Crítica | Michael B. Jordan brilha em dose dupla no poderoso thriller de vampiros ‘Pecadores’

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Ryan Coogler e Michael B. Jordan soam como uma dupla que se encontrou no momento certo – e que continua a render frutos deliciosos a cada nova empreitada. O diretor e o astro colaboraram pela primeira vez em ‘Fruitvale Station: A Última Parada’, que marcou a estreia no circuito de longas-metragens do cineasta, além de unirem forças para a mini-franquia fílmica ‘Pantera Negra’ e o aclamado drama ‘Creed – Nascido para Lutar’. Depois de enorme sucesso trabalhando juntos, Coogler e Jordan retomam parceria para um ambicioso suspense vampiresco intitulado ‘Pecadores’, que chega aos cinemas nacionais no próximo dia 17 de abril.

A trama é centrada nos irmãos gêmeos Elias e Elijah (ambos interpretados por Jordan), que se tornaram famosos gângsteres ao saírem de sua pequena cidade natal e se mudarem para uma polvorosa Chicago, onde passaram a trabalhar para ninguém menos que Al Capone, assumindo os apelidos de Smoke e Stack. Porém, após aplicarem golpes nas máfias italiana e irlandesa, eles foram obrigados a retornar para casa, onde são recebidos com assombro e surpresa por nomes muito conhecidos – desejando abrir um clube noturno de blues apenas para pessoas negras, remando contra a maré segregacionista pós-Ku Klux Klan do meio oeste estadunidense. Contando com a ajuda de seu primo mais novo, o jovem músico Sammie Moore (Miles Caton), e de outros amigos de confiança, eles colocam o plano em prático – apenas para se verem no centro de uma ameaça mortal e sobrenatural.

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O longa se inicia, na verdade, com as chocantes consequências de eventos inenarráveis do dia anterior, em que Sammie aparece para o culto de domingo, comandado por seu pai, o pastor, ensanguentado, ferido e com um violão em mãos. Pouco depois, somos transportados de volta no tempo, em que Sammie é aconselhado a não brincar com fogo e não “dançar com o Diabo”, devendo focar em suas responsabilidades para com a família e a religião – algo que, em plena década de 1930, era extremamente comum no interior dos Estados Unidos, ainda mais nas áreas que outrora funcionavam como territórios escravocratas e que, mesmo dois séculos depois da abolição do trabalho forçado, deixaram marcas na comunidade afrodescendente e afro-americana.

É notável como Coogler segue de perto os passos de Jordan Peele ao arquitetar uma narrativa que mascara mensagens e discussões importantes através de uma ambientação fantasiosa: Sammie é apaixonado por blues e sente que sua vocação é a música; porém, isso vai de encontro ao que seu pai prega – o que reflete um preconceito enraizado que, mesmo se distanciando das torturantes práticas da escravidão, criam um bode expiatório para manter a população negra fadada a um espectro inescapável. Se a música funciona como celebração histórica e um escape, torná-la um emblema diabólico é mais uma maneira de manobra social – e é disso que Sammie deseja escapar. Não é por qualquer razão que ele logo se alia aos gêmeos para alcançar seus objetivos, sendo convidado pelo lendário musicista local Delta Swim (Delroy Lindo) para subir ao palco do clube e lançar-se a uma rendição emocionante e espetacular.

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Todavia, como explorado em um breve e instigante prólogo, o poder de uma música tão autêntica e verdadeira quanto a que Sammie se dispõe a cantar consegue romper o véu que separa o mundo espiritual do terreno – abrindo espaço para a chegada de criaturas sedentas por sangue e por um senso crítico e controverso de coletividade: vampiros. Na noite de abertura do clube, esse aspecto artístico e testamentário atrai a atenção desses mitológicos seres, que se iniciam como um trio liderado por Remmick (Jack O’Connell) e que seguem os tropos das clássicas histórias. Em outras palavras, para entrarem no recinto, eles precisam ser convidados; alho, prata e água benta retardam seu avanço incontrolável e mortal; e uma estaca de madeira cravada no coração é a única coisa capaz de matá-los.

É muito interessante ver como inúmeras culturas ganham dimensões inéditas nesse épico semi-western de horror e ação arquitetado por Coogler – sagrando-se uma das produções mais incríveis e envolventes de 2025 por saber a dosagem exata dessas incontáveis incursões narrativas. E, enquanto o constructo de coletividade e de equidade defendidas pelas ações condenáveis dos vampiros entra em choque com a dura realidade enfrentada pelos protagonistas e coadjuvantes, percebemos que o elemento da música como libertação e resistência é o elo que une as tramas e subtramas em uma atmosfera narcótica do começo ao fim.

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Jordan lança-se a uma memorável rendição que ajuda a imortalizar o longa-metragem como a melhor investida de Coogler nos cinemas – dando vida a irmãos gêmeos que, ao mesmo tempo, são semelhantes e distintos em complexos arcos de ressentimento, culpa e rendição. Vistos como párias por se aliarem a conhecidos “inimigos públicos” da época, eles se tornam heróis locais e enfrentam os próprios demônios à medida que as reviravoltas se desenrolam. Acompanhando a impactante dose dupla do astro, temos Caton em uma espetacular estreia como ator, Lindo em um jocoso e revigorante papel, Hailee Steinfeld como Mary (um antigo romance de um dos irmãos que singra com graciosidade e beleza nas sequências), Wunmi Mosaku como Annie (uma mulher forte e independente que ainda nutre certa empatia pelos irmãos e que funciona como a sólida base de proteção espiritual contra os vampiros), e vários outros.

Através, de quase duas horas e vinte de puro êxtase cinematográfico, Coogler comete breves deslizes em um apressado finale, cujos equívocos são ofuscados pelo ótimo e derradeiro posicionamento melancólico. De qualquer forma, ‘Pecadores’ não falha em quase nenhum quesito, tornando-se um dos melhores filmes do ano ao unir entretenimento puro e comentários sociais necessários sob uma ótica convincente e inebriante.

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