
No ano passado, Alex Garland deu vida a uma das melhores produções de sua carreira – o drama bélico intitulado ‘Guerra Civil’, que nos levou a uma espécie de futuro próximo distópico em que os Estados Unidos se transformam no palco de um beligerante conflito civil que é acompanhado de perto por uma dupla de fotógrafos já protegido contra os horrores da guerra e que são acompanhados por uma ambiciosa novata que deseja ver seu nome entrar para a história. Agora, o diretor se reúne novamente com a A24 para nos levar de volta no tempo, nos transportando para o ápice da Guerra do Iraque, com ‘Tempo de Guerra’ – um angustiante e claustrofóbico drama que, apesar de não trazer nada de novo ao gênero, funciona dentro de seus limites.
Garland, dividindo a cadeira de direção e assinando o roteiro ao lado do veterano de guerra Ray Mendoza, constrói uma cinebiografia recontando a Batalha de Ramadi – um dos capítulos mais conhecidos do conflito mencionado no parágrafo acima -, através de recontagens do pelotão de fuzileiros da marinha que se apropriou de uma casa iraquiana para patrulhar a região e que se viu no centro de uma emboscada perigosa. Mendoza, inclusive, esteve presente no conflito e foi um dos sobreviventes, ajudando o cineasta a reconstruir os fatos a partir de um arauto memorialístico que não procura romantizar a disputa entre Iraque e Estados Unidos, e sim fornecer uma dramatização do que ele se recorda.
No geral, o projeto tem uma praticidade óbvia que pega páginas emprestadas de tantas outras produções – como ‘Guerra Civil’ e ‘Sniper Americano’ – e que sabe das demarcações autoimpostas, não se esquivando muito de convencionalismos, mas cuidando para que as fórmulas não falem mais alto que a história que deseja contar. A partir daí, temos um trabalho sólido de fotografia, responsável por David J. Thompson, que se apoia em tons assépticos de amarelo e bege para denotar a consequente aridez da guerra (denunciando a completa falta de prospecto daqueles que são arrastados para combates sem sentido) e que se afasta de incursões panfletárias para focar no drama de cada um dos personagens. Dessa maneira, Thompson se apropria de planos fechados e em close, transmutando o cenário em um labiríntico e claustrofóbico beco que tem como força-motriz o angustiante ciclo prisional em que se encontram.
Para além de uma aplaudível conquista imagética, Garland faz questão de não usar qualquer tipo de trilha sonora, deixando que planos-sequência dilacerantes e um elenco de ponta transmitam aos espectadores o que deseja – garantindo uma experiência sinestésica natural, em vez de forçá-la através de um melodrama estilístico. É claro que alguns exageros poderiam ter passado por um tratamento mais minucioso, mas o realizador acerta em cheio em reiterar um proposital vazio narrativo que dialoga diretamente com o propósito de qualquer guerra: o nada. E, ao longo de breves 95 minutos, é notável o cuidado rítmico, que singra entre o combate armado e a melancólica espera por uma salvação, a fim de não entediar o público com mais um enredo bélico.
Para assegurar essa vivência, o time de atores se joga de cabeça em interpretações fantásticas: temos D’Pharaoh Woon-A-Tai em uma performance de tirar o fôlego, humanizando Mendoza com um retrato diferenciado e que usa e abusa de seu talento nato; Will Poulter como Erik, encarregado de liderar o pelotão, transmitindo um assombro espectral quando percebe que suas tentativas de proteger seus colegas não são páreo para o que se espalha ao redor da casa onde estão; Kit Connor como o novato Tommy, soterrado por sonhos falidos de honrar seu país e sendo absorvido por um vórtice traumático; Joseph Quinn no melhor trabalho de sua carreira (ao menos até agora) como Sam, um ponto-chave “jocoso”, por assim dizer, que se torna vítima das próprias circunstâncias; e vários outros que incluem Cosmo Jarvis, Charles Melton, Noah Centineo e Henry Zaga.
Como supracitado, os equívocos do filme se resumem a, basicamente, não apresentar nada de novo – considerando que até as incursões mais dramáticas e introspectivas já foram exploradas em outras obras, como ‘Nada de Novo no Front’. De qualquer maneira, ‘Tempo de Guerra’ funciona em boa parte de suas investidas, oferecendo um retrato envolvente sobre a Guerra do Iraque; porém, ao passo que nos envolvemos com a narrativa do pelotão, é sempre bom lembrar que memórias não dialogam, necessariamente, com os fatos – e que nem tudo deve ser levado à seriedade que o longa defende.