
Reza o aforismo latino: “De mortuis nil nisi bene”, gosto de repeti-lo para jamais esquecer nem transgredir: “Dos mortos só devemos falar bem”, ou por extensão; falar o bem.
A extensão vale inserir, porque os homens, enquanto vivos, horas são bons, outras não tanto, não que uns sejam maus no proceder, mas nem sempre o seu agir bem agrada, daí muitos serem carpidos em lágrimas inúteis e outros nem uma choradeira fútil arrebanhe.
Coisa de torcida, de galera, que se esclera, e pouco tolera, porque a verdade, nunca é sincera…
A sinceridade mesmo vem do que nos faz falta.
E a morte, longe de nos ampliar, ela nos esvazia, nos faz menor, mesmo quando tal passamento nos seja de um adversário, caído na luta e num bom combate.
A morte sempre nos diminui, porque todos restamos herdeiros da sua falta.
Diz-se do bom campeador, daquele que caiu na luta, ter feito o melhor de si nas batalhas assumidas.
Já sua herança, pouco alonga a dimensão do que sobrou.
Dito assim, todavia, há mortos muito carpidos, como está agora o Papa Francisco, em prévias hagiográficas.
A Igreja está com esta nova moda; erigindo santos, para o culto dos dias, onde não basta ser santo: é preciso ser; “Santo dos Pobres”!
E haja pobres! Cada vez crescentes!
Eu costumo lembrar, que o próprio Cristo um dia falou, quando recriminaram a uma mulher, sempre ela, por lhe ter perfumado as madeixas com uma essência cara, que melhor uso teria, se vendida fosse, para o desfrute dos pobres…
E Cristo a eles respondeu: “Pobres sempre o tereis!”
E de lá para cá, só os pobres aumentam…
E os pobres só diminuem, dizem os libertários da economia, com a geração de emprego e renda, ou seja com suor, muito trabalho e continuada disciplina, e menos prolíficos que coelhos.
Porque está longe, muito distante mesmo, esta sina de chover maná vitaminado no deserto, singrar qualquer mar a pé enxuto e sem canoa, esperar que tudo venha numa boa, via de homens espertos, e de seus decretos seletos, em refestelos de folgança que bem promovam à marisqueira desejada, igualdade vã rasteira… Igualdade, que tudo nivela, sem sovela e sem fivela, no cinto desapertado por vias de peia, para o aplaine dos diferentes…
Um aplaine tão desejado, que nem a salvação eterna tem suscitado motivação maior, nesses tempos de templos se esvaziando, com as pessoas esquecendo de rezar, até as orações aprendidas desde a infância…
Mas eu não quero falar do Papa. Há tantos que o louvam vendo-o maior que os outros que lhe antecederam, que nem ele, Francisco, assim talvez se contemplasse no espelho de suas reflexões intimas.
Pelo meu existir, vi e vejo passarem muitos Papas, reafirmando a eternidade da Igreja que vence as incertezas humanas.
Vejo Pio XII, Eugênio Pacelli, execrado por tantos, por não colocar sua mitra e sua estola contra Benito Mussolini, seu vizinho, e Adolf Hitler, o insano alemão que conquistava o mundo.
Culpam-no, em tantas ausências de muitos, mas só a ele sozinho, de não ter colocado as suas divisões armadas contra o Holocausto dos Judeus…
Veio depois João XXIII, Ângelo Giuseppe Roncalli, aquele que conquistou o mundo com seu sorriso apenas, espécie de “Cura Singelo de Aldeia” que resolveu revolucionar a Igreja “abrindo-a para o diálogo com o mundo contemporâneo”, numa palavra universalmente pronunciada: “aggiornamento”.
Atualização que contaminou o planeta com a Convocação do Concilio Vaticano II, restando daí a quase abolição da batina como veste talar e símbolo do sacerdócio presbiteral, com o “clérgma”, no pescoço, por colarinho, e em outros alinhos os seus 33 botões de cima a baixo na veste comprida, e mais cinco em cada manga, só para dizer que estes 33 botões lembravam os anos vividos por Jesus, aqui conosco, enquanto os cinco botões das mangas se referiam as suas cinco chagas na cruz.
Iam embora depois muitos símbolos que a Igreja se despedia, inclusive aquele do Rito Tridentino em Latim, que me parecia mais bonito, mais solene e mais sonoro, desde quando eu aprendi a dialogar em criança, no Educandário Brasília, tempo em que o Padre Celebrante passou a dar as costas para o altar e se voltando para a assembleia, sem tonsura, nem mesura, porque diziam então que assim iria melhorar o professar do seu apostolado.
Depois o Papa João XXIII morreu, sendo substituído por Paulo VI, o Cardeal Giovanni Batista Montini, já nosso conhecido porque antes nos visitara como grande figura da Igreja.
Paulo VI viveu tempos difíceis, porque o Vaticano II desenfreara muitos radicais, todos querendo reformas múltiplas, como a ordenação de monjas, a eliminação do celibato sacerdotal, a ordenação de leigos casados, a dissolubilidade do matrimônio, tudo o que um vasto pandemônio era almejado e estimulado via imprensa, sempre agnóstica.
Foi um tempo em que muitos padres largaram a batina querendo permanecer ao amparo do pálio da Igreja, surgindo daí a mais que famosa Teologia da Libertação, com os seus muitos teólogos, sobretudo na América Latina, que longe de se verem líderes de uma nova heresia, simpatizante do marxismo, simples teólogos cristãos protestantes, queriam a ferro e fogo reformar a Igreja de Cristo por dentro.
Uma vez Paulo VI, falecido, é substituído por João Paulo I, Albino Luciani, que governou a Igreja por escassos 33 dias, morrendo em meio aos insondáveis mistérios, alguns sugerindo que teria sido envenenado por ter descoberto irregularidades financeiras no Banco do Vaticano.
Após João Paulo I, vem de longe, por detrás da Cortina de Ferro Comunista, o Papa Polonês, Karol Josef Wojtila, que como João Paulo II, tomou as rédeas da Igreja, como homem notável no seu tempo, a partir de suas falas e peregrinação pelo mundo, e que voltando a sua terra, começou uma revolução que culminaria na queda do muro de Berlim.
Carismático, João Paulo II, foi considerado o primeiro papa pós-moderno, com um pontificado criticado por ser conservador em atitudes contra o aborto, contra o uso de anticoncepcionais, ser contra eutanásia, a pena de morte e ao envolvimento do clero com a política.
Representando a Igreja Católica viajou pelo mundo e em cada país que chegava, ajoelhava-se e beijava o chão como seu primeiro ato de carinho.
Em 1981, em pleno desfile na Praça São Pedro, João Paulo II sofreu um atentado no Vaticano, quando foi baleado no abdômen por um militante fascista turco.
João Paulo II esteve no Brasil em 1980, em homilias notáveis por todo o país, tendo beatificado inclusive o padre jesuíta José de Anchieta.
Com a morte de João Paulo II, sucedeu um novo Papa, um intelectual notável, o alemão Joseph Alois Ratzinger, que adotou o nome de Bento XVI, criticado por ser o Papa Panzer, analogia aos Tanques Panzer dos Exércitos Nazistas.
Conservador e defensor da doutrina da fé, Bento XVI foi um dos maiores colaboradores de João Paulo II, seu antecessor. Foi muito criticado por não ser considerado moderno, como muitos o desejam. Um de seus gestos mais marcantes foi a abertura do diálogo com outras religiões, como o islamismo e o judaísmo.
Enfrentando uma das maiores crises da história recente da Igreja: os escândalos envolvendo pedofilia entre membros do clero, Bento XVI sentiu, num gesto de profunda humildade, que melhor seria renunciar ao papado, fazendo-o em 2013, alegando falta de condições físicas, sendo substituído pelo recentemente falecido Papa Francisco.
Do papa Bento XVI destaque-se, sua viagem ao Brasil em 2007, quando canonizou Frei Galvão, e sobremodo, pelo seu recolhimento enquanto Papa Emérito, continuando intelectualmente a produzir, pelos nove anos seguintes a sua renúncia, sem jamais tentar obscurecer o papado do seu sucessor, Francisco.
Do Papa Francisco, o argentino Jorge Mario Bergoglio, a imprensa do mundo inteiro tem lhe tecido muitos elogios.
A Igreja é feita de homens pecadores e santos. Fala-se agora de seu legado, a humanidade sempre carente que um milagre aconteça sob seu pálio.
Mas, dos mortos, só devemos falar o bem. É a recomendação antiga.
E os mortos nos fazem falta.
Se o Papa faz falta à Igreja, muita falta me faz o Jornalista Ivan Valença.
Ivan era uma companhia agradável, quase diária, aqui na Infonet.
De repente um dia Ivan nos faltou com os seus escritos.
Desapareceu, ninguém falou, ninguém disse nada.
Procurando amigos comuns, alguém me disse que estava com uma sua irmã, boa irmã!, que em doença o acolheu.
Foi assim que me informaram quando ao passar por sua residência vi uma placa exposta à venda.
Não tinha mais a sua Ana, querida, companheira de muitas caminhadas…
Ana, que um dia tomou a defesa do marido para fustigar um dos seus desafetos, dele Ivan, porque o tal político se sentiu incomodado com uma sua crítica, dele Ivan, bem merecida.
Os políticos são assim, querem ser medíocres, mas que não lhes denunciem a sua pequenez.
E Ivan era um gigante no que fez e no que foi: crítico de cinema notável, articulista memorável, periodista de muitos jornais, instrutor de muitos, e até a mim, que um dia resolvi editar um boletim de clube, e a ele fui recorrer para a diagramação e impressão num seu escritório, onde me acolheu com apreciada solicitude.
Ivan que não enriqueceu, nem o podia, seus interesses não eram assim tão sonantes nem ressonantes por moedas e dinheiros.
Valia-lhe mais divulgar a sétima arte, espalhar filmes com sua Ana querida na Vídeo Sete Locadora, justo fundo com fundo, ao terreno da minha casa, onde eu e meus filhos alugávamos fitas.
Ivan, que um dia foi execrado por um seu colega menor, porquanto em tempos polarizados politicamente, alguém o quis expulsar, logo ele Ivan, o Valente Valença, da confraria dos Jornalistas, seu sindicato, por não pontuar tão “esquerdóide”, como deveria ser; esquerdizante!
Ivan, que me tem feito falta na Infonet, por desconfortável, em ausência do livre pensar poliédrico, como bem devia ser a boa imprensa; menos canhestra e sectária, e aberta a todos os pensamentos.
Descanse em paz Ivan Valença. Sua luta não foi em vão.
Você me deixou saudades!
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