Entrevista | Marco Pigossi conta como foi ser dirigido pelo marido em ‘Maré Alta’

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Em cartaz nos cinemas, Maré Alta é um drama do diretor italiano Marco Calvani.  Protagonizado pelo brasileiro Marco Pigossi, o longa conta a história de Lourenço, um brasileiro que viaja para os EUA com o visto de turista, mas procura se encontrar no mundo e sente que precisa ficar por lá. Por isso, ele começa a trabalhar ilegalmente, enquanto busca uma forma de conseguir o visto permanente.

Dentre seus dramas, ele é um homem LGBT, cuja família não sabe de sua sexualidade. E parte dessa busca por autodescoberta é se compreender melhor em um ambiente sem a pressão familiar. Por isso, ele agarra qualquer oportunidade para ficar por lá. Em sua jornada, ele acaba fazendo novos amigos e se apaixonando, fazendo com que todas as suas relações sejam intensas.

Marco Pigossi

No último mês, tivemos a oportunidade de entrevistar Calvani e Pigossi, que são casados, e eles falaram um pouco mais sobre o filme e como fizeram para evitar que o ambiente de trabalho afetasse a vida pessoal.

Para Marco Calvani, por mais que o filme se comunique com suas experiências de vida, ele não é um longa autobiográfico. Ainda assim, há dramas compartilhados tanto por ele quanto por Pigossi que podem trazer identificação para diferentes públicos.

“Bem, Maré Alta não é um filme autobiográfico. Eu não sou brasileiro, mas sou um imigrante, um homem gay que vive nos EUA. Acho que sou um pouco como o Lourenço, mas de uma forma diferente, então criamos esse ‘lugar especial’, por assim dizer que, se você é um homem que vive longe de casa, você acaba encontrando esse lugar cheio de oportunidades, mas também de riscos e incertezas. Apesar de ser muito excitante chegar a esse lugar, também pode ser muito triste, por mexer com saudade, incertezas. Felizmente, o filme fala sobre muitas outras coisas, mas é lindo ver como vem sendo recebido com tanto carinho pelos brasileiros e pelo público ao redor do mundo”, disse Calvani, que também comentou sobre o efeito da pandemia na realização do longa.

“Particularmente, eu me senti um pouco como o Lourenço nos últimos anos, sabe? Como se estivesse em um limbo. Teve a Covid-19, então parecia não haver muito futuro, assim como o passado também parecia não importar mais. E eu não sabia bem o que estava fazendo, eu não fazia ideia do que seria de mim. Como homem, eu me sentia esmagado pelo sistema, pelas mudanças no jogo, pelo crescimento do fascismo no mundo. E acho que esse sentimento de estar perdido foi bem passado no filme”, afirmou.

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Marco Pigossi concordou, ressaltando que a questão da imigração, que é o foco do filme, é algo que independe de gênero.

“É um filme muito pessoal, mas zero autobiográfico. Quando a gente fala de imigração, a gente fala sobre essa solidão de morar em um país que não é o seu, falando em uma língua que não é a sua. Então, é uma tentativa de tentar se redescobrir em um ambiente que não é o seu. E sempre muito só. O filme fala sobre pertencimento, porque o Lourenço vai para lá em busca de pertencer a um país, uma cidade, a uma comunidade. Até a si mesmo, que é a grande mensagem do longa. Isso é universal para toda pessoa que vai para fora tentar uma vida melhor, independentemente da razão. Nós refletimos sobre nossas passagens nos Estados Unidos em diferentes momentos, porque, como artistas, nós viajamos sempre tentando expandir nossas carreiras. Mas a verdade é que não buscamos encontrar a carreira, nós queremos aumentar e viver mais experiências para crescer como homens, para contarmos e transcendermos nossas formas de contarmos histórias”, explicou Marco Pigossi.

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Outro destaque do filme é a presença de Bill Irwin, ator consagrado do cinema e dos palcos, que interpreta seu primeiro personagem LGBT da carreira. Para Marco Pigossi, trabalhar com ele foi um grande ensinamento.

“Foi fantástico [trabalhar com o Bill Irwin]! O Bill não apenas é um ator fantástico, como também é uma pessoa fantástica! Eu aprendi uma coisa maravilhosa com o Bill Irwin sobre o que é ser ator. Nossa profissão não envelhece. Nunca. Esse foi o primeiro personagem gay que ele fez no cinema, ele tem um filho gay. E o fascínio, o brilho no olho, a vontade dele de aprender e conhecer mais sobre os personagens… Ele queria que eu mostrasse a cidade para ele, apresentasse às pessoas, ele queria aprender mais e existir naquele universo. Isso, para mim, foi uma lição. O Bill Irwin, que tem uma carreira extraordinária, ainda tem esse olhar de criança, de querer descobrir tudo para fazer um personagem novo. Essa é a grande beleza da profissão do ator. A gente está sempre descobrindo, sempre explorando coisas novas. É muito mágico! E não tem outra profissão que te proporcione isso. Claro que há desafios, porque você vai crescendo, mas é diferente. Uma hora você é um médico, outra hora você é um piloto, então você estuda para entender mais desses universos. E a maneira como ele veio aberto para descobrir mais sobre esse personagem foi uma lição para mim. Fora que é um ator brilhante, de muita troca, e uma pessoa incrível. Foi muito especial”, contou Pigossi.

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Marco Pigossi e Marco Calvani durante as filmagens de ‘Maré Alta’

Por fim, o casal contou como foi trabalhar junto neste projeto. Para Pigossi, o filme foi como ter o primeiro filho, porque ele cuidaram de Maré Alta nos mínimos detalhes.

“A gente fala que o ‘Maré Alta’ foi nosso primeiro filho. A partir do momento que o Marco me mostrou o roteiro, a gente vem trabalhando juntos e decidiu que era essa história que a gente queria contar, e desse jeito. E isso é muito difícil. Quantas pessoas estão nos EUA com roteiros brilhantes e não conseguem? Fazer um filme independente é quase um milagre. ‘Maré Alta’ é um filme feito muito mais com amor do que com dinheiro. É um filho que a gente criou e colocou no mundo. E tinha essa responsabilidade, porque foi o primeiro longa do Marco e o meu primeiro filme como protagonista nos Estados Unidos, então a gente queria ter essa responsabilidade de fazer dar certo. Mas também houve uma admiração sincera como artistas, porque o Marco é um diretor brilhante com seus atores. Ele tem um olhar muito bonito para os atores, o que, para mim, representou um renascimento como ator, descobrindo coisas novas, limpando vícios, manias e maneirismos que a gente acumula ao longo do tempo. Foi uma experiência maravilhosa! E faria outros milhões de filmes junto com ele!”, explicou.

Já Calvani ressaltou que a experiência foi muito boa e muito disso por conta de estratégias que eles tomaram para separar o lado profissional do lado pessoal.

“Se não tivesse sido bom, nós não estaríamos aqui hoje. Sobrevivemos a uma pandemia e a um filme como ator e diretor [risos]. Mas é o amor verdadeiro que nos mantém juntos. E o amor nasce do respeito e companheirismo, não só um pelo outro, mas também pela arte. Mas é claro que tomamos alguns cuidados para não atrapalhar as relações. Nós não dormíamos no mesmo lugar, porque precisávamos desse descanso para nos desligarmos do dia de filmagens. Mas nós faríamos tudo de novo. E esse processo foi incrível por ter nos permitido conectar ainda mais com esse lado artístico um do outro, mas também desenvolver ainda mais nossos laços de confiança. Nós conseguimos traduzir nosso amor para darmos forma a esse filme”, concluiu Marco Calvani.

09 Mare Alta High Tide 2024

Maré Alta está em cartaz nos cinemas.
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