
Quando ‘The Last of Us’ estreou na HBO | Max em janeiro de 2023, ninguém poderia imaginar que a adaptação seriada comandada por Craig Mazin e Neil Druckmann se transformaria em uma das melhores incursões audiovisuais da década. Trazendo todos os elementos pelos quais os fãs inveterados dos games originais se apaixonaram, o live-action conquistou uma legião de seguidores ao redor do planeta ao nos levar para um futuro distópico e pós-apocalíptico em que a maior parte da humanidade foi dizimada por um fungo parasita chamado Cordyceps – prenunciando a queda da era moderna e o início de uma sobrevivência compulsória em meio a um cenário inóspito e mortal.
Dois anos depois de uma primeira temporada irretocável, somos convidados a retornar para esse intrincado e complexo cosmos com o début do primeiro capítulo da segunda iteração – uma pequena obra de arte que se desenrola com fluidez aplaudível e termina antes mesmo que possamos saborear todas as novas camadas introduzidas na narrativa. Cortesia de Mazin, que fica responsável pela direção e pelo roteiro, é notável como a estreia do novo ciclo é um lembrete da incrível história que Druckmann eternizou com seus jogos e como uma equipe artística e técnica de talento nato conseguiu transformá-la em uma joia televisiva.
Seguindo os passos da temporada anterior, “Future Days” dá o tom dos capítulos da próxima semana com obscuridade e tensão suficientes para nos manter vidrados do começo ao fim. Mazin, tomando as rédeas de um importante recomeço para os arcos de Joel (Pedro Pascal), Ellie (Bella Ramsey) e uma série de novos personagens que terão importância significativa nas semanas subsequentes, afirmou que bebeu bastante do trabalho de Noah Hawley na aclamada atração ‘Fargo’ – e percebemos as referências ao longo de sequências muito bem articuladas e que transformam os cenários em um campo de guerra em potencial que reafirma a natureza vingativa e superprotetora da raça humana, mesmo quando o próprio futuro está em jogo.
O capítulo se inicia logo após o season finale de 2023: para aqueles que não se lembram, Joel salvou Ellie das mãos de Marlene (Merle Dandridge) e os Vaga-Lumes, que colocariam a vida de sua protegida em perigo para colher os genes do Cordyceps que a tornaram imune e criar uma cura – com enorme chance de Ellie morrer no processo. Mentindo para Ellie ao lhe contar que a cura não funcionou, Joel a leva de volta para o assentamento onde o irmão, Tommy (Gabriel Luna), mora com a esposa e o filho, passando a auxiliar a comunidade com uma expansão urbana a fim de receber novos refugiados tanto dos infectados que se espreitam a cada esquina, quanto das garras da organização militar conhecida como FEDRA, cujos postos de domínio são controlados a punhos de ferro.
Porém, as coisas não são tão simples quanto parecem – e o relacionamento outrora intrínseco entre os protagonistas transmuta-se em um melancólico distanciamento que parece não ter solução. Joel, dessa forma, consulta-se com a psicoterapeuta Gail (Catherine O’Hara) para tentar encontrar um jeito de se reaproximar de Ellie, que enxerga como a própria filha; e Ellie, lançada a um mandatório amadurecimento após enfrentar perigos incontáveis, tem um desejo irreverente e inconsequente de se provar independente, corajosa e capaz ao lado da melhor amiga, Dina (Isabela Merced), que pouco a pouco se torna um interesse romântico. E é claro que os dramas internos dos personagens viriam acompanhados de crescentes ameaças que se aproximam do assentamento.
Como já mencionado, Mazin e Druckmann retornam com força inenarrável para provar que a primeira temporada da adaptação não foi um mero golpe de sorte. Unindo forças para delinear as múltiplas camadas vistas no jogo, a dupla mostra que sabe o que está fazendo ao deixar que o aspecto épico que acompanha Joel e Ellie seja transposto em caráter mais introspectivo, mas sem deixar a beleza imagética de fora. Não é surpresa que a possibilidade de tangenciar um aspecto panfletário e formulaico nem sequer nos passa pela cabeça, conforme a condução cênica e os múltiplos aspectos artísticos convergem para uma ambiguidade sinestésica que singra pelo suspense, pelo melodrama e pela acidez de uma bem-vinda tragicomédia.
Falar das performances de Pascal e Ramsey parece redundante a esse ponto, visto que ambos mantêm a química um com o outro à medida que roubam os holofotes com rendições arrepiantes. Porém, eles não estão sozinhos nessa nova empreitada – guiando rostos inéditos que se comprometem de corpo e alma a encarnarem seus respectivos personagens. Merced traz Dina à vida com facilidade envolvente, enquanto O’Hara reitera sua versatilidade ao interpretar uma terapeuta carregada de traumas e de um ressentimento odioso por Joel que, pouco a pouco, a impulsiona a ajudá-lo; Kaitlyn Dever prenuncia o conflito entre os membros restantes dos Vaga-Lumes que foram assassinados por Joel, jurando vingança e retaliação; Young Mazino, dando vida a Jesse, emerge como o ponto altruísta da temporada – tentando manter a paz dentro da comunidade que jurou proteger.
A nova temporada de ‘The Last of Us’ pode não ter o mesmo ritmo frenético e apavorante da iteração anterior, mas tem um brilho inegável de nos reintroduzir a esse universo caótico através de sólidas engrenagens. Mais do que isso, “Future Days” é uma declaração testamentária que insiste em nos relembrar de que a série ainda tem muito a contar – e estamos aqui justamente para ver isso.