Nomes de rua em Juiz de Fora: o que simbolizam e quem homenageiam?

ruas de juiz de fora

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Rua Halfeld homenageia homem considerado um dos fundadores da cidade; no entanto, ele era escravocrata (Foto: Leonardo Costa)

Já dizia João do Rio que “a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma”. Mas não só é a alma que define esse espaço: as ruas, sempre, também têm nomes. E nomes que são dados de acordo com o que é definido pela Câmara Municipal ou pelo Executivo, por meio de um projeto de lei ou decreto. Essas escolhas exprimem, como explicam os especialistas, um contexto político, uma visão de mundo e também as histórias que querem ser passadas de geração em geração, nesse registro público e urbano que são as ruas. São honrarias feitas pra perdurar. Em Juiz de Fora, vias como Rua Halfeld, Rua Getúlio Vargas ou Avenida Costa e Silva são algumas das mais conhecidas da cidade, contam suas próprias narrativas e marcam a cidade. Mas será que a população sabe quem são essas pessoas e os motivos pelos quais receberam essa homenagem? Ou se, no contexto atual, ainda faz sentido que essas pessoas sejam homenageadas? A reportagem da Tribuna se dedica a entender o que, historicamente, ficou guardado nas placas azuis e quais são as iniciativas que tentam mudar a lógica por trás dessas escolhas.

O historiador e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Marcos Olender explica que a mudança de nomes de rua é algo natural de momentos de mudanças de pensamento. É o caso, como exemplifica, da Avenida Getúlio Vargas, que já foi Rua do Imperador, na época do Império, e Rua 15 de Novembro, durante o início da República. “Estamos falando de nomes de rua, mas também de um exercício de se pensar história. Quem a gente quer homenagear conta a história de uma cidade. O nome da rua em que se mora é muito marcante na vida das pessoas.” Ainda que não se conheçam detalhes de quem foram as pessoas das ruas mais prestigiadas de uma cidade, por exemplo, quase todo juiz-forano sabe quem foram os três homens que deram origem às três primeiras ruas citadas nesta matéria. Respectivamente, um foi um engenheiro alemão tido como um dos fundadores da cidade, outro foi presidente do Brasil e o último, um dos presidentes do período da ditadura militar. 

Conhecendo essas histórias, logo também se começa um movimento de repensar essas homenagens. É o que Olender defende. “Na cidade, vemos uma presença forte de personagens de certos contextos políticos que pertencem a uma certa elite política, muitas vezes autoritária. (…) Esses momentos felizmente já passaram, mas a lembrança ainda fica nas ruas.” Assim como ele, muitas outras iniciativas começaram a questionar a homenagem a figuras de um regime repressor ou ligadas à escravidão, por exemplo, e diversos projetos tramitam na Câmara Municipal e no Congresso para mudar isso. No final de 2024, inclusive, a Justiça de  São Paulo determinou que alterassem nomes de ruas e espaços públicos que homenageiam figuras relacionadas à ditadura militar. “Será que a gente quer manter homenagem a essas figuras, a esses ditadores, a esses escravistas, a esses criminosos? Ou não seria importante a gente se preocupar em homenagear quem merece, como quem lutou pela liberdade, pela democracia, pela justiça social? São essas pessoas que merecem as homenagens, elas que merecem seus nomes não só nos livros de histórias, mas nos livros urbanos, que são efetivamente as nossas ruas”, diz. 

536 ruas levam nome de mulheres

Foi também pensando nas escolhas que são privilegiadas na hora de escolher o nome de ruas que a professora da Faculdade de Comunicação da UFJF, Kerley Winques, começou a desenvolver o projeto “vi.elas”. Vinda do Sul do Brasil, chamou a atenção dela a falta de ruas no Centro de Juiz de Fora que levassem nome de alguma mulher. Isso fez com que ela se aprofundasse, com uma de suas turmas, em um projeto que identificava a quantidade de ruas existentes na cidade e a quantidade de figuras femininas que aparecem nomeando essas ruas. Para isso, foi preciso fazer uma longa análise relacionando os dados do IBGE e os dados da Prefeitura. O que foi identificado é que, dentre os 4.877 endereços da cidade, apenas 536 ruas levam nomes de mulheres. E a maior parte delas não é conhecida pelas pessoas. “Investigamos a história dessas mulheres e não conseguimos saber muito sobre várias delas. Tentamos na prefeitura, em museus e vários outros espaços em que poderíamos encontrar essas histórias, mas em muitas não existe registro.” As mais conhecidas, como nota, também eram aquelas mais relacionadas com a elite política, como o caso da Rua Itália Cautiero Franco, por exemplo, que foi assim nomeada em homenagem a mãe de Itamar Franco (que também batiza uma das principais avenidas da cidade). Mas já em relação à rua Diva Garcia, por exemplo, houve pouquíssimo registro encontrado sobre quem foi essa mulher.

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De 4.877 endereços da cidade, apenas 36 ruas levam nomes de mulheres (Foto: Leonardo Costa)
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Tornar público quem é público

Outro dado bastante interessante que foi descoberto nas pesquisas é que, entre as profissões que são mostradas nas placas, foram 247 doutores homenageados – enquanto apenas 3 doutoras. Já entre os professores, foram homenageados 73 homens, enquanto apenas 29 professoras. O público feminino só ganha em quantidade quando as mulheres são, literalmente, santas: foram 6 santos homens e 23 santas mulheres, como explica Kerley. A iniciativa, logo em seguida, se deu para investigar quem foram essas figuras femininas notáveis. “Tornar isso público é uma forma de valorizar essas histórias. Ruas de mulheres que atuam em projetos com causas sociais. O principal objetivo é tornar as histórias conhecidas e as pessoas reconhecerem essas mulheres e lembrarem de suas histórias.”

No mesmo movimento traçado por ela, Olender enxerga que estão as ações que recuperam figuras históricas antes invisibilizadas e chamam a atenção para o seu posicionamento de resistência. Um dos casos mais emblemáticos, em Juiz de Fora, é o do viaduto Roza Cabinda, que leva esse nome em homenagem a uma mulher que foi escravizada e lutou para receber sua liberdade na justiça. “Temos várias pessoas e personagens da história da nossa cidade que foram silenciadas e invisibilizadas, mas cuja história merece ser contada e conhecida. Nomear ruas e viadutos com o nome dessas pessoas é efetivamente ajudar que essas histórias sejam conhecidas”, destaca.

Novos caminhos

Muitos dos pesquisadores e historiadores têm posicionamentos distintos sobre as homenagens antigas que hoje são questionadas: elas devem ser substituídas, melhor contextualizadas ou simplesmente retiradas? No caso do Halfeld, por exemplo, apesar da sua importância para a criação da cidade, trata-se de um escravocrata, como muitos outros homens importantes de seu período. O que fazer, então, com essas ambiguidades históricas, olhando do presente?

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Um Projeto de Lei que propõe a proibição de homenagens a pessoas escravocratas e ligadas à ditatura tramita na ALMG (Foto: Leonardo Costa)

São vários caminhos que já estão sendo trilhados. Em 2022, na Câmara Municipal, a verdeadora Laiz Perrut (PT) propôs que não pudessem ser feitas homenagens do tipo a escravocratas e pessoas ligadas à ditadura militar. O projeto não foi aceito. Mas, em 2025, o assunto volta a tona e toma outras discussões: o Projeto de Lei (PL) 2.129/20, de autoria das deputadas Ana Paula Siqueira (Rede), Leninha (PT) e Andréia de Jesus (PT), propõe que a proibição seja estendida ao poder público, às empresas privadas e às entidades sem fins lucrativos, vetando desde nomes de marcas até ruas e monumentos. O projeto recebeu um parecer favorável da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e segue para aprovação. Enquanto isso, as ruas aguardam.

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