
O cenário de juros elevados no Brasil, com a Selic em patamares ainda altos, tem criado um verdadeiro efeito dominó no agronegócio. Um dos principais reflexos da pressão monetária é o encarecimento do crédito rural, que reduz a rentabilidade dos produtores e, por sua vez, pressiona a competitividade do Brasil no mercado internacional. É o que afirmam especialistas ouvidos pelo BP Money,
“Mesmo com os preços internacionais bons, a margem do produtor encurta”, afirma Christiano Moreira, sócio da The Hill Capital.
Especialistas do setor afirmam que a elevação da taxa básica de juros encarece o financiamento, encurta margens de lucro e limita a capacidade de investimento dos produtores. O impacto é percebido desde o pequeno agricultor até grandes exportadores.
De acordo com Christiano Moreira, sócio da The Hill Capital, o aumento da Selic representa uma pressão direta sobre os custos operacionais do agro. “Quando a Selic sobe, o crédito encarece – e no agro, onde o capital de giro e os investimentos em máquinas, insumos e infraestrutura muitas vezes dependem de financiamentos, isso pesa”, explica.
Ângelo Belitardo Neto, da Hike Capital, reforça a visão. Para ele, a alta dos juros “tem efeito direto no custo do dinheiro, elevando os encargos dos empréstimos para custeio, comercialização e investimento”.
O especialista destaca que setores mais intensivos em capital, como a pecuária de corte, produção de grãos e o setor sucroalcooleiro, são os mais afetados, dado o longo ciclo produtivo e a maior dependência de crédito.
Rentabilidade do agronegócio em risco
O impacto da Selic elevada vai além do crédito. Embora os preços internacionais das commodities agrícolas, como soja e milho, não estejam diretamente atrelados à taxa de juros brasileira, os efeitos indiretos são significativos.
“Uma Selic alta valoriza o real frente ao dólar – e isso pode derrubar o valor das commodities exportadas em reais”, alerta Moreira.
Assim, mesmo com preços internacionais favoráveis, o produtor rural pode ver sua margem de lucro reduzida. “É uma dose negativa adicional ao produtor rural”, completa Belitardo Neto, ao lembrar que a rentabilidade depende também da relação cambial e da demanda global.
A preocupação se amplia quando o contexto internacional entra na equação. Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, afirma que uma possível recessão nos EUA teria efeitos devastadores sobre seus principais parceiros comerciais, incluindo o Brasil.
“Uma recessão nos EUA afetaria fortemente seus principais parceiros comerciais, como China, México, Alemanha e Brasil, com queda nas exportações, investimentos e fluxo de capitais”, avalia.
Jorge Kotz, CEO do Grupo X, concorda. Para ele, o risco de desaceleração econômica global é um alerta grave ao setor agropecuário brasileiro.
“A desaceleração afetará diretamente a demanda por produtos como soja e carne, pressionando preços e limitando o crescimento do setor. Em um mundo mais protecionista, o comércio internacional será impactado, o que exige ainda mais atenção à dinâmica cambial”, comentou.
Investimento travado, mas alternativas existem
Diante de um cenário de crédito mais caro, os especialistas apontam que os investimentos no campo devem desacelerar nos próximos anos.
“Investimento com juro alto é tipo correr prova de salto com obstáculo a mais. Vai acontecer, mas num ritmo mais lento”, diz Moreira. O especialista observa que a renovação de máquinas, a construção de silos e a expansão de áreas podem ser postergadas.
Apesar do ambiente adverso, o agronegócio conta com mecanismos que permitem alguma flexibilidade.
“O setor ainda tem acesso a linhas de crédito subsidiado, além de instrumentos de mercado como CRAs, Fiagros e CPRs”, explica Belitardo Neto. Ele destaca também a importância da renegociação de dívidas, da busca por prazos mais longos e do uso de proteção cambial e de preços para lidar com a volatilidade do mercado.
Como mitigar os impactos? Estratégia e planejamento
Ambos os especialistas concordam que o produtor rural precisará adotar estratégias mais robustas de gestão para enfrentar esse período. A renegociação de dívidas, o uso de hedge cambial, a adoção de tecnologias que aumentem a eficiência produtiva e o fortalecimento de cooperativas e consórcios estão entre as alternativas citadas.
“Planejamento tributário e financeiro rigoroso é essencial. O produtor precisa ajustar bem o ciclo de caixa à safra e à colheita”, sugere Moreira.
Já Belitardo Neto lembra que, apesar das dificuldades, o agronegócio brasileiro é resiliente. “Mesmo com a Selic alta, o setor vai continuar investindo, só que de forma mais seletiva e estratégica.”
Competitividade das exportaçoes sob ameaça
A valorização do real frente ao dólar, impulsionada pelos juros altos, também afeta diretamente as exportações do agro.
“Isso encarece os produtos brasileiros lá fora”, diz Moreira. Belitardo Neto acrescenta que essa valorização reduz a atratividade dos produtos nacionais, que passam a competir em desvantagem com países com moedas mais desvalorizadas e custo financeiro menor.
“Com menos dólares entrando, há menos renda para o produtor. Isso afeta a competitividade e, por consequência, a balança comercial do país”, resume Belitardo.
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