Um pacto com Guimarães Rosa: escritor lança cordel inspirado na obra do autor mineiro

guimaraes rosa cordel a benzedeira

guimaraes rosa cordel a benzedeira
Bruno lança livro baseado na obra de Guimarães Rosa (Foto: Divulgação)

Bruno H. Castro pedia licença, de maneira religiosa, quando adentrava no universo místico criado por Guimarães Rosa, que serviu de inspiração para escrever seu mais novo livro, “A benzedeira”. Nele, o escritor e poeta revisita o sertão e as memórias de Dona Jovelina, lidando com o fantástico que habita a realidade dos causos e das coisas, em um texto que trabalha o tema da intolerância religiosa. Anunciado oficialmente na Academia de Letras, o cordel teve lançamento na última quinta-feira (13), em São Paulo, e é a primeira parte de um projeto que visa arrecadar fundos para adaptar a narrativa em uma animação em 2D. O livro pode ser adquirido pelas redes sociais, no Instagram @abenzedeirafilme.

A escuta de si a partir de Guimarães Rosa

Bruno considera uma maldição ter lido o “Grande sertão: veredas”. Encontrou um mundo de tanto fascínio que, entre as métricas, poesias e filosofias presentes na obra, perdeu-se para sempre na linguagem de Guimarães. Apesar de carregar a sensação de ter feito um pacto com o autor – assim como Riobaldo (protagonista da narrativa) teoricamente o faz -, o romance mudou suas percepções acerca de si e da literatura.

“É quase uma experiência sensorial. Quando entendi que existia uma literatura que não era somente passiva, colada em frente um livro lendo, isso foi uma nova possibilidade sinestésica. Foi uma retomada da leitura para mim, uma por prazer. Houve também uma importância no sentido da minha sexualidade. Na hora que entendi o que estava acontecendo no amor entre Riobaldo e Diadorim, que no meio de uma guerra, um se vê apaixonado pelo outro e, nessa confusão, Riobaldo faz paz com o amor que sente. Quando vi isso, me questionei: por que eu não aceitava quem eu era? Por que eu não vivia minha realidade? Isso foi tão importante para mim que fez com que eu aceitasse minha sexualidade.”

Esse impacto na vida do autor está presente em “A benzedeira”. No livro, o personagem principal é o Poeta, como Bruno se ficcionaliza para adentrar na própria narrativa. Como o que a vida pede da gente é coragem, o autor, revisitando lembranças e criando outras, construiu seu próprio sertão para poder narrar algumas das histórias que Dona Jovelina, mulher que ajudou em sua criação, contava.

“A história é uma homenagem à Dona Jovelina, uma senhora muito especial na minha vida. Quando eu era criança tinha dores de cabeça lancinantes. Ela colocava um frasco de vidro cheio de água onde doía, começava a fazer uma oração e a água começava a borbulhar. Nisso, a dor ia passando. Era fantástico. Ela tirava a dor de cabeça na mão. Ficava muito tempo com ela. Tínhamos uma amizade. Ela tinha várias histórias de fé, de cura, e aquilo ficava em um lugar entre a fantasia e a realidade. Queria me reconectar com Dona Jovelina. O Poeta poderia ser Guimarães, mas na hora que tomei coragem, fui ao encontro dela.”

Além dessas retomadas, muito da narrativa se desenvolve a partir de pesquisas de campo do autor, sua pós-graduação e anotações sobre o cotidiano. A intolerância religiosa aparece na narrativa por meio da personagem Aurora, figura mística que salva o Poeta, mesmo que pertença a outro plano. Ainda em vida, ela sofre perseguição por construir um terreiro próximo às terras de um grande produtor de cana-de-açúcar.

Das páginas para as telas

Entre idas e vindas, “A benzedeira” é um projeto que demorou aproximadamente dez anos até sua publicação. “Mexer com Guimarães é mexer com Deus. É uma divindade. O texto começa comigo pedindo licença para entrar nesse universo. O texto era quase uma provação, um desafio pessoal. Se era fácil o caminho, eu ia para o mais difícil. Já houve momentos em que o texto não repetia uma palavra.”

Se na construção do livro Bruno se perdeu nas inúmeras possibilidades que a linguagem apresenta, em sua adaptação para o cinema os caminhos serão outros. Já tendo experiência como roteirista e diretor, trabalhando nas animações “Sangro” e “Guida”, a escrita do cordel é uma forma de conseguir arrecadar fundos para a adaptar sua obra para o audiovisual. “Estou vendo a chance de dar um passo na carreira. Para fazer meus filmes estou percebendo que vou começar a escrever livros antes e, depois, adaptar para cinema. ‘A benzedeira’ é o primeiro passo nessa trajetória”, afirma.

O autor explica que, inicialmente, o cordel surge como filme. Ao perceber que atualmente existem poucos editais de desenvolvimento para roteiro e que projetos de animação costumam ser mais caros – devido a necessidade de apresentar um storyboard (desenhos que ilustram a narrativa) -, o livro surge como uma fonte que facilita esse processo. “O projeto audiovisual se transformou em um projeto de literatura. No audiovisual vou trabalhar com pessoas nas quais confio e já trabalhei anteriormente, entendo que elas vão conseguir fazer essa tradução de uma forma tranquila. O texto que é formal e metódico. Na animação será um processo expansivo.”

Literatura cantada

De acordo com dados da última edição da Pesquisa Retratos da Leitura – que quantifica os hábitos de leitura no país -, ocorreu uma redução de 6,7 milhões de leitores no Brasil entre 2020 e 2024. Pela primeira vez na série histórica, a proporção de não-leitores superou a de leitores, sendo que também houve diminuição no percentual de leitores em todos os segmentos abordados pela pesquisa.

Tendo em vista este panorama, Bruno destaca que “o Brasil foi formado na cultura oral”, e que a aproximação entre língua falada e língua escrita pode contribuir muito para aproximar mais pessoas do hábito de leitura. O formato do cordel, crê, pode contribuir neste processo de aproximar leitores, justamente por ser mais oralizado.
Como Guimarães escreve, “o sertão está dentro da gente”, e a escrita e a leitura são formas de acessar as tantas veredas que existem em nós. “O sertão é o incompreensível. Tem uma beleza, uma filosofia. É uma possibilidade de me expandir, de me desafiar e de lembrar que tenho coragem de fazer isso”, finaliza Bruno.

  • LEIA MAIS sobre Cultura aqui

*Estagiário sob supervisão da editora Cecília Itaborahy

O post Um pacto com Guimarães Rosa: escritor lança cordel inspirado na obra do autor mineiro apareceu primeiro em Tribuna de Minas.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.