Iraque considera turismo como alternativa ao petróleo

Pensando em diversificar sua economia diante da tendência de redução no uso de combustíveis fósseis, país quer atenuar fama de destino perigoso e mostrar as riquezas de região que já foi o centro cultural do mundo.Duas mesquitas centenárias, uma das primeiras universidades do mundo árabe, um castelo de 800 anos, a igreja mais antiga da cidade e a sede do governo de Bagdá na época do Império Otomano. Esses são alguns dos prédios que compõem a praça central de Bagdá, que não à toa foi escolhida pelo primeiro-ministro iraquiano, Mohammed Shia al-Sudani, como cenário para o anúncio de incentivos ao turismo no país.

Mas a área ao redor da praça Saray também carrega as cicatrizes da história mais recente do Iraque, o que tem mantido os turistas afastados há anos. Logo abaixo da praça está a rua Muttannabi. Em 2007, um carro-bomba matou 30 pessoas no local e destruiu grande parte da rua, famosa por suas livrarias. Em 2019, a vizinha rua Rasheed tornou-se uma perigosa linha de confronto onde manifestantes e forças de segurança lutaram durante protestos contra o governo.

Mas as coisas mudaram muito nos últimos cinco anos, com o Iraque passando por um longo período de relativa calma e segurança. Tanto que, no fim de fevereiro, a Organização Árabe de Turismo, parte da Liga Árabe, decidiu anunciar Bagdá como a “capital árabe do turismo” de 2025.

“Graças aos sacrifícios de seu povo, o Iraque recuperou sua posição de direito como uma nação influente, atraindo turistas de todo o mundo para conhecer suas ricas civilizações”, disse al-Sudani ao receber uma grande e simbólica chave das mãos de emissários de Omã, país detentor do título de 2024.

Afastando-se do petróleo

Assim como muitas outras nações produtoras de petróleo da região, preocupadas com o afastamento do mundo dos combustíveis fósseis, o Iraque está empenhado em diversificar a renda nacional e incentivar mais empregos no setor privado, em vez de no setor petrolífero ou no setor público.

O turismo, principalmente o religioso, já contribui diretamente com cerca de 3% do PIB do Iraque. Mas o governo iraquiano diz que quer aumentar essa contribuição para 10%, concentrando-se em outras coisas que o Iraque tem a oferecer.

Não se trata de uma ambição implausível. Em países como Egito, Tunísia, Marrocos e Emirados Árabes Unidos, onde o turismo está desenvolvido, o setor representa entre 7% e 9% da renda nacional.

O Iraque recebe entre 6 e 10 milhões de turistas religiosos todos os anos, principalmente do Irã e da Turquia, porque abriga alguns dos santuários islâmicos mais importantes do mundo.

No entanto, desde que o governo iraquiano flexibilizou as exigências de visto para estrangeiros em 2021, oferecendo um visto sob demanda para cidadãos de mais de 30 países, isso está mudando.

É difícil obter números exatos devido às diferentes maneiras como os números de visitantes são coletados no Iraque, mas no ano passado as autoridades de turismo disseram que 400 mil estrangeiros vieram para fazer turismo cultural ou de lazer.

Planos ambiciosos

“É 100% possível”, diz Ali al-Makhzomy sobre as ambições turísticas do Iraque. Ele é fundador e presidente da Bil Weekend, uma agência de turismo local que trabalha com turistas nacionais e internacionais. “Isso poderia até mesmo cobrir 30% do orçamento iraquiano”, ele se entusiasma, mas depois pondera: “com algumas condições, é claro”.

Não há dúvida de que o Iraque tem todos os atributos para essa guinada – seis locais são patrimônio mundial da Unesco, uma população hospitaleira, atrações naturais e tesouros arqueológicos que datam de milhares de anos.

Em 2021, a visita oficial do papa Francisco fez alguma a diferença na percepção geral sobre o Iraque, mas ela ainda é mais focada nos perigos que o país oferece. Alguns iraquianos ouvidos pela DW disseram que visitantes de países árabes só começaram a vir para fazer turismo cultural quando um grande torneio de futebol foi realizado na cidade de Basra, no sul do Iraque, no início de 2023.

“A Copa do Golfo em Basra foi quando o Iraque realmente abriu as portas para os visitantes árabes”, afirma Diyar Talal, um dos fundadores do Iraqi Traveler’s Cafe, um fórum sem fins lucrativos com cerca de 100 mil membros nas mídias sociais. “E começamos a ver pessoas de países do Golfo… Arábia Saudita, Bahrein, Kuwait etc… vindo para cá para fazer turismo, não apenas por motivos religiosos.”

Turismo interno também cresce

Ali al-Makhzomy criou sua agência de turismo em 2016 para atender ao mercado doméstico depois de perceber que os próprios iraquianos estavam se interessando mais por sua história, embora não soubessem bem como navegá-la. Havia empecilhos como o fato de muitos dos locais históricos no Iraque estarem frequentemente fechados nos finais de semana.

Agora, al-Makhzomy estima que cerca de 20 mil iraquianos visitam todos os meses pontos turísticos como o local da antiga Babilônia.

“Há muitas oportunidades lá”, afirma. “Desde experiências culinárias relacionadas a patrimônios históricos até mais motoristas e guias turísticos. Se você for um jovem que mora nas proximidades e começar a fazer souvenirs, fará bons negócios.”

As oportunidades existem porque ainda há muitas lacunas no mercado local. Enquanto os vendedores da popular rua Muttannabi, em Bagdá, supervisionam as mesas cheias de ímãs de geladeira, estatuetas e bandeiras iraquianas, não há muito o que comprar em algumas das atrações mais populares.

Por exemplo, no Museu Nacional do Iraque, em Bagdá, é possível ver algumas das antiguidades mais incríveis do mundo, incluindo um exemplar de 3.600 anos da primeira obra de literatura do mundo. Mas um cartão postal empoeirado numa loja de presentes abandonada é o único souvenir possível.

Como um morador local explicou (pedindo para não ser identificado para não colocar seu emprego em risco), essa é a diferença entre as instalações administradas pelo governo – como o museu, onde, segundo ele, “as pessoas não se importam realmente, elas são pagas de qualquer maneira” – e o setor privado, onde moradores locais empreendedores administram seus próprios negócios.

Visão desejada

Há, obviamente, obstáculos maiores para o turismo iraquiano. Muitos países ocidentais ainda desaconselham seus cidadãos a viajar para o país. Embora turistas dos países do Golfo tenham recebido isenção de visto para assistir aos jogos de futebol em Basra, cidadãos de outros países árabes podem ter mais dificuldade em entrar no Iraque do que a maioria dos europeus. Outros problemas incluem conflitos próximos, como em Gaza, e mudanças climáticas, que estão tornando os verões iraquianos cada vez mais difíceis.

Embora alguns desses problemas sejam intratáveis, há o sentimento entre os habitantes do Iraque que muito mais poderia ser feito.

“Acho que nosso país precisa ter uma visão para o turismo”, argumentou Talal, da ITC. “Veja a Arábia Saudita, eles têm a Visão 2030 [que inclui objetivos de turismo]. Nós não temos isso e não acho que possamos mudar sem algo assim.”

“Precisamos de um plano real do governo e de muito investimento para fazer o setor avançar”, concluiu al-Makhzomy. “O turismo não é apenas uma atividade de guia turístico. Significa também hospitalidade – hotéis, restaurantes, tudo. É um setor completo e você precisa ser capaz de cobrir cada etapa.”

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