Crítica | Entre Nós, o Amor – Delicado Drama Francês Retrata a Crise da Classe Média Empobrecida [Festival de Cinema Europeu]

Nas últimas décadas, a partir da virada do milênio, temos assistido à intensa globalização das sociedades, cada vez mais conectadas e sintonizadas. Se por um lado a facilidade com que as notícias e os produtos circularam, por outro as economias viveram (e vivem) oscilações muito intensas, o que fez (e ainda faz) com que as inflações sejam constantes e as crises financeiras cada vez mais presentes – e quem sofre com tudo isso, claro, é a população. Ainda que o ditado fale que dinheiro não traz felicidade, a verdade é que, sem ele, fica bem difícil conseguir as coisas e ter uma boa relação com as pessoas de seu convívio, como pode ser visto no drama ‘Entre Nós, o Amor’, filme francês que chega ao Brasil graças ao Festival de Cinema Europeu, que está rolando em diversas cidades do país até o fim de abril.

Nicole (Valeria Bruni Tedeschi) é mãe solo e, aos 52 anos, está desempregada e com uma dívida de 40 mil euros. Por conta disso, o banco bloqueia seu cartão de crédito, seus cheques e suas possibilidades de empréstimo, deixando-a à própria sorte às vésperas do Natal. Sem dinheiro, sem emprego e muito angustiada para conseguir prover um Natal normal para seu filho Serge (Félix Lefebvre, de ‘O Professor Substituto‘), Nicole acaba pensando e agindo de forma incoerente, o que acaba exasperando seu jovem filho, que tudo que deseja era ter uma família normal, uma mãe normal. Entre brigas e sufocos, mãe e filho passam o fim de ano tentando manter alguma esperança de que dias melhores virão eventualmente em suas vidas.

Apesar do título que remete o espectador à comédia romântica, ‘Entre Nós, o Amor’ é um drama francês bem construído e sem ser melodramático. Com muita delicadeza e muita sensibilidade, o diretor e roteirista Morgan Simon tece uma relação mãe-filho bastante próxima da realidade de uma classe média empobrecida, que não consegue nem acessar as assistências governamentais, nem ter dinheiro o suficiente para programas as férias de verão anuais. A realidade aqui é mais comum: uma mãe solo, que por conta da idade não consegue se recolocar no mercado de trabalho e que ao mesmo tempo se sente injustiçada por ser obrigada a trabalhar mais anos devido às recentes mudanças nos planos de aposentadoria franceses; em oposição, temos um filho que se dedica apenas aos estudos na faculdade, que sonha em ter uma vida melhor, com um pouco mais de dignidade, mas que diariamente se frustra e se aborrece com a situação em que se encontra e, por isso, desconta suas raivas na própria mãe.

Partindo dessa relação cheia de ruídos, o filme constrói uma balança dolorida para o espectador: ao mesmo tempo em que aponta os diversos atores que agem para que as famílias contemporâneas se sintam tão financeiramente impotentes, também o faz a partir de uma protagonista que faz de tudo para proteger o filho da dureza das verdades, e, justamente por tentar florear as verdades, acaba machucando-o.

Em ‘Entre Nós, o Amor’ a história se passa com uma família no subúrbio de Paris, mas tranquilamente poderia ser na zona sul do Rio de Janeiro ou nos arredores de Buenos Aires. As semelhanças das situações financeiras nos países nos dão a ideia de que também as dores e as dificuldades foram globalizadas. Mas ainda há esperança, apesar de tudo, e ‘Entre Nós, o Amor’ nos mostra que entender o valor de sua família, ainda que ela seja desfuncional, é a primeira brecha de luz para continuar nadando entre as crises.

The post Crítica | Entre Nós, o Amor – Delicado Drama Francês Retrata a Crise da Classe Média Empobrecida [Festival de Cinema Europeu] first appeared on CinePOP Cinema.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.