Governo fez ‘barbeiragem’, mas foco de fiscalização do Pix é o sonegador, diz ex-secretário

Para Marcos Cintra, que foi secretário-especial da Receita Federal em 2019, o governo fez uma “barbeiragem gigantesca“, quando tornou um fato que “poderia ser quase que rotineiro” em tema nacional, levantando suspeitas dos contribuintes sobre monitoramento de informações financeiras e com potencial para até mesmo prejudicar o sucesso do Pix no sistema financeiro brasileiro.

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Cintra, que é economista, falou ao site IstoÉ Dinheiro sobre a atualização no sistema e-Financeira da Receita Federal que tem repercutido negativamente entre a população, além de ter sido usada como mote para notícias falsas sobre novos impostos.

Isso porque, a principal mudança é que, agora, transações financeiras mensais acima de R$ 5 mil, para pessoas físicas, e de R$ 15 mil, para pessoas jurídicas, deverão ser comunicadas no sistema da Receita Federal pelas respectivas instituições financeiras envolvidas.

Além da mudança no valor mensal mínimo a ser comunicado – que subiu – foi ampliada a extensão do monitoramento de transações financeiras, que passou a incluir aquelas feitas por Pix, operadoras de cartão de crédito e as instituições de pagamento, como bancos digitais e operadoras de carteiras virtuais. Segundo a Receita, a atualização desse sistema não era feita há 20 anos.

“Se o contribuinte analisar o que já estava acontecendo, ele veria que não há grande modificação. Ele sempre esteve sujeito a esses métodos fiscalizatórios. Fato é que é um aperfeiçoamento do já vinha sendo feito. É uma melhoria tecnológica grande e vai significar um aperto na fiscalização”, diz Cintra.

Mas, Cintra destaca que a forma como a Receita operou essa atualização e, mais, como ela chegou à população, deram margem para os ruídos e notícias falsas sobre o tema.

“Isso poderia ter sido feito de maneira discreta. Não sei nem se seria necessária uma resolução para fazer com que isso acontecesse. Poderia ser feito por meio de portarias internas, alguma forma que gerasse o mesmo resultado, mas errou do ponto de vista deles, ainda que estejam fazendo a coisa correta e comunicaram de um jeito que deixou todo mundo preocupado“, detalha o que ele classificou como “barbeiragem”.

Grandes sonegadores preocupados

Cintra diz que a mudança feita é uma “melhoria tecnológica muito profunda”, significando um aprofundamento muito grande na fiscalização. “Provavelmente vai gerar muito mais autuação, muito mais multa”. Mas, reforça ele, “essa é a obrigação da Receita, e ninguém pode criticar a Receita por estar cumprindo a lei”.

 

Por isso, ele, diz, a maior preocupação está entre aqueles que sonegam. “Quem está realmente incomodado com isso tudo são os grandes evasores, os grandes sonegadores. Então quando colocam um acompanhamento fiscal com esse rigor e com esta profundidade, eles entraram em pânico porque estavam acostumados a viver em um país aonde a legislação poderia ser desrespeitada porque depois tinha três ou quatro recursos e ia para a Justiça e acabavam ganhando. Agora o risco é muito maior. Então, eu acho que a grande indignação surgiu motivada, não pelo coitadinho, mas pelos grandes sonegadores que se sentiram afetados“.

O economista destaca que no Brasil, cerca de 30% do PIB está na sonegação, evasão de divisas e na informalidade. “É uma ilusão achar que a pessoa que sonega são os coitadinhos, os pipoqueiros [por exemplo]. Eles também sonegam, assim como a patroa que não registra a diarista, mas os principais são os grandes”.

Mas, diz ele, os grandes sonegadores são o foco da Receita. “Em termos de volume de valores sonegados são os ricos que sonegam muito, mas muito mais. O número de pessoas que são os pequenininhos – pipoqueiro, sorveteiro, ambulantes em geral e pequenos comerciantes – em termos de valor global, é muito pouco”.

Movimentações e ganhos: quando acende o sinal de alerta para a Receita

Na terça-feira, 14, a Receita Federal se pronunciou nas redes sociais afirmando que o reforço na fiscalização do Pix não afetará a renda dos trabalhadores autônomos, e falou sobre o impacto das novas regras de monitoramento em situações como compra de material por trabalhadores que fazem bicos e uso de cartão de crédito compartilhado com a família.

“A Receita sabe que a movimentação financeira é sempre maior que o rendimento, o ‘lucro’ tributável. Ignorar isso seria um erro primário que a Receita não comete”, afirmou o órgão.

Então, qual seria o critério da Receita para investigar transações que podem ser consideradas incompatíveis ou suspeitas? Questionado, Cintra não quis detalhar como se dá essa decisão internamente, considerando que não seria muito ético compartilhar essas informações.

“Posso dizer o seguinte: isso tudo no mundo de hoje será feito por meio de algoritmos. Tudo vai ser recebido por meio de algoritmos”. Mas, reforça o ex-secretário, o foco estará nos grandes contribuintes, ou grande sonegadores. “Acredito – aí é uma mera especulação minha – que o governo vai simplesmente arquivar aquela do pipoqueiro e a do guardador de automóveis e vai pegar essas informações dos grandes contribuintes e vai levar diretamente ao Coaf [órgão administrativo da Receita focado em inteligência financeira]”.

Dentro da Receita Federal, conta, existe uma subsecretaria que provavelmente vai recolher todas as informações e depois a auditar aqueles de maior interesse. “Em alguns casos são feitos por sorteio dentro de determinadas categorias, outros são feitos porque existe uma área na Receita dos grandes contribuintes”. Internamente, já existe uma divisão entre a grande massa dos menores contribuintes e aqueles que são os grandes contribuintes que recebem um olhar sobre tudo que fazem.

“Vai selecionar os grandes, porque tem um impacto maior na arrecadação. E os pequenos eu acredito que vai ser uma fonte de grande preocupação, mas de relativamente pouco impacto econômico. Não acho que a Receita vá atrás de pipoqueiro. Não agora. Suspeito que eles vão concentrar nos grandes contribuintes e não nos pequenos, a não ser por outros critérios da malha fina ou por sorteio”.

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