Futebol brasileiro já acumula 42 SAFs; veja lista e diferentes modelos de negócio

A Lei das Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) foi aprovada no Brasil no final de 2021 como a boia de salvação de vários clubes brasileiros. Nesse tempo, grandes grupos internacionais e empresários brasileiros viram uma oportunidade de investimento no futebol brasileiro e o cenários melhorou para vários clubes, mas alguns casos não deram certo.

Um dos primeiros exemplos de SAF em um time grande no país foi o Botafogo. A equipe estava em um situação complicada quando foi comprada pelo bilionário norte-americano John Textor, em março de 2022, com investimento mínimo de R$ 400 milhões. 

Menos de dois anos depois, a situação da equipe carioca é melhor dentro e fora dos campos. Fora, viu sua dívida diminuir em R$ 500 milhões. Dentro, voltou a vencer o Campeonato Brasileiro depois de 29 anos e conseguiu o título inédito da Libertadores da América, tudo isso em 2024. Títulos que, além de estarem na sala de troféus, renderam mais de R$ 200 milhões para os cofres. 

Mais de 40 clubes são SAFs nas quatro divisões nacionais

Apesar de ainda não ser uma maioria entre os clubes nacionais, 42 clubes nas quatro divisões nacionais já aderiram ao modelo de SAF. Em números absolutos, a Série D é a que tem mais SAFs: 19 dos 65 participantes. Já a Série B é a que conta com o maior número percentual, já que 9 dos 20 clubes que vão disputar a competição viraram SAF.  Confira a lista completa elaborada pelo site Bolavip Brasil a pedido da IstoÉ Dinheiro:

Série A
Atlético-MG
Bahia
Botafogo
Cruzeiro
Vasco
Fortaleza

Série B
Amazonas
América-MG
Athletic
Atlético Goianiense
Coritiba
Cuiabá
Grêmio Novorizontino
Botafogo-SP
Ferroviária

Série C
Botafogo-PB
Brusque
Figueirense
Ituano
Londrina
Maringá
Retrô
São Bernardo

Série D
América-RN
Azuriz
Barcelona-BA
Boavista
Capital
Ceilândia
Cianorte
Ferroviário
Rio Branco-ES
Gazin
Goiânia
Inter de Limeira
Itabirito
Portuguesa
Mixto
Monte Azul
Pouso Alegre
Sampaio Correa
Santa Cruz


“As SAFs são positivas para o futebol brasileiro, já que torna a gestão dos clubes mais profissionais”, acredita Marcelo Toledo, professor de gestão de marketing esportivo da ESPM.

Modelo de SAF também tem problemas

Em um cenário onde clubes de futebol somam dívidas que muitas vezes atingem a casa de bilhão, a SAF é um modelo de venda do setor de futebol dos clubes, que deixam de ser associação civil sem fins lucrativos para serem geridos como uma empresa privada. 

Para Toledo, o modelo é um bom caminho para a profissionalização dos clubes, mas é preciso conter as expectativas. 

“É preciso entender que não é porque meu clube virou uma SAF que ele vai ser campeão de alguma coisa ou que ele vai ser o melhor time do mundo”, ele dá como exemplo o Red Bull Bragantino, que tem como objetivo desenvolver e vender novos jogadores, acima da conquista de títulos. 

Um dos exemplos de como esse modo de gestão difere do esperado é que o Botafogo multicampeão em 2024 foi na contramão do que seria esperado para um clube vencedor, que seria a manutenção do elenco. De uma temporada para a outra, a equipe está passando por um desmanche com a saída de diversos jogadores.

Um dos casos mais polêmicos é a saída do meia argentino Almada, que vai trocar o Botafogo pelo Lyon da França, que também pertence a John Textor. Anteriormente, o zagueiro Adryelson e o goleiro Lucas Perri já fizeram esse caminho. Além deles,  a dupla de ataque destaque em 2024 Luiz Henrique e Júnior Santos também foi negociada respectivamente para o Zenit e o Atlético Mineiro, gerando mais de R$ 200 milhões para os cofres alvinegros.

“Uma SAF é uma empresa que tem um time de futebol e vai sempre se basear no lucro. A venda de jogadores do Botafogo para o Lyon, portanto, faz parte de uma estratégia de maximização de lucros, já que o jogador, em euro, valerá mais no clube francês”, afirma Toledo.  

Rede multi-clubes

Assim que a lei foi aprovada, diversos grupos se interessaram em investir no futebol brasileiro. As redes multi-clubes, que possuem times em diversas partes do mundo, viram no Brasil uma oportunidade de investimento.

Além de ser proprietário do Botafogo, John Textor é proprietário da Eagles Football Holdings, que conta também com Lyon, na França, do RDW Molenbeek, na Bélgica, e uma participação minoritária no Crystal Palace, na Premier League da Ingleterra.

O grupo City, proprietário do Manchester City e de outros clubes pelo mundo que adquiriu a SAF do Bahia em 2023 e a Red Bull, que adquiriu o Bragantino em 2019 são outros investidores multi-clubes que já investem no futebol brasileiro. A estratégia dessas companhias difere uma das outras e podem levar a resultados diferentes.

“O exemplo da Eagles Football do John Textor pode ser visto como uma exceção e não como regra geral. A maior rede multi-clubes do mundo, o Grupo City, ainda não conseguiu atingir conquistas esportivas em nenhum dos clubes que adquiriu. O Manchester City ainda depende muito de contratações e os outros clubes ainda não tiveram destaque em nenhuma liga”, critica o jornalista e pesquisador Irlan Simões. 

Conselheiros que viraram donos

Rafael e Rubens Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador: os donos da Saf do Atlético Mineiro. Família Menin é dona da MRV, que é credora do clube por conta da construção do estádio Foto: Atlético Mineiro

Outro tipo de investidores nas SAFs dos clubes brasileiros são os empresários que já possuíam algum tipo de relação com os clubes.

Os dois maiores times de Minas Gerais, Atlético Mineiro e Cruzeiro, são exemplos de SAFs que foram compradas por empresários que foram conselheiros dos clubes em algum momento. 

O Atlético foi comprado pelo fundo Galo Holding, que conta com Rubens e Rafael Menin, donos da construtora MRV e do Banco Inter; Ricardo Guimarães, dono do banco BMG; e Renato Salvador, proprietário do Hospital Mater Dei. A dívida do clube em 2024, somando dívidas bancárias com a do estádio, construído pela MRV, caiu R$ 34 milhões.

O caso do Cruzeiro é ainda mais curioso, já que ele foi comprado pelo ex-jogador Ronaldo no final de 2021, que vendeu o clube para o empresário Pedro Lourenço, proprietário da rede de supermercados BH, em 2024. O ex-atacante lucrou R$ 550 milhões com o negócio.

Nestes casos, Toledo afirma que o modelo de negócio ainda não está claro e a mistura de paixão pelo clube pode atrapalhar em algumas tomadas de decisão. 

“Nos dois casos há uma paixão pelo clube. No caso do Atlético, quem comprou a SAFs foram os donos da MRV, que construíram o estádio do time. O Cruzeiro, que foi comprado pelo Ronaldo Fenômeno, já foi vendido para o Pedro Lourenço. Ao contrário do Textor e do grupo City, esse tipo de gestão apaixonada tem uma relação bem próxima com o torcedor, então a gente vai ver até onde vai a paixão e até onde vai o desejo do lucro”, apontou. 

Caso Vasco

Parceria do Vasco da Gama com a 777 Partners virou pesadelo Foto: Vasco da Gama (Crédito:Divulgação/ Vasco da Gama)

Em meio ao sonho de voltar a ser protagonista no futebol nacional, o Vasco negociou a venda da sua SAF para o grupo 777 Partners em 2022. Os norte-americanos pagaram R$ 700 milhões por 70% do clube. Menos de dois anos depois o grupo se viu envolvido em problemas contábeis e financeiros, que os levaram ao banco dos réus nos Estados Unidos. Resultado: o que era sonho para os vascaínos virou pesadelo e o fundo foi afastado do controle da SAF cruzmaltina graças a uma liminar da 4ª Vara empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.  

Em maio de 2024, em um processo aberto no tribunal federal de Nova York, a empresa de gestão de ativos Leadenhall Capital Partners afirmou que forneceu mais de US$ 600 milhões em fundos para a 777. A Leadenhall alegou que cerca de US$ 350 milhões que a 777 havia prometido como garantia para o empréstimo ou não existiam, não estavam sob controle da 777, ou já haviam sido prometidos a outros credores.

O processo nomeou empresas da 777 como réus e mencionou os cofundadores Josh Wander e Steve Pasko, alegando que eles estavam “operando um grande jogo de cascas, na melhor das hipóteses, e um esquema Ponzi, na pior”

“Junto com um discurso de gestão mais profissional, as SAFs vieram com um discurso político muito forte, e o Vasco foi vítima disso. A promessa de investimentos grandes no futebol fez com que o clube se unisse com a 777 Partners, um grupo que já havia tido diversos problemas por onde passava. Isso serve de alerta para os clubes brasileiro: é mais provável ser o próximo Vasco do que o próximo Botafogo”, afirmou Simões. 

Time do interior de SP multiplica faturamento com estádio

Estádio Santa Cruz, atual Arena Nicnet, é responsável por boa parte do faturamento do Botafogo-SP Foto: Divulgação/ Botafogo-SP (Crédito:Divulgação/ Botafogo-SP)

Um terceiro modelo que nasce são os fundos de investimento com empresários brasileiros na liderança. Um desses exemplos é o fundo Trexx Holding, que viu na aquisição do Botafogo de Ribeirão Preto uma oportunidade de investimento em um clube médio brasileiro. 

“O Botafogo estava em uma crise muito grande em 2018, sem time para disputar o campeonato paulista. Foi aí que o fundo viu a ideia de ingressar no futebol e o Botafogo viu esse investimento como a tábua de salvação”, afirmou Adalberto Batista. 

O investimento do fundo foi feito em 2018, quando a lei da SAF ainda não havia sido aprovada. Por isso o investimento foi feito em outros moldes e o grupo comprou apenas 40% do clube, mas com cláusulas que garantiam a não influência dos dirigentes do clube na gestão do futebol. 

Batista afirmou que foram investidos mais de R$ 75 milhões no clube e que não há interesse do fundo em adquirir participação em outro clube por conta de uma cláusula de exclusividade com o time paulista. De acordo com informações do fundo, a receita do clube quintuplicou desde 2018 de R$ 8 milhões para R$ 40 milhões em 2024. 

Além de objetivos esportivos, como chegar até a primeira divisão do futebol brasileiro, o Botafogo também tem investido na revelação de novos jogadores e na modernização do seu estádio como principais fontes de renda. O clube atualmente está na Série B do Campeonato Brasileiro.

A modernização do Estádio Santa Cruz, que passou a se chamar Arena Nicnet, transformou o local no principal palco para shows da região, além de contar com três restaurantes, como o Bar do Zeca Pagodinho e o Hard Rock Café. Com a SAF, clube tem um terço de sua receita vinda de shows no local.  

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