
Desde que o mundo foi obrigado a enfrentar os anos de isolamento durante a pandemia do coronavírus, as pessoas nas redes sociais têm falado mais abertamente sobre os perigos e as necessidades de se atentar para a saúde mental – um tema tão delicado e urgente naquele período. A necessidade de entendermos o que estava acontecendo fez com que muita gente se voltasse para dentro, para entender suas próprias raízes e sua própria mente, num exercício estimulado pela psicanálise, cujas técnicas são mundialmente conhecidas pelas práticas exercidas por Sigmund Freud. O que muitos não sabem, hoje, é que esta vertente foi iniciada no Brasil por uma mulher, Adelaide Koch, cuja amizade com a professora Virgínia Bicudo acaba de virar filme, intitulado ‘Virgínia e Adelaide’, e chega aos cinemas brasileiros no dia 8 de maio após prestigiosa exibição no Festival do Rio 2024.
Refugiada no Brasil por conta da perseguição religiosa em seu país, a psicanalista judia Adelheid Lucy Koch muda seu nome para Adelaide (Sophie Charlotte, de ‘Meu Nome é Gal’) e começa a atender em sua própria casa, já no Brasil. Com esta nova técnica, a notícia começa a correr no boca a boca e chega aos ouvidos da jovem Virgínia Bicudo (Gabriela Correa, de ‘O Pastor e o Guerrilheiro’), socióloga interessada em aprender e estudar as vertentes da psicanálise, por isso ela procura Adelaide com uma proposta: quer que Adelaide a analise, pois deseja se entender melhor como pessoa e entender suas raízes. Começa assim uma história de amizade, sororidade e união e que mais tarde ajudaria a dar os primeiros paços na construção e na institucionalização da psicanálise no Brasil.
Em tons pastéis como recurso para transportar o espectador ao passado, ‘Virgínia e Adelaide’ tem uma ótima caracterização de arte, ambientando toda a sua trama basicamente em um único cenário – a casa de Adelaide -, totalmente revestida com objetos e props das décadas de 1940/1950. O roteiro, de Jorge Furtado, emprega recursos do teatro para construir o longa, que se baseia quase que totalmente na interação entre as duas protagonistas em longos debates acerca de vários assuntos.
Até por isso, ‘Virgínia e Adelaide’ é um filme com pouca ação, abrindo espaço para que as atrizes brilhem. Sophie Charlotte demonstra muito empenho em empregar um sotaque estrangeiro à Adelaide, judia alemã falando português. Gabriela Correa vem firme como uma Virgínia decidida do que quer ser e do potencial da nova vertente de estudo, ainda que consciente de que uma amizade entre uma judia imigrante e uma mulher preta no Brasil dos anos 1950 significasse assumir muitos alvos.
Já para o terço final do longa, ‘Virgínia e Adelaide’ encontra novos recursos fílmicos para empregar dinamismo à história intensamente textual. Para tal, a diretora Yasmin Thayná (do premiado curta ‘Kbela’) lança mão de estratégias como o uso de depoimentos e jogos de luz e sombras para fazer a locomotiva textual de ‘Virgínia e Adelaide’ dançar sobre a tela.
Empenhada em dedicar sua carreira à dar visibilidade às histórias e ao pretagonismo, a diretora Yasmin Thayná retoma seu compromisso em contar ao público a história da psicanálise no Brasil e como uma mulher preta foi fundamental para que hoje essa ciência fosse amplamente utilizada no país. ‘Virgínia e Adelaide’, assim, é o cinema dando visibilidade à história da História pouco conhecida pelo próprio país.