Alertas de papa Francisco sobre clima estarão em pauta na COP30

Estava eu em Roma quando, ao abrir a internet pela manhã, li a notícia do falecimento de Francisco. No dia anterior, domingo de Páscoa, lá estava ele, diante dos mais de 30 mil fiéis, na missa em frente à Basílica de São Pedro. Mesmo enfermo e quase afônico, deu as bençãos a todos e se despediu de forma silenciosa. A notícia da morte do Papa me tocou profundamente.

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Nos últimos anos tive a oportunidade de estar pessoalmente com ele diversas vezes em eventos da Pontifícia Academia de Ciências Sociais. Em várias dessas ocasiões, trouxe mensagens da Amazônia e trocamos ideias sobre a região, pela qual ele tinha um carinho especial.

É difícil resumir o legado do papa Francisco para a humanidade. Creio que a analogia ao farol seja a mais apropriada. O farol aponta o rumo, a direção por onde a humanidade deveria seguir. A paz, a ecologia e a pobreza foram os focos do seu pontificado. Com muita clareza e coragem, Francisco apontou os principais desafios da humanidade, analisando em profundidade as origens destes descaminhos. Estes temas foram detalhados em diversas publicações, escritas em linguagem simples, de leitura fácil e convidativa. Ao todo o Papa publicou quatro encíclicas e seis exortações apostólicas.

Na Encíclica Laudato Si, o Papa conclama a humanidade a fazer uma profunda mudança nos sistemas de produção e padrões de consumo, guiada pelo conceito da ecologia integral. A Encíclica faz uma análise profunda das causas da degradação ambiental, das mudanças climáticas e da pobreza. Aponta, ainda, os possíveis caminhos para uma relação mais harmoniosa com a natureza, considerando os desafios de enfrentar as mudanças climáticas e buscar a justiça social.

Na Exortação Apostólica Laudate Deum, o Papa complementa e atualiza, oito anos depois, a encíclica Laudato Si, diante do que ele percebia como não tendo sido suficiente em conscientizar a humanidade sobre a urgência da crise climática e a necessidade de ação imediata.

O Papa critica a lentidão e a falta de vontade política em enfrentar a crise e aponta para a gênese do problema: os interesses econômicos, especialmente da indústria de combustíveis fósseis, que fomenta as fake news e o negacionismo climático. Isso cria barreiras geopolíticas para ações domésticas eficazes nos países e, internacionalmente, nas grandes conferências climáticas (COPs), que acabam tendo resultados tímidos.

Estas duas publicações foram elaboradas com sólida base cientifica, oferecida pela Pontifícia Academia de Ciências e pela Pontifícia Academia de Ciências Sociais, ambas vinculadas diretamente ao Vaticano. O Papa reforça o fato de que o aquecimento global é causado principalmente por atividades humanas, especialmente o uso de combustíveis fósseis.

O Papa alerta para o fato de que eventos climáticos extremos estão se tornando cada vez mais frequentes e intensos e que ignorar a emergência climática é irresponsável e perigoso. Além de conclamar para o enfrentamento da crise climática global, o Papa aponta para a urgência de enfrentar as causas da pobreza e da injustiça social.

Na Encíclica Fratelli Tutti, o Papa aponta caminhos para construir um mundo mais justo e pacífico. O Papa prega uma cultura de fraternidade universal e amizade social para superar a crise ética, social e política que vivemos e que tem levado ao crescimento do individualismo, xenofobia, populismo e polarizações políticas. O Papa propõe a cultura do encontro, a ser construída com escuta, respeito e colaboração entre diferentes. Propõe ainda o repúdio ao fechamento ideológico, à manipulação da verdade e às fake news.

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A Exortação Apostólica Querida Amazonia, elaborada após o Sínodo para a Amazônia, apresenta quatro sonhos: pilares, cultural, ecológico e eclesial. O Papa pede respeito às culturas locais e seus direitos territoriais, especialmente a defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais. O Papa pede apoio a uma economia que respeite a dignidade humana e o meio ambiente, ao tempo em que condena a exploração, violência e marginalização na região.

O Papa faz um chamado ao cuidado da floresta e da biodiversidade, baseado no conceito da ecologia integral. Por fim, o Papa defende a valorização do papel dos leigos nas atividades da Igreja, especialmente das mulheres.

O Papa, se ainda estivesse conosco, seguramente participaria ativamente da preparação e realização da COP 30 – “a COP da Amazônia”. Todos os seus ensinamentos estarão em pauta neste que será o maior e mais importante evento global do século XXI para o futuro da humanidade.

Cabe a nós relermos os ensinamentos de Francisco e buscar construir um mutirão global pela ação climática. Temos que ter coragem para enfrentar os poderosos interesses econômicos que alimentam o negacionismo climático e unir nossas forças em prol de uma agenda guiada pela ciência, pelo conceito de ecologia integral e pela ética da justiça social. Só assim poderemos render as devidas homenagens àquele que foi o maior farol da humanidade neste século.

*Virgilio Viana é superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), membro da Pontificia Academia de Ciências Sociais do Vaticano e Professor da Fundação Dom Cabral (FDC). É engenheiro florestal pela ESALQ/USP e Ph.D. pela Universidade de Harvard.

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