
Quase quinze anos depois de sua estreia oficial, ‘Black Mirror’ permanece como uma das produções mais conhecidas não apenas da Netflix, mas da atualidade.
Criada por Charlie Brooker, a produção explora as consequências das desenfreadas invenções e inovações tecnológicas que ditam as regras da sociedade, funcionando como uma espécie de exploração distópica acerca das problemáticas morais e éticas envolvendo uma submissão total às investidas mais drásticas do capitalismo predatório. E, entre altos e baixos, a antologia voltou com uma leva de episódios fantástica que recuperou as raízes das iterações iniciais de maneira brilhante, dramática e chocante.
Pensando nisso, preparamos uma breve lista ranqueando os seis novos episódios da série.
Confira abaixo:
6. PLAYTHING
O episódio mais fraco dessa nova temporada ainda continua melhor que vários capítulos recentes – e soa como os primórdios da antologia, ainda que não tenha explorado seu potencial por completo. Estrelado pelo sempre ótimo Peter Capaldi, a trama une passado, presente e futuro em uma competente narrativa que explora o conceito das inteligências artificiais e da senciência da vida digital – contando com ótimas performances e uma clara homenagem ao episódio interativo “Bandersnatch” -, além de discorrer sobre a coletividade em detrimento do individualismo destrutivo.
A trama nos leva para a Londres de um futuro próximo, onde um excêntrico suspeito de assassinato é ligado a um videogame incomum dos anos 90, que hospeda uma sociedade de formas de vida digitais.
5. COMMON PEOPLE
“Common People” é um dos capítulos mais devastadores de ‘Black Mirror’ e recupera com força descomunal as incursões iniciais da antologia ao apoiar-se em uma condução narrativa extremamente pessimista e melancólico. Trazendo Rashida Jones, Chris O’Dowd e Tracee Ellis Ross como protagonistas, o enredo traz elementos de capítulos predecessores em uma história de romance que logo se transforma em pesadelo, denunciando a visão puramente mercadológica da medicina e das grandes companhias de saúde que usam e abusam da ingenuidade de seus consumidores.
Dirigido por Ally Pankiw, conhecida por seu trabalho no elogiado longa-metragem ‘I Used to Be Funny’, o enredo é centrado no casal formado por Jones e O’Dowd. Aqui, uma professora entra em coma e precisa lutar por sua vida, compelindo seu amoroso a inscreve em um sistema de alta tecnologia que a mantém viva — mas tudo tem seu custo, e ambos percebem que essa inovação milagrosa vem com suas consequências.
4. BÊTE NOIRE
“Bête Noire” é um dos episódios da nova temporada que mais se assemelha às clássicas histórias da antologia: no capítulo, acompanhamos uma jovem gênia da culinária que fica nervosa quando uma velha conhecida entra para a empresa onde trabalha – especialmente porque há algo estranho nela que só ela consegue ver.
Contando com performances aplaudíveis de Siena Kelly e Rosy McEwen em um arco de inimizade e de vingança, toda a condução estética e narrativa é feita com primor admirável, que peca, talvez, por uma conclusão ocasional e exagerada demais – mas que não apaga o brilho de seus dois primeiros atos. Toby Haynes e Brooker unem forças para firmar discussões sobre vendetas e gaslighting, delineando um potente thriller recheado de ótimas reviravoltas.
3. USS CALLISTER: INTO INFINITY
Qual foi nossa surpresa quando Brooker anunciou que a nova temporada de ‘Black Mirror’ contaria com a primeira sequência episódica da atração – munindo-se de uma interessante e envolvente história que dá continuidade ao aclamado “USS Callister”. Retornando com a apaixonante estética sci-fi de ‘Star Trek’ em uma das incursões mais espirituosas e despojadas de toda a antologia, “USS Callister: Into Infinity” é um grande acerto que se vale de aventuras intergalácticas clássicas e performances admiráveis.
Na trama, o odioso e psicótico designer Robert Daly está morto, mas agora a tripulação do USS Callister — liderada pela Capitã Nanette Cole — está presa em um universo virtual infinito, lutando pela sobrevivência contra 30 milhões de jogadores e pela defesa de uma vida senciente que existe fora da nossa realidade.
2. EULOGY
Como bem sabemos, Paul Giamatti é um dos maiores atores da indústria audiovisual contemporânea e trouxe seu imensurável talento para “Eulogy”, uma das construções mais belas de todo o panteão ‘Black Mirror’. Navegando por ressentimentos não resolvidos e arrependimentos de uma vida que não tem mais como voltar, o astro domina um dos capítulos mais íntimos da antologia de maneira avassaladora e emocionante.
A iteração traz Giamatti como Phillip, um homem mais velho que recebe a notícia de uma antiga namorada que partiu seu coração quando tinha seus vinte e tantos anos infelizmente faleceu – recebendo a notícia através de uma inteligência artificial que o ajuda a construir uma eulogia para o funeral, apenas para descobrir que ainda a ama e que seus traumas não se esvaíram com o tempo.
1. HOTEL REVERIE
Um dos elementos mais interessantes da nova temporada de ‘Black Mirror’ é a destituição do caráter completamente pessimista dos ciclos anteriores e um foco maior na comunhão entre tecnologia e humanidade. Dessa maneira, Brooker, aliando-se a um time de competentes artistas, dá vida a narrativas melodramáticas e convincentes que, por mais que nutram de algumas fórmulas conhecidas, funcionam dentro de um espectro que sempre se pautou na derradeira submissão do indivíduo à tecnologia.
E, nesses seis episódios, “Hotel Reverie” é o que mais alcança o objetivo almejado pelo criador: na trama, um remake de alta tecnologia e excepcionalmente envolvente de um filme britânico clássico envia a estrela de cinema Brandy Friday para outra dimensão, onde ela deve seguir o roteiro se quiser voltar para casa a salvo. Trazendo o talento inegável de nomes como Issa Rae, Emma Corrin e Awkwafina, o caprichoso e suntuoso episódio é uma homenagem à Era de Ouro de Hollywood e transforma-se de uma aventura noir em uma belíssima história de amor que puxa incursões de “San Junipero” ao remodelá-la nas angústias de um amor impossível.