
E se eu te disser que a maior bilheteria de 2025 até o momento não é ‘Um Filme Minecraft’ (longa que vem se dando muito bem financeiramente e já soma mais de meio bilhão de dólares em um pouco mais de uma semana em cartaz). Tampouco o primeiro lugar do pódio pertence a medalhões da Marvel (‘Capitão América: Admirável Mundo Novo’) ou da Disney (o remake de ‘Branca de Neve’). Você acreditaria que pertence a ‘Nezha 2’, uma animação chinesa?
O mundo presencia atualmente uma guerra tarifária entre os EUA e a China. Donald Trump voltou à Casa Branca e como um dos primeiros atos aumentou os impostos em cima dos produtos chineses vendidos para o seu país. A China por sua vez resolveu devolver a gentileza de forma equivalente. Mas o que a política exterior tem a ver com o mundo do cinema? Bem, bastante. Quem está mais atento aos números financeiros do mundo do cinema já percebeu que a China se tornou uma verdadeira potência nas bilheterias. E isso inclusive antes da pandemia.

Voltemos para o ano de 2019, o ano anterior à pandemia, e o ano de maior potência do cinema de Hollywood no que diz respeito à bilheteria. Neste ano específico, dentre os dez filmes mais rentáveis do ano, nove deles ultrapassaram a ridícula marca de US$1 bilhão ao redor do mundo. Nada havia chegado perto de tanto sucesso anteriormente, e muito menos no pós-pandemia (na realidade atual em que os cinemas ainda lutam para recuperar o que um dia tiveram – e talvez não consigam). Se formos olhar mais a fundo no ano de 2019, iremos reparar que a décima segunda posição do ranking ficou com uma produção cem por cento chinesa.
Mas não foi apenas ela, porque dentre o top 20 das maiores bilheterias de 2019, temos nada menos do que quatro produções cinematográficas inteiramente chinesas. O fato impressiona bastante, ainda mais se levarmos em conta que a China não exporta suas produções para o mundo da mesma forma que os EUA fazem. O cinema de Hollywood sempre dominou o mundo, inclusive o Brasil, afinal todos nós crescemos com os blockbusters da década de 1980 passando sem parar nas TVs abertas. Nos últimos anos isso foi mudando. A China, por exemplo, limita o número de produções americanas que chegam ao país, favorecendo assim seus próprios filmes para a população. Em países como a Argentina e a França, o número de produções Hollywoodianas sendo exibidas precisa ser igual ou menor do que o de produções próprias do país. O Brasil também regulamentou uma lei parecida, valendo também para os canais a cabo e agora os streamings.

Voltando a falar do ano de 2019 e da China, temos que pensar que a entrada de quatro filmes chineses no ranking dos 20 maiores do ano impressiona se pensarmos que todo esse dinheiro veio de dentro da própria China e de seus países asiáticos vizinhos. Ou seja, o dinheiro de dentro do próprio território foi o suficiente para superar certos filmes que passaram no mundo todo. ‘Meu Povo, Meu País’, ‘Terra à Deriva’, ‘O Comandante: Pânico nas Alturas’ e (olhem só) o primeiro ‘Ne Zha’ foram os blockbusters chineses que se posicionaram no top 20 mundial. A animação ‘Ne Zha’ foi o mais bem colocado, no citado décimo segundo lugar – arrecadando impressionantes US$726 milhões.
Voltando ainda mais no tempo, Hollywood já previa a importância do mercado asiático, em especial a China, como fator determinante de boas bilheterias dos filmes que exportavam. As superproduções da Marvel, por exemplo, desde 2013 começavam a gravar cenas extras passadas na China (alguns destes trechos eram destinados apenas para o público de lá, cortados da exibição em outros lugares do mundo), e a incluir personagens chineses em seus filmes, interpretados por astros conhecidos naquele país. Era uma forma de fazer a política da boa vizinhança, se certificando que o longa seria exibido nesse forte mercado consumidor.

Com a Pandemia, o cinema chinês ganhou ainda mais força. Isso porque enquanto o vírus chegava por aqui, no resto do mundo, os chineses já estavam se reerguendo, uma vez que a coisa começou por lá. Em 2020, dentre os 10 maiores filmes do mundo, quatro eram chineses e um japonês. Em 2021, do top 10 três eram produções chinesas. Em 2022, quando Hollywood já se reerguia, do top 11 duas eram produções chinesas. Em 2023, do top 12 três foram produções chinesas. A mesa começou a virar em 2024, quando Hollywood não deu espaço no top 10 para as produções chinesas, mesmo assim, três filmes da China emplacaram nos números 14, 15, e 16 dos maiores filmes do ano. O que nos leva diretamente ao ano de 2025.
De todas essas produções chinesas, no entanto, nenhuma delas havia ultrapassado a ridícula marca de US$1 bilhão em bilheteria mundial. Isto é, até o lançamento de ‘Ne Zha 2’ em janeiro deste ano na China. E sobre o que o filme fala? ‘Ne Zha’ é uma mistura de ‘Dragon Ball’ com as animações da Disney/ Pixar. Ou seja, uma superprodução com um visual impressionante, capaz de atrair milhares de crianças chinesas simplesmente através de suas cores e estética. O filme original de 2019 conta sobre a lenda de um menino “amaldiçoado” de um vilarejo, hostilizado pela população, ele se mostrará um herói, e o único capaz de defender o local das verdadeiras ameaças.

Muito entranhado na cultura e no folclore chinês, com direito a inserir em sua trama lendas locais, como dragões, magia e bastante lutas, essa aventura é tipicamente tudo o que já consumimos do país em relação a este gênero. O original, de 2019, conquistou mais de US$700 milhões em bilheteria. Já a sua continuação, que contou com efeitos especiais mais detalhados e caprichados, e trouxe de volta o protagonista que todos por lá aprenderam a adorar, se beneficiou da familiaridade do país com a história, podendo caprichar na ação e nos efeitos. ‘Ne Zha 2’, que por aqui recebeu o subtítulo de ‘O Renascimento da Alma’ fez o que ninguém contava, foi a primeira produção chinesa a adentrar o seleto clube do bilhão.
Contanto os relançamentos nos cinemas (os Harry Potter, por exemplo, só conseguiram ultrapassar um bilhão de dólares devido a novos lançamentos dos filmes antigos nos cinemas), temos um total de 58 filmes no clube do bilhão. Para termos uma ideia, ‘Ne Zha 2’, mesmo sem ter estreado em grande parte do mundo, ocupa atualmente a oitava posição, ultrapassando sucessos como ‘Divertida Mente 2’, ‘Os Vingadores’, ‘Barbie’ e ‘Top Gun: Maverick’. Essa é uma das vantagens de se ter um país extremamente populoso.
Com esse fenômeno, a China dá mais um recado para o mundo e principalmente para Hollywood – de que as produções do país possuem esse tipo de força. Dos 58 filmes no clube do milhão, todas são produções dos EUA, exceto o citado oitavo lugar. Não sabemos quando a guerra “fria” entre China e EUA irá parar, ou onde irá levar. Mas o que sabemos é que o cinema chinês se tornou, de forma quieta e sorrateira, uma nova potência do entretenimento. Mesmo que até o momento, seja apenas voltado a eles.