A Europa está observando ansiosamente enquanto Washington adverte sobre uma “semana crítica” para a Ucrânia. Documentos vazados mostram que Washington e Bruxelas divergem sobre como seria o fim ideal do conflito.A declaração unilateral do líder russo, Vladimir Putin, de um cessar-fogo de três dias na guerra na Ucrânia, na ocasião do 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, não foi recebida com aplausos em Bruxelas.
“A Rússia pode cessar as mortes e os bombardeios a qualquer momento. Portanto, não há absolutamente nenhuma necessidade de esperar até 8 de maio”, disse a porta-voz de relações exteriores da UE, Anitta Hipper, a repórteres nesta terça-feira (29/04), se referindo à data marcada por Moscou para o início da trégua.
Críticos dizem que o Kremlin – que menciona “razões humanitárias” em sua mais recente promessa de trégua – estaria simplesmente tentando obter favores de Washington depois que o presidente americano, Donald Trump, expressou frustração com os ataques contínuos da Rússia à Ucrânia.
As críticas de Trump a Moscou marcaram uma mudança de tom em relação aos comentários anteriores do presidente americano sobre seu homólogo ucraniano.
O anúncio do cessar-fogo russo também ocorreu após as imagens de líderes europeus reunidos com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski e do encontro do líder ucraniano com Trump no Vaticanono fim de semana.
Com o secretário de Estado americano Marco Rubio classificando esta semana como ” crítica” para o conflito na Ucrânia, Washington passou a afirmar que pondera se os EUA devem abandonar completamente os esforços para mediar a paz, que – 100 dias após a posse de Trump – ainda estão fracassando.
Planos de paz conflitantes
Enquanto líderes mundiais se preparavam para ir a Roma para o funeral do papa Francisco, a agência de notícias Reuters publicou dois vazamentos: um plano de cessar-fogo supostamente proposto pelos EUA após suas conversas com Moscou e Kiev, e um contraplano elaborado por autoridades europeias e ucranianas.
Os textos rivais mostram que EUA e Europa divergem no que diz respeito às condições para o fim do conflito.
Embora o documento redigido pelos EUA preveja o reconhecimento total da Península da Crimeia e de algumas outras regiões ucranianas tomadas pela Rússia, o texto europeu diz simplesmente que “questões territoriais” devem ser “resolvidas após um cessar-fogo total e incondicional”.
O plano europeu-ucraniano também afirma que as Forças Armadas de Kiev não devem ser restringidas e exige fortes garantias de segurança apoiadas pelos EUA, de maneira semelhante ao Artigo 5 da Otan, segundo o qual, um ataque a um membro da aliança militar é visto como um ataque a todos os demais.
O documento americano afirma que a Ucrânia “não buscará aderir à Otan” e diz apenas que o país receberá uma “robusta garantia de segurança”.
O plano prevê ainda a suspensão das sanções americanas à Rússia segundo, enquanto o texto europeu afirma que essas punições somente devem ser aliviadas “gradualmente após uma paz sustentável ser alcançada”.
Linhas vermelhas e garantias
“O que me impressionou nos últimos dias é o fato de os europeus começarem a deixar bem claro o que querem”, disse Camille Grand, ex-funcionária da Otan que se tornou analista do Conselho Europeu de Relações Exteriores, à DW em Bruxelas.
Grand descreveu semanas de uma diplomacia europeia frenética desde que Trump assumiu o cargo, com conversas em Paris, Londres, Bruxelas e Roma, desde líderes de alto escalão até autoridades militares, discutindo como os Estados europeus, liderados pela França e pelo Reino Unido, poderiam policiar um eventual acordo de paz na Ucrânia por meio de uma chamada “Força de garantia”.
“Eles conversam seriamente e tentam resolver os problemas uns dos outros: ‘O que está faltado para você? Você está pronto para se colocar no terreno? Não, mas você pode fornecer aviões? Você estaria pronto para fazê-lo se essa Força estivesse estacionada na Polônia?’”, explicou Grand.
“Isso mudou muito, de algo que parecia completamente desconectado da realidade para uma noção muito mais próxima do que estamos prontos para fazer e como queremos fazê-lo.”
No entanto, autoridades europeias e americanas permanecem em desacordo sobre se e como Washington forneceria um “escudo” para proteger as forças de paz europeias de potenciais ataques russos.
Europa quer manter diálogo EUA-Ucrânia
Almut Molle, analista sênior do think tank European Policy Centre, afirma que os esforços da Europa não passaram despercebidos.
“A afirmação de que estamos prontos para dar um passo à frente, que estamos aqui para nos envolver na segurança europeia de uma forma muito significativa, é o sinal mais forte possível para os Estados Unidos de que a Europa entendeu o chamado do outro lado do Atlântico”, disse ela à DW, em Bruxelas.
“Mas isso garante um lugar à mesa? Não”, acrescentou. Com os EUA agora ameaçando abandonar completamente as negociações, a prioridade da Europa pode muito bem ser manter Washington a bordo, assim como a disposição americana em ouvir Kiev.
“Somos sempre mais fortes juntos. Somos sempre mais fortes com nossos aliados”, disse a porta-voz da UE Anitta Hipper, ao ser pressionada pela DW sobre qual seria a mensagem do bloco europeu à Casa Branca.
“Nossa prioridade deve ser sempre apoiar a Ucrânia, porque isso envia a mensagem correta diante de todos os potenciais agressores, não apenas da Rússia”, acrescentou Hipper, em uma alusão velada ao desejo antigo dos EUA de reduzir o apoio militar à Europa e se voltar para a China e a região do Indo-Pacífico.
Plano B sem os EUA?
Contudo, se os EUA se retirarem da mesa de negociações, será difícil imaginar um plano B claro para os países europeus, que com frequência expressam o compromisso de apoiar a Ucrânia “pelo tempo que for preciso”, sem, contudo, especificar exatamente de que forma isso se daria.
Financeiramente, a UE poderia manter seu apoio político e militar à Ucrânia. Segundo Hipper, o bloco dedicou em 2025 cerca de 23 bilhões de euros (R$ 147 bilhões) em ajuda a Kiev.
Mas, com os militares ucranianos e europeus ainda fortemente dependentes da logística, dos satélites e da capacidade de inteligência dos EUA, agir sozinho ainda é visto por muitos na Europa como o pior cenário.
Grand acredita que a retirada dos EUA dos esforços para fechar um acordo rápido seria preferível à uma hostilidade aberta dos EUA em relação a Kiev, exemplificada pela discussão entre Trump e Zelenski no Salão Oval da Casa Branca em fevereiro.
“Comparado a essa situação, ter os EUA menos interessados, menos comprometidos, pode não ser um drama tão grande”, disse a especialista, acrescentando que os europeus deveriam tentar “aproveitar o momento atual para ver se a recente admissão de Trump de que Putin pode ser um problema – não a solução – pode ajudar a encontrar uma solução melhor”.
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