como o festival se tornou também um espaço de resistência política e afirmação democrática.
Dira Paes, a estrela da noite
O ponto alto da noite veio com a aparição de Dira Paes, vestida em um elegante modelo preto e visivelmente emocionada. Antes de seu discurso, ela foi apresentada pela atriz francesa Marina Foïs — conhecida por Polissia (2011) e As Bestas (2002), que fez uma ode à colega brasileira:
“Voltemos ao seu olhar, esse belo olhar, direto, profundo, pronto, verdadeiro. Observo esses olhos impregnados de todas as certezas que acabam por nos envolver com a idade, desses medos que nos deixaram, dessa ousadia que assumimos, e vejo nos seus olhos o mundo que eu quero e com o qual sonho. Um espaço de representatividade, de inclusão e de respeito.”, declarou a francesa que compartilha além da profissão, os mesmos 55 anos de estrada.

Oito minutos em francês: o poder de um filme
Dira surpreendeu o público com um discurso de oito minutos em francês com pouco deslizes, no qual falou sobre suas origens, a diversidade do Brasil e seu sonho de filmar em Paris:
“Entrar no Brasil pela cultura é entender que temos uma cultura plural. A diversidade brasileira é incrível. Temos uma vocação natural para o cinema, para o audiovisual. Temos todas as paisagens possíveis para fazer um filme. E representar aqui o cinema brasileiro — por isso eu acredito que a cultura, e um único filme, pode dar uma demonstração de força, de ideias, de futuro, de esperança.”

“Esse é um momento que jamais esquecerei. Penso na minha família, no meu começo. E posso compartilhar com vocês um sentimento de felicidade e plenitude. Mas isso vai passar amanhã, porque eu continuo buscando os próximos personagens. E tenho um sonho: filmar aqui em Paris. É isso que eu quero — transformar esse sonho em realidade. Obrigada ao Festival de Paris do Cinema Brasileiro. Estou muito, muito feliz.”
Cinema brasileiro em foco
Com 31 produções selecionadas entre longas e curtas-metragens, o festival segue até o dia 6 de maio, ocupando a histórica sala do cinema Arlequin. Em sua 27ª edição, o evento está inserido na programação oficial do “Ano do Brasil na França”, que promove mais de 300 iniciativas culturais em solo francês até dezembro. Mais do que uma mostra cinematográfica, o Festival de Cinema Brasileiro em Paris afirma-se como uma ponte de afeto e resistência entre Brasil e França. Um espaço onde a arte encontra a política, e onde a cultura se transforma em linguagem universal de união e luta.